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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Repórter Data de Publicação: 01/10/1978 Autor/Repórter: Alex Solnik
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ADVOGADO ACUSA SÍLVIO SANTOS DE LADRÃO
O advogado Antônio Rodriguez mostra onde e como a Liderança Capitalização, empresa do grupo Sílvio Santos, rouba os incautos: vendedores mentem, funcionários despistam, diretoria ignora as reclamações dos fregueses que se consideram lesados e brigam na Justiça pelo dinheiro que Sílvio Santos conseguiu tirar-lhes durante anos. Rodriguez diz que toda a manobra "é roubo mesmo".
Há uma ação na Justiça de São Paulo movida contra uma das empresas do Grupo Sílvio Santos, a Liderança Capitalização S/A. Os "autores" são três fregueses dessa empresa que se sentiram enganados. São pobres, não teriam dinheiro para contratar advogado. Procuraram então o Departamento Jurídico do 11 de Agosto, onde 90 alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, orientados por seis professores atendem de graça.
O orientador desse caso é o advogado Antônio Rodriguez. Ele ouviu dos fregueses - Iderlinda Elizete dos Santos, empregada doméstica, Antônio Marques do Couto, pintor de paredes, e Maria Pureza de Oliveira, dona de casa, todos moradores da periferia de São Paulo (Jardim Imperial, Butantã) - a seguinte história:
Eles foram procurados em casa por vendedores dessa empresa que lhes ofereceram um carne, "uma espécie de caderneta de poupança",' disseram. "A senhora paga um pouco por mês e ao final de um ano começa a receber tudo de volta, com juros e correção monetária."
Gostaram do plano e entraram. Iderlinda deu na hora. ao vendedor Cr$ 1000, Maria Pureza deu Cr$ 140 e Amândio, Cr$ 60. Os vendedores não lhes deram recibos, só lhes entregaram os carnês que deveriam ser pagos no banco. Durante um ano, eles pagaram direitinho as prestações: Cr$ 100 por mês pagou a Iderlinda, Amândio Cr$ 60 e Maria Pureza Cr$ 40. E se dirigiram à sede da empresa, para receber seu dinheiro de volta, com juros.
Lá foram informados que o vendedor tinha mentido: não é depois de um ano que o dinheiro começa a render, mas sim dois anos. Também souberam que deveriam ter lido o título com as "condições gerais", para saberem como funciona direito o tal carne. (Esse título o freguês recebe depois de pagar cinco prestações, mas só Amândio tinha recebido), e as "condições gerais" estão escritas em letra minúscula.
Também nas "condições gerais" há uma tabela de Valores de Resgate que estabelece a quantia que o freguês pode receber, mensalmente, depois de pelo menos 24 prestações do carne. O artigo 4° diz também que só depois de três anos o freguês começa a receber com correção monetária proporcional e só depois de 96 meses (oito anos), a correção monetária passa a ser integral (no terceiro ano, o freguês só recebe 44% da correção monetária). No artigo 6°, outro detalhe: o freguês deve pagar durante 180 meses (15 anos) para ter seu título totalmente pago. E se no meio disso deixar de pagar uma só prestação, perderá tudo o que já tiver pago.
Têm os sorteios é claro. Pelo menos no papel. Para cada série de 100 mil títulos, 16 são sorteados para receberem o valor total do título de uma vez só, e entre esses, quatro têm direito ao dobro do valor. Só que os fregueses em questão jamais ouviram falar em sorteio (terão que esperar até que a empresa venda 100 mil carnês, é claro).
Bom, com essas informações na mão, o, advogado Antônio Rodriguez fez uma "ação declaratória", pedindo ao juiz que considere que não existe relação jurídica entre a empresa e os fregueses, pois não há contrato assinado entre eles. A ação ficou pronta em junho deste ano e foi respondida pela Liderança Capitalização: "se os fregueses concordaram com o negócio, não podem desistir no meio", disse a empresa. E pediu a extinção da ação.
Antônio Rodriguez e seus estagiários tocaram o caso: foram pesquisar as leis que regulam esse tipo de "captação de recursos" (a empresa, na Justiça, disse que seu carnê não é uma caderneta de poupança). Viram que as sociedades de captação de recursos são reguladas por um decreto de 1933, e entre outras exigências (não cumpridas pela Liderança) o decreto diz que é necessário ter autorização do Ministério da Fazenda para uma empresa desse tipo funcionar. E a Liderança, na sua resposta na Justiça, não menciona o número desse registro (se é que o tem).
