PUC-Rio

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 27/05/2007
Autor/Repórter: Lilian Fernandes

UMA FAMÍLIA QUE NÃO PERDE O FÔLEGO

Era uma vez um grupo de profissionais que se reuniu para fazer o remake de um grande sucesso (o que sempre é um risco), o seriado “A grande família”. Inicialmente, seriam 8 ou 12 episódios, mas logo ficou decidido que haveria uma temporada inteira. Veio mais uma, e depois outra, e o resto todo mundo sabe. Há sete anos no ar, “A grande família” sobreviveu a dificuldades como as mortes dos atores Rogério Cardoso e Francisco Milani e, desde 2003, é um dos cinco programas mais vistos do Brasil. Normalmente, reveza-se no segundo lugar com o “Jornal Nacional”, ambos perdendo apenas para a novela das oito da Rede Globo. Em abril, foi a terceira maior audiência do país, só ficando atrás do imbatível “Big Brother Brasil” e de “Paraíso tropical”. No início deste ano, mais de 200 episódios já exibidos, o grupo levou sua história para o cinema, e arrastou 2 milhões de pessoas para assistir a “A grande família — O filme”. O próximo passo é uma caixa com DVDs. Uma trajetória que surpreende até quem está acostumado com o sucesso.

— A gente achava que o programa não ia além daqueles primeiros episódios; iam nos comparar à outra família e, diante da saudade do público, a gente ia perder — lembra Marieta Severo, a matriarca Nenê.

— Toda novela tem vários núcleos familiares, mas "A grande família" é “A” família — ressalta Marco Nanini, intérprete de Lineu. — Num país com a extensão do Brasil, em que se fala tanto dos preços dos ingressos (de cinema e teatro), é legal manter um programa como este na TV (aberta), que chega a todos os lugares, de graça — diz ele, que a pedido do GLOBO se encontrou com Marieta num espaço sagrado para a atriz, o palco de seu teatro, o Poeira, para falar sobre o sucesso do seriado.

“A grande família” original estreou em 1972, com Jorge Dória e Eloiza Mafalda nos papéis de Lineu e Nenê, e ficou no ar até 1975. Primeira comédia de costumes da Rede Globo, era baseada na série americana "All in the family", e alcançou o sucesso quando o texto se aproximou da realidade brasileira da época. A atual estreou em 2001 e deslanchou em 2003, quando, por pressão do público e da equipe, passou a ser exibida mais cedo, por volta das 22h, nas noites de quinta-feira. Fazer rir das dificuldades do cotidiano nacional é característica de ambas.

— O programa mostra uma família típica, e os problemas são resolvidos de uma forma bem-humorada, positiva, carinhosa. Ele traz as boas características dos brasileiros — diz Marieta.

Outro motivo para o bom desempenho, segundo Nanini e Marieta, é o fato de nos bastidores também haver uma grande família. Quase todo mundo já se conhecia: antes do programa, Nanini e Marieta haviam trabalhado juntos no teatro, em “Quem tem medo de Virginia Wolf?”, e estavam ensaiando a peça “Os solitários” quando as gravações começaram. Marieta é madrinha de Francisco, filho de Andréa Beltrão (a Marilda), que é casada com Maurício Farias, o diretor do programa. Juntas, Marieta e Andréa fundaram o Teatro Poeira, há dois anos. Quem não tinha laços anteriores, logo se enturmou.

— As pessoas vão sendo assimiladas, o que é bom, porque dá chance aos roteiristas de contar outras histórias — diz Marieta.

Mas, família, família, negócios à parte, frisa Nanini:

— O elenco é disciplinado. Ninguém chega atrasado, todos têm o texto decorado. A gente conversa muito, mas, se quer alguma opinião, pede noutra hora. Ali não é lugar para isso.

“A grande família” começou com um único cenário, o da casa de Lineu e Nenê. À medida que foi ganhando sobrevida, teve seu universo redimensionado: a equipe decidiu mostrar também o trabalho de Lineu e sua vizinhança. Em 2002, uma cidade cenográfica foi construída no Projac. No ano passado, ela foi reformada para o longa.

