PUC-Rio

Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 19/12/1998
Autor/Repórter: Leila Reis

BAND SURPREENDE COM ESPECIAL DE VERDADE

'Contos de Natal' sai fora do esquema dos programas salpicados por purpurina e mensagens fraternas

O tempo é de especiais na TV. Do ponto de vista do telespectador, as atrações de fim de ano tornaram-se uma rotina tão previsível quanto o peru na ceia de Natal e o branco no réveillon. Nos últimos dias de dezembro, o público tem a absoluta certeza de que vai encontrar em quase todos os canais shows de astros da indústria fonográfica - Roberto Carlos, sertanejos, a nata da axé music e algumas estrelas pop internacionais - e programas do pessoal que já freqüenta o vídeo durante o ano. Nesse quesito, nunca falta um especial da Xuxa, do Faustão, do Gugu, do Renato Aragão, da Ana Maria... Há aquelas em que a época marca a chegada dos filmes bíblicos.

A realidade é que as emissoras nada mais fazem do que maquiar seus programas habituais com uma dose maior de purpurina e mensagens de amor fraterno. Não faz parte da rotina da TV produzir algo realmente especial para o Natal. Talvez por isso a atitude da Bandeirantes em investir nos Contos de Natal, baseado em autores brasileiros, surpreenda.

O telespectador que assistiu às películas - filmadas em 35 mm - esta semana (de terça a quinta) deve ter ficado satisfeito com a deferência. Os que não viram têm ainda uma chance, pois a emissora estuda uma maneira de reprisá-los. Apresentados depois das 22 horas, os Contos de Natal, dirigidos pelo diretor de novelas e cineasta Del Rangel, não alteraram muito a vida da Band em termos de audiência - que colheu entre 2 e 3 pontos de média no ibope (na Grande São Paulo), equivalente aos 200 e poucos mil telespectadores que já a prestigiam no horário -, mas serviu para mostrar à própria emissora que sair da rotina não espanta o público, especialmente se o novo for de qualidade.

E para mostrar à emissora que não fica caro dar ao público algo diferente. Cada edição dos Contos de Natal não consumiu mais do que a Band gasta por capítulo de novela. Para os padrões da TV, uma ninharia de US$ 23 mil. O especial tem qualidade de cinema, trilha sonora bem cuidada, personagens bem construídos e uma boa direção.

As fábulas natalinas - Oração, Amor Incondicional, escritas por Ana Moretzhon, e Negócio de Menino com Menina, de Ivan Ângelo - foram bem-feitinhas e singelas, bem ao gosto do público infanto-juvenil. Já Natal para Dois, escrita pela jornalista Rosângela Petta e estrelada por Marcos Caruso e Aldine Müller, indica que o caminho que o diretor Del Rangel pretende trilhar - fazer telefilmes mensais em 99 - tem toda chance de ser bem-sucedido.

Natal para Dois, na linha do longa-metragem Eu Sei Que Vou te Amar, um cult de Arnaldo Jabor dos anos 80, é uma lavagem de roupa suja de um casal de classe média logo após a ceia de Natal com a família e amigos. Na hora de limpar pratos e recolher copos, eles passam seu relacionamento a limpo.

Marido e mulher remexem velhas feridas, esfregam na cara do outro as queixas guardadas há milênios, provocam revelações proibidas e explodem, para catar os cacos depois como um bom conto de Natal.

A atuação de Marcos Caruso e Aldine Müller (que finalmente tem chance de mostrar seu talento dramático na TV) é ótima e a direção também, mas o que marca é a universalidade e o vigor dos diálogos. Não há casal que, algum dia, não tenha dito alguma das frases usadas na esgrima doméstica.

O tédio do marido diante da mesmice das festas familiares e a reação da mulher, que desmorona quando ouve - com os próprios ouvidos - o que já sabia há muito é patética, mas absolutamente passível de ocorrer (ou de já ter acontecido) dentro de qualquer casamento de longa duração. Rosângela Petta pode ser estreante na TV, mas mostra ser afiada no pantanoso terreno da relação homem/mulher.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 42727