- Qual é a garantia que têm essas pessoas de que a empresa vai existir 15 anos? Pergunta o advogado Rodriguez. "Porque isso é captação de dinheiro vivo e sem a contraprestação de qualquer serviço. É roubo. Os vendedores dessa empresa procuram pessoas que não podem comprar nem alimentos, pessoas sem experiência nenhuma."
O que pode acontecer agora? A Liderança poderá ser fechada?
Não por causa desta ação, diz o advogado. No máximo, se a ação for vitoriosa os três fregueses terão seu dinheiro de volta. Mas tudo depende da imprensa, inclusive a possibilidade de a ação se transformar em outra, maior, que coloque a empresa em xeque:
- Uma decisão judicial, se a imprensa não toma conhecimento, fica no âmbito das pessoas que moveram a ação; quem sabe dela é o juiz, o advogado, o réu.
A Liderança agora tem que responder à réplica dos advogados e depois o juiz vai decidir se a ação tem cabimento ou não. Se concluir que tem, serão chamadas testemunhas, vizinhos dos fregueses acusadores que também compraram o carnê e se sentiram prejudicados. (Acompanhe o desenrolar dos acontecimentos na imprensa ou aguarde nossa próxima edição).
NINGUÉM DÁ EXPLICAÇÃO AO FREGUÊS - O advogado Rodriguez nos aconselhou a procurar outras pessoas que tivessem reclamações contra a Liderança Capitalização, para ver se confirmavam o que lhe contaram as três pessoas que o procuraram. Não foi difícil achar os reclamantes. Na rua mesmo, avenida Prestes Maia, em frente à loja do Baú da Felicidade, a repórter Eliane Pereira observou um casal discutindo e foi saber o que era. O casal mostrou o carne da Liderança Capitalização e disse que há duas horas estava procurando o endereço da empresa e já tinha ido a dois endereços errados (endereços fornecidos na loja do Baú).
A repórter resolveu acompanhar o casal ao endereço da empresa. Severina de Lira Vitor, 28 anos, cozinheira, Cr$ 1.600 mensais e o pedreiro Almir de Oliveira, Cr$ 2.000 mensais, moradores em Rio Bonito, Santo Amaro. No endereço indicado no carne (rua São Bento 279) eles foram atendidos por uma moça chamada Wanda, loira, jovem, cabelos no ombro. Depois de ouvir o caso - o vendedor do carnê dissera ao casal que começaria a receber dinheiro depois de um ano e ele já pagava há um ano e meio e ela há 13 meses - Wanda disse que o problema seria resolvido no prédio em frente, também da empresa.
No primeiro andar do número 272, Nilda atendeu os clientes, mas disse que não era com ela:
- Procurem a Wanda, no prédio em frente.
Mas foi Wanda que nos mandou aqui e disse que era com você - respondeu a repórter.
- Bem, então não sei. Voes têm que falar com o pessoal da Área Especializada em Resgates, mas eles só atendem com hora marcada.
Pra não perder viagem, os três voltaram a falar com Wanda. Depois de uma pequena conversa, ela disse que o casal não poderia parar de pagar os carnês, senão perderia tudo, para responder à alegação de Almir e Severina de que não tinham mais dinheiro para continuar pagando. Depois de breve discussão, Wanda concluiu:
- Vocês deveriam ter lido o contrato que está escrito atrás do carnê. E além do mais reclamações não é aqui. É na Rua Boa Vista 76, 9° andar com o sr. Dirceu. Mas ele só atende com hora marcada e a essa hora nem está mais lá. (Era uma quinta-feira, 5 da tarde).
No dia seguinte a repórter foi procurar o sr. Dirceu.
- Hoje ele não está, ele não vem sexta-feira, - informaram.
Segunda -feira, 9 e meia da manhã, ela voltou a procurar o sr. Dirceu e de novo não o encontrou.
Outra reclamante foi localizada nesse dia: Afonsina Maria Mendes, empregada doméstica, 61 anos, moradora da Vila Prudente, também fora informada pelo vendedor do carnê que começaria a receber seu dinheiro um ano depois de começa a pagar. Mas já no sexto mês de prestação ela não tem mais dinheiro para continuar a pagar, nem seu marido, que também comprou um carnê. Eles já pagaram Cr$ 1.300,00 e só agora ficaram sabendo que se pararem de pagar perdem tudo.
