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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 28/06/1981 Autor/Repórter: José Neumanne Pinto
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HÁ UM SUCESSO NO VÍDEO ALÉM DAS NOVELAS COMUNS
São Paulo — Na Bandeirantes, faz-se segredo, usando o argumento de que a Rede não é mais assinante das listas do Ibope, mas se sabe que a novela Os Imigrantes, que vai ao ar, diariamente, às 18h30m, e tem uma hora de duração, é o programa de maior sucesso da emissora e já atingiu piques de audiência, de 30 pontos no Rio, e, em São Paulo, de ate 23 pontos.
Seu autor, o jornalista e publicitário Benedito Ruy Barbosa, contudo, é ainda mais otimista: ele tem certeza de que a novela está alcançando em muitas cidades do Brasil o primeiro lugar de audiência, batendo as novelas Ciranda de Pedra, das 18h, e O Amor é nosso, das 19h, da emissora monopolista de audiência, a Globo. Baseia sua observação na montanha de cartas que a Bandeirantes recebe a respeito da novela, estreada a 27 de abril último, e também nas solicitações pessoais que lhe são feitas por cartas ou telefonemas.
— Eu pensava nesse projeto há muito tempo, e comecei a pesquisar a imigração em São Paulo há muitos anos. Na verdade, minha pesquisa começou quando eu ainda era garoto e tinha amigos japoneses ou filhos de italianos Achava que as novelas estavam seguindo o caminho da mesmice, mas tinha certeza de que, por causa do investimento necessário para realizar o projeto, era preciso haver a necessidade de um impacto qualquer. Eu sabia que uma emissora só produziria a novela se quisesse sacudir a televisão com uma proposta nova. Quando apresentei o projeto à Bandeirantes, seu diretor de novelas era Walter Avancini, que já o conhecia do tempo da Globo. Ele topou e foi armado um esquema em que o patrocinador, a Gessy Lever, contatado através de sua agencia de publicidade, a Lintas, teve de entrar, devido aos altos custos de produção.
O patrocinador entusiasmou-se com o projeto e foi montada uma equipe especial de assessoria para a realização. O maestro Júlio Medaglia foi encarregado de pesquisar o som da época para cuidar da trilha sonora e da sonoplastia da telenovela. Gianni Rato desenha os figurinos e a cenografia, com cuidado esmerado.
Circulou um boato, nos 22 capítulos da fase inicial da novela (cuja ação transcorre entre 1891 e 1894), de que a novela deveria ser chamada de Os Figurantes, tão competente era o trabalho da massa de figurantes levados para Amparo, no interior de São Paulo, para as gravações. Gianni Rato cuidou da roupa de cada um desses figurantes, baseando-se em gravuras coloridas da época. E esse foi o motivo, na opinião do autor do script da novela, do colorido luxuriante que surpreendeu os telespectadores nas gravações externas da primeira fase da novela.
Esses figurantes também aprendiam a se comportar e a revelar sentimentos por meio de expressões faciais, graças ao trabalho de Emílio Di Biasi, tradutor para o italiano dos diálogos de Antônio de Salvio, um dos três imigrantes e também ator ao longo das duas fases da novela (a segunda, que está no ar agora, tem início em 1914, devera ter 98 capítulos e, se for possível, chegara até a Semana de Arte Moderna de 1922). A produção ficou a cargo de Álvaro Moya, professor universitário especialista em linguagens de comunicação de massa e com uma experiência anterior em produção, na TV Tupi — Canal 4 — de São Paulo.
Um professor de italiano e outro de espanhol acompanham toda a gravação dos diálogos dos personagens principais dessa saga televisiva dos imigrantes para evitar que os atores cometam erros muito grandes. Na primeira fase, os principais papéis ficaram nas mãos de David (o português), José Pinheiro (o espanhol) e Herson Capri (o italiano).
— Resolvemos correr o risco de trabalhar com atores pouco conhecidos. David era cantor em Portugal e apenas chegava ao Brasil. José Pinheiro trabalhava muito em teatro, mas tinha pouca experiência em televisão. Herson Capri era mais conhecido, mas jamais teve um grande momento na televisão até Os Imigrantes. O personagem italiano é difícil e tínhamos dúvidas de dar-lhe o papel até as vésperas da estréia. No entanto, ele explodiu, de uma tal maneira que hoje o público reclama da sua ausência e somente agora começa a se acostumar com o De Salvio 25 anos mais velho interpretado por um ator muito tarimbado como é o Rubem de Falco.
Aos 51 anos, casado, quatro filhos, Benedito Ruy Barbosa já tem tanta experiência em escrever scripts de telenovelas que se senta na mesa próxima à copa de sua casa na Vila Mariana ("habituado às redações de jornais, não consigo escrever quando há muito silêncio") e escreve direto para o papel branco, com cópia de carbono de que são tiradas as cópias distribuídas ao elenco e aos diretores (Atílio Riccó na primeira fase, Henrique Martins na atual). "Raramente perco uma folha e nunca preciso corrigir. E que, quando sento à máquina, tudo já foi bem digerido pela cabeça, está esquematizado". Ao lado da máquina estão as cópias xerográficas dos noticiários de O Estado de S. Paulo dos anos 20. Mais nessas páginas de jornais do que nos grossos volumes, também espalhados na mesa, com gravuras e ilustrações da época que enfoca a novela, ele encontra inspiração para os diálogos. Nesse ofício, às vezes tem frustrações:
— Quando a Bandeirantes escolheu Norma Benguel para fazer o papel de Nena, fiquei muito frustrado. Afinal, eu tinha feito uma Nena apagada como apagadas eram as donas de-casa daquela época. E Norma é uma atriz sensacional. Se eu soubesse que ela faria o papel, lhe teria dado um destaque muito maior. Se o papel ganhou destaque foi por causa do seu talento como atriz. Eu não podia mais mexer nele, pois quando ela entrou eu já estava escrevendo a segunda fase.
