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Nova Consulta

Jornal/Revista: Folha de S. Paulo
Data de Publicação: 29/10/1989
Autor/Repórter: Ana Carmen Foschini

SBT EXIBE ARSENAL DE BOBAGENS EM SUA NOVELA

Quando um milionário que só anda de helicóptero diz na novela "Cortina de Vidro" que "todo esse dinheiro me dá muito tédio", o telespectador tem duas opções. Na primeira, sente sua inteligência ofendida e muda de canal. Na segunda, continua sintonizado no SBT e descobre que, sem querer, a novela pode ser uma grande piada. O mesmo milionário vai em seguida perguntar para a sua prima e secretária -"Há quanto tempo você não dança um tango?"

Desde a estréia, há uma semana, "Cortina de Vidro" tem resgatado os piores defeitos da pré-história da telenovela brasileira. Faz uma arqueologia fora de hora na direção de imagens e atores, na criação de personagens e no texto pouco coloquial. É tanto escorregão que seu nome poderia ser "Telhado de Vidro".

Nas imagens, tem-se a impressão de que as câmeras estão bem aparafusadas nos tripés e dá trabalho movimentá-las. A interpretação dos atores segue o estilo "batatinha quando nasce". A trilha sonora vem de um único disco, "Grandes Sucessos do Cinema". É pobreza usar "On Broadway", tema do filme "O Show Deve Continuar" (All That Jazz) nos ensaios do musical do diretor Ulysses Filho (Odilon Wagner). E "Batman", de Prince, o que tem a ver com o mundo dos negócios e do helicóptero de Frederico Stuart Mill (Herson Capri)?

Quem já teve qualquer contato com um empresário, sabe que sua secretária não o persegue pelas escadas ditando a agenda do dia. A secretária de Frederico não só faz isso como ainda serve champanhe no helicóptero. Tem mais: o milionário vai combater o tédio inspirado em "O Príncipe e o Mendigo" e amparado na experiência que teve em "duas pecinhas que fiz em Harvard".

Desce de elevador até a academia de Cíntia (Kate Hansen), com um terno que poderia ser de Giorgio Armani, e vai fazer um teste para o musical de Ulysses. Ninguém percebe que ele é rico, mesmo tendo a seu lado o engravatado mordomo disfarçado de assessor Cristóvão (Sérgio Mamberti).

Na academia, Frederico conhece a grande perda do elenco, a mulher por quem vai se apaixonar. A protagonista quase foi Luma de Oliveira ou Bruna Lombardi. No papel de Branca, Stuart Mill vai ter que se contentar com Betty Gofman, a bailarina que faz aula de dança com colar de pérolas, maquiada e não explica como retoca o batom quando vem o suor.

Para apresentar toda falta de verossimilhança do personagem que vai a shopping centers pelos ares e se disfarça de ator desempregado. A novela foi de uma lentidão paquidérmica. Demorou cenas e cenas para mostrar quão poderoso e inacessível era o Stuart Mil.

Foi preciso muita conversa mole para conhecer o milionário: conversa da secretaria-prima, Cíntia (Ester Góes) com o assessor Cristóvão, do dono da corretora de valores Arnon Balakian (Antonio Abujamra), com o arrivista Marcelo (Jayme Periard), do maitre do restaurante em frente ao escritório com um garçom. E o helicóptero sobrevoando o edifício até todo mundo acabar de falar.

Mas a vida real de São Paulo que Frederico quer conhecer e a novela quer mostrar tem também sindicalismo, pastor evangélico, campanha publicitária, pensão de ex-mulher, ação de despejo e corrupção. O núcleo operário gira em torno de um nome sugestivo: a tecelagem Santa Inocência. Lá, Ângela (Sandra Annemberg) ainda tem dificuldades para chorar frente às câmeras. Muita careta e pouca emoção no enterro da mãe, que morreu depois de ser demitida da fábrica.

Na periferia, o sotaque portenho de Rosario (Tuna Dwek) só não é pior do que o texto de sua briga com o pai adotivo que é pastor. Ele diz que a filha está possuída pelo demo. Rosario canta "e que todo más vá para el infierno" (sic).

"Cortina de Vidro" caminha à deriva, sem imprimir um estilo próprio de ser novela. Ainda não sabe se vai ser pastelão, dramalhão ou pós-tudo. Involuntariamente, é a estrela da temporada de caça a bobagens.

DESTAQUES

. "VAMOS À POLÍCIA. PAPAI" - Artur (Gianfrancesco Guarnieri) é um ator desempregado que não paga a pensão da ex-mulher. Suas duas filhas acompanham a mãe na cobrança da pensão. Ameaçam, em coro de garotas "melissinha": "Vamos cobrar à polícia, papai".

. ATÉ FARAÓS PERDEM EM PODER - Dono de uma corretora, Arnon Balakian (Antônio Abujamra) é mau. Diz ele: "Nem os faraós do Egito sonharam com o poder que emana desta cidade. Este é um mundo selvagem. Você pode olhá-lo de cima, como eu, ou de baixo, como os escravos".

. BATOM PARA A HORA DA DANÇA - Branca (Betty Gofman) faz aulas de dança na academia do edifício usando colar de pérola e maquiagem. O milionário Frederico Stuart Mill (Herson Capri) vai de helicóptero ao shopping comprar roupas de pobre.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 10549