- Não posso perder meu dinheiro - diz dona Afonsina - é um dinheiro muito suado.
E eu não vou poder pagar mais. Não sei mesmo o que fazer.
O porteiro de um dos prédios onde a empresa funciona, São Bento 279, um senhor de idade, alto, moreno, magro, uniforme azul, apesar do medo de perder o emprego, contou que está careca de ouvir reclamações sobre a Liderança Capitalização:
- Nossa Senhora, aqui vem gente reclamar todos os dias e tudo gente pobre. Eles prometem tudo pras pessoas e não dão nada. Eles falam que as pessoas recebem depois de um ano, daí o pessoal vem aqui e eles dizem que só depois de dois anos. Quando faz os dois anos e as pessoas querem retirar, eles só dão 60% do que as pessoas depositaram e dizem que só dão os juros e pagam todo o dinheiro depois de 5 anos de contribuição. O que acontece é que ninguém sabe como vai ser daqui a cinco anos. Daí eles inventam que só daqui a dez. Não sei por que eles fazem isso com gente humilde. Não põe o meu nome ai que eles podem até me botar na rua já que eles fazem tanta injustiça com o povo que compra esses carnes, podem fazer comigo também.
- Segundo o advogado Rodriguez, essa tabela quer dizer o seguinte: no 25° mês de pagamento, o freguês retira Cr$ 51,20 (para cada Cr$ 1.000 depositados). Depois, só no 36° mês recebe de novo - Cr$ 87,20 - e assim por diante. Quer dizer, se ele desiste antes de pagar durante 15 anos, recebe alguns trocados e perde o que já depositou.
TABELA DE VALORES DE RESGATE
BASE - Valor nominal de Cr$ 1.000
N° DE MESES VALORES
de vigência de resgate
Depois de:
24 meses: 51,20
36 meses: 87,20
48 meses: 125.80
60 meses: 167.00
72 meses: 211,20
84 meses: 258.60
96 meses: 309,20
108 meses: 363,40
120 meses: 421.00
132 meses: 480,80
144 meses: 544,60
156 meses: 606,60
168 meses: 671,80
180 meses: 740.20
192 meses: 778,20
204 meses: 818.20
216 meses: 860.20
228 meses: 904,40
240 meses: 951,00
252 meses: 1.000.00
FELICIDADE DO BAÚ É A MISÉRIA GERAL - Numa sala escura no bairro de Bela Vista, São Paulo, Sílvio Santos ''prepara" o contingente de vendedores do Baú da Felicidade, sua mais famosa arapuca. Os candidatos têm de mentir, enganar e fugir dos fregueses, que acabam descobrindo a roubalheira. Pagam durante 1 ano e retiram mercadorias velhas e ruins a preços extorsivos, na loja que Sílvio Santos quer.
Bom dia. Eu sou o Rubens, coordenador de vendas do Baú da Felicidade e estou aqui para lhes falar vantagens que todos terão a partir do momento em que trabalharem nessa empresa.
Começa assim o curso de vendedores do Baú, assistido na última semana de setembro por nossa repórter Eliane Pereira. Rubens prossegue:
- Primeiro quero pedir às pessoas com menos de 18 e mais de 50 anos que se retirem da sala, pois não admitimos como funcionários quem estiver nessa faixa. (Sai um senhor magro, moreno, cara de fome). E agora peço o mesmo às pessoas que não têm toda sua documentação em dia, inclusive certificado de reservista. (Saem 12 rapazes; a um deles, que ainda não tinha feito serviço militar, Rubens diz, solene: - Meu filho, em primeiro lugar sirva o Brasil e depois venha servir o Sílvio Santos!)
- Bem, - continua Rubens - agora vocês vão preencher uma ficha (além de outros dados, a cor da pele).
Feito isso, Rubens leva o grupo para outra sala, onde vai começar a instrução. É uma sala confortável com ar condicionado, cadeiras cômodas e um quadro negro. Fotografias de Sílvio Santos sorrindo, enormes, há por todas as paredes.
-Agora eu peço que se retirem as pessoas que querem ganhar menos de Cr$ 5.000 mensais! (Dessa vez ninguém levanta). Aqui no Baú vocês terão a grande chance de enriquecer rápido, pois todo mundo sabe que vender carnê do Baú é mais fácil que tomar doce de criança. Vejam o exemplo que Sílvio Santos nos dá: em menos de 20 anos ele construiu um império e todos vocês podem fazer o mesmo, basta trabalhar.