Nesta temporada, que estreou em abril, a média de audiência está em 37 pontos, com 57% de share (participação no total de televisores ligados). Ninguém se arrisca a dizer até quando o sucesso pode durar. Mas Marieta e Nanini garantem que, a sério, até hoje nenhum ator pensou em deixar o programa.

— A gente tem consciência de que está no paraíso em termos de televisão — diz Marieta. — Às vezes há uma inquietação, mas (pensar no fim do programa) dá uma sensação de estar traindo a enorme vontade do público.

— A rotina é uma dificuldade sempre presente, mas a gente tenta driblá-la e descobre o prazer da repetição. E estar preso a um programa como esse nos libera um outro lado criativo — acrescenta Nanini.

No momento, ele está ensaiando uma montagem de “O bem amado”, de Dias Gomes, peça que deu origem à novela e à série de TV e será uma espécie de laboratório para o longa homônimo. Já Marieta e Andréa ensaiam “As centenárias”.

— Como o teatro é muito artesanal, reabastece o ator. A TV consome o que você já adquiriu. Mas é característica do ator brasileiro fazer de tudo. O que me importa é a qualidade, a intenção artística. Não é o veículo que é bom ou ruim, depende do que você coloca nele — diz Marieta.

— Não vejo muita TV porque já passo muitas horas gravando. Mas, para mim, o importante é variar de veículo — observa Nanini.

O longa levou novos ares à casa de Lineu. “A grande família — o filme" vinha sendo gestado há anos, e só saiu do papel quando todos acharam que havia uma boa história para contar.

— Tudo no seriado é muito conversado; a idéia de dar voz aos atores já existia desde o projeto — conta Marieta. — Por causa do filme, voltamos a falar muito sobre os personagens. E pedimos que ele tivesse mais situações dramáticas, para apostarmos em registros que não cabiam na TV.

Para Nanini, a palavra que melhor define a experiência no longa é “cansativa".

— Tínhamos muitas noturnas. Uma vez, fomos gravar uma cena de madrugada, em Jacarepaguá, na qual tinha que estar chovendo. Usávamos chuva artificial e, quando chovia de verdade, tínhamos que parar a filmagem. Às 4h da manhã! E a cena era de chuva! Isso leva uma pessoa à loucura — brinca.

Já Marieta, que só sabe pregar botão, teve que fazer um curso intensivo para aprender a operar a máquina de costura que manuseia habilmente em várias cenas do filme. E, como o longa traz três versões de uma mesma história...

— Fizemos cada cena três vezes, com mudanças sutis. Eu tinha que parar e pensar: "A gente está na segunda cena do terceiro ato ou na terceira cena do segundo ato?"

O filme fez sucesso tornando um pouco mais dramática a vida de Lineu e Nenê, mas o diretor de "A grande família” diz que continuará apostando na fórmula que fez do seriado uma paixão nacional.

— A gente se preocupa em retratar o cotidiano de maneira engraçada e não apelativa. Isso tem a ver com o gosto de quem faz o programa; a emissora nunca determinou nada. Nos incomoda abordar determinadas questões de uma forma que torne o programa impróprio. A gente está falando da família brasileira, o que gera uma identificação inevitável. E esta (a do seriado) é uma família de subúrbio, com um quê conservador — observa Maurício Farias.

Marieta é ainda mais taxativa:

— “A grande família” é um programa que você pode ver com os seus filhos e com os seus pais.

CRONOLOGIA DO SUCESSO

- 2001: O remake de “A grande família” estréia. A princípio seriam 8 episódios.

- 2002: O programa volta à grade da Rede Globo e obtém 35 pontos de audiência, com 56% de share. O programa de fim de ano é o de maior audiência da TV brasileira na semana do Natal, o que ocorrerá novamente em 2003, 2004, 2005 e 2006.

- 2003: Passa a ser apresentado mais cedo, e o episódio registra 46 de média e 68% de share. Aparece pela primeira vez entre as cinco maiores audiências da TV brasileira durante todo o ano, sendo que por 18 vezes foi a segunda maior audiência.

- 2004: Obtém 45 de média e 64% de share.

- 2005: 45 de média e 65% de share.

- 2006: 45 de média e 66% de share.

- 2007: Na estréia, em 12 de abril, registrou 39 pontos de média e 60% de share, mesmo resultado de “Paraíso tropical”.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 131430