Benedito Ruy Barbosa está 40 capítulos a frente do que está indo ao ar e 10 à frente do que está sendo gravado. Em sua maquina produz as 28 laudas de um capitulo diariamente (cada capitulo, que teria, segando a idéia original, 35 minutos, passou a ter uma hora de duração). Mesmo assim fica muito preocupado quando tem de parar de escrever uma semana como aconteceu recentemente quando sua filha mais velha se casou.
— A primeira parte da novela era de grande beleza plástica, tinha paisagens bucólicas, era uma coisa ecológica. A segunda fase passa a ser predominantemente politica. Então, se conquistamos um público mais intelectualizado, abalamos um pouco as convicções de um tipo de público que se prende mais à trama amorosa da novela. Pouco a pouco esse público, contudo, habitua-se às novas caras dos personagens principais (Othon Bastos faz o português, Rubem de Falco o italiano e Altair Lima o espanhol). Muitas pessoas ainda não entenderam por que matei Paco Valdes, o anarquista espanhol. Ele morreria de qualquer maneira, pois os anarquistas eram os "subversivos" do início do século, mas certamente poderia durar mais na novela, por causa do brilho desse magnifico ator que é Paulo Autran, que interpretou o papel. O problema é que Paulo Autran tinha outros compromissos e só consentia em participar se as gravações se limitassem a uma semana. Por isso, e só por isso, ele ficou tão pouco tempo no ar.
Manuel Carlos, o autor de outra novela de sucesso atualmente no ar, Baila Comigo, na Globo, às 20h, admirou-se da coragem de pôr 300 capítulos de novela no ar. Benedito Ruy Barbosa, seu amigo pessoal, ainda não chegou à terceira fase de Os Imigrantes, mas tem certeza de que cumprirá o plano inicial de passar um ano contando a saga da imigração.
Não sabe ainda se terá condições de ultrapassar 1964, por causa de eventuais problemas com a censura, pois, para o horário (18h30m), exige-se muito comedimento. De qualquer maneira, ele pensa iniciar a terceira fase em 1945 e chegar, pelo menos, ate 1964. Então, os jovens atores (que ficaram a primeira parte) voltarão para interpretar os filhos de seus personagens primitivos. "Por isso, não os usei na segunda fase", explica.
A temática política não é nova nos scripts escritos por Benedito Ruy Barbosa, paulista de Gália, que estudou em Marília e cumpriu sua vida profissional em São Paulo. Quando escreveu Cabocla, a partir de um romance de Ribeiro Couto, preteriu ao tradicional beijo um comício para encerrar uma novela das 18h. E um comício conclamando o povo a votar.
Os temas nacionais também não são inusitados em sua carreira. O novelista, que começou a escrever para a televisão quase forçado ("como qualquer um, eu tinha os maiores preconceitos contra o veiculo") em 1966 com a novela Somos Todos Irmãos, feita para a extinta TV Tupi, é o autor de O Anjo e o Vagabundo, cuja trama, produzida pela TV Record, era desenvolvida numa fazenda de café em Itu.
Seu grande orgulho, contudo, é o sucesso feito pela novela que criou o horário das 18h na Globo e mostrou ser possível a aventura da telenovela educativa, Meu Pedacinho de Chão, de cujos 182 capítulos escreveu 177 (os outros cinco ficaram a cargo de Teixeira Filho). O autor de A Última Testemunha e Algemas de Ouro e o adaptador de O Feijão e o Sonho (a partir do livro de Orígenes Lessa) prefere, contudo, trabalhar sozinho, sem dividir a autoria.
O autor isolado de uma novela que promete se desenrolar em 300 capítulos exibe O Município, jornal de Amparo, São Paulo, que dá à sua novela uma fantástica audiência de 90% na região em que foram gravadas as cenas externas da primeira fase e ainda são gravadas as da segunda fase, apesar de a fase no ar ser basicamente produzida em estúdio. E lê, emocionado, todas as cartas dos telespectadores que se emocionam com alguma cena ou têm alguma recordação provocada por um diálogo criado por ele.
Benedito Ruy Barbosa ainda não quer falar sobre o que pretende fazer depois de Os Imigrantes, mas garante que já tem na cabeça um projeto ainda mais revolucionário de telenovela. Depois de ter ficado dois anos desempregado (e isso logo após o sucesso de Meu Pedacinho de Chão) e de ter escrito e dirigido Jerônimo, Herói do Sertão, para a TV Tupi, Canal 6, do Rio de Janeiro, o antigo repórter esportivo e redator de publicidade reencontrou o sucesso com novelas como À Sombra dos Laranjais, uma das adaptações de romances literários feitas para o horário das 18h na Globo. Com Os Imigrantes, contudo, firma-se ao lado dos melhores autores de telenovelas do Brasil.
— Essa novela é a primeira peça do jogo. Ela entrou no ar antes de eu ser diretor geral da Bandeirantes. Mas sua excelente repercussão é um bom aval para toda a programação que estréia amanhã na Rede — garante Walter Clark Bueno.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 48736