Rubens continua:
- Nós, aqui no Baú, queremos pessoas que não tenham medo do trabalho. Exigimos que todos estejam aqui às 7:30 da manhã, pois a kombi que levará vocês sai nesse horário e o término do expediente é as 18h. Bem, agora vou passar pra vocês o filme do Sílvio Santos.
O filme mostra todas as empresas do grupo Sílvio Santos e afirma, entre outras coisas, que as lojas do Baú consomem 60% dos eletrodomésticos fabricados no país e que se o Baú fechar as fábricas terão que botar a metade de seus funcionários na rua.
Rubens: - Olha, pessoal, vocês imaginam quanto o Sílvio Santos ganha por dia? Ele ganha 8 bilhões e 250 milhões. Isso porque ele começou como ajudante de camelô, imaginem vocês que estão começando como vendedores do Baú. Agora nós vamos dar um tempo para almoçar e continuaremos às 14:30 mas sejam pontuais pois atrasado não entra.
Todos estavam de volta às 14:30, menos Rubens que chegou às 15:10.
- Pessoal, eu me atrasei, mas vamos recuperar o tempo perdido; vou falar quanto vocês vão ganhar. Nós prometemos na televisão Cr$ 3.000 enquanto aprende o serviço, não é? Mas aonde o vendedor aprende a vender? Na rua, é claro. Se vocês venderem 100 carnês no primeiro mês, ganharão Cr$ 1.500; se venderem 100 no segundo, ganharão Cr$ 600 e no terceiro mês, mesma coisa. Por cada carnê vendido, na hora vocês recebem Cr$ 10.
Mais tarde, a repórter ficou sabendo que esses Cr$ 10 não têm nada a ver com o carnê; é a comissão recebida pela venda de um seguro de vida que o vendedor é obrigado a empurrar ao freguês, instruído no curso a dizer que o seguro é um presente de Sílvio Santos.
Rubens continua:
- Quando o freguês pagar a primeira prestação, vocês recebem Cr$ 20 e no dia 10 de cada mês, Cr$ 6,50. Mas se ele não pagar a primeira prestação, vocês não recebem nada.
Mas como é que o vendedor vai ter controle para saber se o freguês pagou ou não?
- Esse trabalho ninguém precisa ter, - diz Rubens - pois o departamento financeiro se encarrega disso.
- Quantos carnês o Baú vende por mês? pergunta a repórter.
- Só no estado de São Paulo já vendemos 12 milhões de carnês, 250 mil por mês. Novamente a reunião foi transferida. A continuação seria segunda-feira 8:30 da manhã.
Segunda-feira:
- Bom dia, pessoal. Hoje vamos falar sobre como vender. Todos já sabem que é a maior moleza vender esse carnê. Sempre que vocês chegarem na casa da futura freguesa, nunca digam a senhora quer comprar? Comecem sempre dizendo: oi, minha senhora. O Sílvio Santos mandou esta certinha pra senhora, pois sua casa foi sorteada no programa dele. A senhora já tem carnê do Baú? Não ? Então está aqui a sua sorte, fique rápido com ele. A senhora já perdeu um prêmio por não ter o carnê, não perca outro. E pronto: toca o carnê nela. Vocês não podem Vender mais de oito carnês por pessoa, mas vejam bem quantas pessoas moram, na casa. Empurrem oito carnês no pai, oito na mãe, oito no filho, oito no tio. Vocês têm que vender pra todo mundo! E agora, vou dizer a vocês das exigências do Baú: todos têm que estar aqui no horário, limpos e bem vestidos. Não esqueçam de usar desodorante, pois não queremos que a freguesa desmaie quando vocês levantarem o braço. E, principalmente, venham bem alimentados.
Obs.: O seguro, na verdade, não é gratuito. Custa Cr$ 55. E é de uma outra empresa do grupo Sílvio Santos, a Panamericana de Seguros S.A. O seguro paga Cr$ 10 mil
em caso de morte acidental (não é válido para menores de 4 anos e maiores de 75) e vale por um ano.
VENDEDORES SÃO ENGANADOS E APRENDEM A MENTIR - Nos programas de TV e rádio, SS promete aos vendedores, retirada de Cr$ 3 mil enquanto aprendem como vender. No curso, ficam sabendo que é diferente: ganharão Cr$ 3 mil em três meses se venderem 100 carnês por mês. O instrutor ensina: "vocês têm que dizer à futura compradora que ela já foi sorteada."
O CARNÊ CUSTA CR$ 55 POR MÊS, DURANTE DOZE MESES - Enquanto paga, você concorre a prêmios e no fim do ano troca. Mas aí você vê quais são as mercadorias.
Quatro freguesas do Baú foram entrevistadas no bairro de Utinga, em Santo André, Grande São Paulo. Todas ficaram com medo de contar o que acham a respeito do carnê, só uma deu nome completo; as outras se identificaram só pelo primeiro nome:
Dona Maria, moradora à rua Nápoles, contou que foi freguesa do Baú 'por mais de quatro anos e agora não gosta nem de ouvir falar em Baú da Felicidade:
- A senhora já ganhou alguma coisa no Baú?
- Nunca ganhei nada, a não ser dor de cabeça.
- Ficou satisfeita com as mercadorias que trocou pelo carnê?
- Não há condições de ficar satisfeita com nada, pois as mercadorias do Baú são um absurdo.
- Como são os postos de troca do Baú?
- As lojas de troca do Baú só têm porcaria - cobertores fora de moda, rádios a válvula - ou então baixelas e faqueiros de prata e outros objetos caríssimos. Enfim, ou você compra um carnê e só retira porcaria ou então retira pratarias mas paga a diferença que sempre é altíssima.
- A senhora gostaria de voltar a ser freguesa do Baú?
- Nem se ganhasse um carnê de graça eu não queria.
- A senhora conhece alguém que já ganhou um prêmio valioso do Baú?
- Uma das minhas vizinhas ganhou um carro. Ela ficou uma semana com o carro sem poder tirar os cartazes de propaganda do Baú que vêm colados nas portas e na capota do carro. Depois de uma semana o carro simplesmente sumiu e ela não gosta de comentar nada a respeito. Na casa que foi indicada como a da ganhadora do carro havia uma mulher no portão. O repórter perguntou se fora ela mesma a ganhadora. Ela disse que sim. Mas quando soube que estava conversando com um repórter, a mulher só falou:
- É melhor ficar quieta, senão vai dar muita dor de cabeça pra gente.
E entrou na casa rapidamente.
Dona Norma Marfim. 40 anos, mora na rua Ana Nery, Utinga, Santo André.
- A senhora é freguesa do Baú?
- Fui freguesa durante cinco anos. Não quero mais. Por que não?
- Não tenho dinheiro pra ficar jogando fora. Todas as vezes que troquei carnê só tive prejuízo. Só me deram bugigangas. A gente espera umas mercadorias boas e quando chega na loja se sente até humilhada com tanta porcaria que eles têm pra empurrar pra gente. Uma vez troquei o carnê por um ferro de passar e quando cheguei em casa o ferro tava queimado. Fui até a loja pra trocar o ferro e eles disseram que eu só poderia trocar por uma mercadoria de preço inferior. Como eu ia perder o dinheiro, peguei outra porcaria.
Dona Noemi, outra freguesa que teve medo de se identificar, disse que teve carnê do Baú durante dez anos:
- Com um carnê você não faz nada, pra se retirar uma mercadoria razoável é preciso ter no mínimo três carnes, pois os preços das lojas do Bati são mais altos do que em qualquer outra loja.
NÃO HÁ ELETRODOMÉSTICOS NA MAIOR LOJA - O instrutor dos vendedores do Baú, senhor Rubens, disse na aula aos futuros vendedores (assistida por nossa repórter) que "o Baú se propõe a levar às classes mais marginalizadas a chance de comprar eletrodomésticos sem pagar juros". Na maior loja de trocas do Baú, porém, no Vale do Anhangabaú. São Paulo, não havia um só eletrodoméstico para ser trocado pelo carnê já pago no dia em que fomos lá (primeira semana de outubro); só havia cobertor, panelas. baixela de aço inox, rádio OM com válvula e toca-discos portáteis. sem marcas.
Uma das balconistas, Ana Maria (mulata alta e magra, jovem, mania de roer unhas) disse à reportagem (pensando, estar conversando só com um freguês do Baú) que há muito tempo não há eletrodomésticos na loja e ela não sabe quando vão chegar.
Noés, outra balconista (loira oxigenada, baixinha, magra, jovem) também foi entrevistada sem saber:
REPÓRTER: Aqui nesta loja os preços são iguais aos das outras?
Noés: Aqui tudo é mais caro.
REPÓRTER: Por que é mais caro?
Noés: O pessoal da gerência diz que é porque aqui as pessoas vão pagando à prestação.
- E entre todas as lojas do Baú, essa do Anhangabaú é mais cara ou mais barata?
Ana Maria responde:
- Não, essa é a mais barata. Nas outras é tudo muito mais caro. Quanto mais para o interior, mais caro é.
Tentamos ainda comparar os preços da loja do Baú com os de uma grande loja de São Paulo, Mappin. Mas a maioria dos produtos do Baú não se achou; tratam-se de produtos que já saíram de linha - modelos antigos que não são fabricados mais. Só conseguimos comparar os preços de uma baixela de aço inox, 7 peças, marca Casa Grande: na loja do Baú, custa Cr$ 1.487 e no Mappin, Cr$ 995.
DEPOIMENTOS
1 - Vou te contar, eu comprei o carnê e não gostei. Não compensou: é muito caro. Mas tem mais coisa: a mercadoria que você vai trocar eles colocam num preço mais alto que o preço do carnê que você pagou. Então pra você trocar você tem que pagar a diferença ainda. Não tem nada no preço do carnê que você paga, só tem coisa sempre um pouco acima, que é pra você deixar mais dinheiro lá. Uma vez tirei um faqueiro, outra vez jogo de chá, jogo de café, jogo de jantar. No valor do carnê não achei nada, a não ser porcaria. O carnê é a ilusão do povo. - Comerciante na Vila Guarani, São Paulo)
2 - Você já foi freguês do Baú? - Já mais faz tempo. Uns quatro anos. Nunca mais eu compro. Tem muita jogada. No começo deste ano, acho que janeiro, fevereiro. apareceu duas mulatas lá em casa dizendo que fui sorteado representante do Baú aqui na Vila. Diz que pesquisaram lá nos arquivos e eu fui escolhido. Me deram parabéns disseram que se eu ficasse com vinte carnês era certeza que em um ou dois meses eu ganhava um carro Brasília. Fiquei cismado mas conversa vai, conversa vem, acabei concordando: dei Cr$ 700 em cheque . Aí, quando as moças foram embora, fiquei analisando e achei que era cascata. Ah, meu irmão, na segunda-feira fui direto pro banco, segurei o cheque. - Funileiro da Ford, mora na Vila Guarani, São Paulo
3 - Quantas vezes o senhor comprou carnê do Baú?
- Comprei uma vez só no ano passado e pra mim .aquilo é exploração.
Tudo o que você pega na loja é mais caro. Eu não estava a par disso porque eles fazem aquelas reportagens na televisão é uma maravilha, né? Eles negociam com o dinheiro da gente ano todo, devia ser tudo mais barato.
- Quanto o senhor pagava por mês?
- Não lembro bem se era Cr$ 20 ou Cr$ 30. Mas é que nem loteria: pra eles, o deles é seguro, mas nós pra ser sorteado é um em um milhão. É que nem jogar agulha na areia, pra depois tirar é muito difícil. - Aposentado, mora na vila Moraes, São Paulo
EMPRESAS DO GRUPO SÍLVIO SANTOS
- Sílvio Santos S/A Administração e Participações
- Perícia - Administração e Corretagem de Seguros S/C Ltda.
- BF Utilidades Domésticas S/A
- Lojas Tamakavy S/A
- Baú Financeira S/A Crédito. Financiamento e Investimentos
- Baú Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S/A
- Liderança Capitalização S/A
- Baú Corretora S/A Câmbio e Valores Mobiliários
- Panamericana de Seguros S/A
- ASPREVI - Associação de Previdência e Difusão de Seguros
- Estúdios Sílvio Santos - Cinema e Televisão Ltda.
- TV Studios Sílvio Santos Ltda.
- Baú Construtora Ltda.
- VIMAVE - Vila Maria Veículos Ltda.
- Agropecuária Tamakavy S/A
- Agropecuária Tiaipê S/A
- BF Parque Florestal
- Chanson Cosméticos Ltda.
- Dinâmica-Promoções e Vendas Ltda.
- CLAM - Assistência Médica
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 135452