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Jornal/Revista: VEJA
Data de Publicação: 18/06/2005
Autor/Repórter: Ricardo Valladares

O NOVO MUNDO DAS NOVELAS

Com a proliferação dos folhetins fora da Globo, a euforia toma conta dos profissionais do ramo

Quem trabalha com novelas na televisão brasileira tem hoje a sensação de que um mundo novo está nascendo: um mundo fora da Rede Globo. Ao longo de três décadas, o reinado da rede carioca nessa área só foi ameaçado de maneira episódica. De Os Imigrantes a Pantanal, podem-se contar nos dedos os folhetins de outros canais que alcançaram o sucesso. Nos últimos meses, contudo, três emissoras deram mostras sérias de disposição para avançar sobre o terreno da dramaturgia. Com a estréia de Os Ricos Também Choram, no dia 18 de julho, o SBT promete elevar suas adaptações de velhos sucessos da rede mexicana Televisa a um novo patamar: contratou um autor para ambientar a trama nos anos 30, investiu 1,5 milhão de reais na construção de uma cidade cenográfica de 4.500 metros quadrados e não economiza em locações no interior paulista. Em 2006, a rede planeja inaugurar um segundo horário - para produções próprias. Há quase três meses, depois de um jejum de sete anos, a Bandeirantes voltou às novelas com uma produção infanto-juvenil adaptada de um original argentino, Floribella. Agora, anuncia que esticará sua trama e que também deve ter um segundo horário para folhetins. Mas o investimento mais pesado é o da Record. A emissora, que colheu bons índices no ibope com A Escrava Isaura e hoje transmite a trama de época Essas Mulheres, investirá 75 milhões de reais até o ano que vem para ter três faixas de novelas. Recentemente, adquiriu, por 15 milhões de reais, os estúdios do ex-trapalhão Renato Aragão, no Rio de Janeiro.

De atores a câmeras, sente-se hoje uma certa euforia entre os profissionais das novelas. Ser contatado pelos caçadores de talentos do SBT e da Record (veja quadro) significa uma oportunidade de ganhar um salário melhor, além de outras regalias. Atores que tinham pouco destaque na Globo são tratados como de primeiro time nas concorrentes. A atriz Juliana Silveira, protagonista de Floribella, é um exemplo. Enquanto na Globo ela não ganhava mais que 10 000 reais, na Bandeirantes embolsa o triplo. Para Os Ricos Também Choram, o SBT contratou figuras como Ludmila Dayer, que fez sucesso no papel de "Ninfa Bebê" da novela Senhora do Destino. Com novo visual - leia-se uma prótese de 200 mililitros de silicone em cada seio -, ela interpretará uma vilã. "Não posso me dar ao luxo de esperar por trabalho na Globo. Lá nem sempre há papéis para todos", diz ela. Mais que tudo, os atores se sentem paparicados. "Tenho quarenta anos de vida artística e nem carro para me levar para casa eles davam na Globo", diz a veterana Vic Militello, que faz uma personagem alemã em Floribella. Nos bastidores, a concorrência faz com que diretores e técnicos também sejam disputados. Depois de décadas na Globo, o diretor Herval Rossano produziu o sucesso A Escrava Isaura na Record, mas deixou a casa por desentendimentos salariais. Mal saiu de lá, a Bandeirantes o contratou para coordenar os folhetins que porá no ar no ano que vem.

Com suas tramas longas, as novelas pedem que o espectador retorne dia após dia e podem torná-lo um "fiel". Elas costumam atrair uma audiência mais qualificada, o que resulta em acréscimo no investimento publicitário. Ao trazer espectadores de todas as idades e classes sociais, as telenovelas também funcionam como um ímã para outras atrações de uma emissora. "Se uma história for bem, não faltarão anunciantes para programas vizinhos", diz Ivan Marques, da agência de publicidade F/Nazca. A Record e a Bandeirantes sentem os benefícios disso. A primeira aumentou sua audiência e seu faturamento com sua recente versão de A Escrava Isaura. Lucrou até mesmo com a exportação: sua trama já foi vendida para dez países. Essas Mulheres não repetiu o êxito até agora, mas seus 9 pontos no ibope são bem superiores à média da rede, de 5 pontos. A Bandeirantes, por sua vez, conseguiu dobrar sua média de audiência - de 2 para 4 pontos - com Floribella, na qual investiu 5 milhões de dólares em associação com uma produtora argentina. A emissora comemora as vendas da trilha sonora e espera faturar com uma linha de produtos que inclui lancheiras, cadernos e sandálias. "Buscamos outras formas de fazer receita. Não temos dinheiro dos fiéis", diz o vice-presidente da Bandeirantes, Marcelo Parada, aludindo à concorrente Record, que recebe recursos de sua proprietária, a Igreja Universal do Reino de Deus.

Apesar das vantagens que uma boa novela tende a trazer para uma emissora, produzi-la é mais custoso e arriscado do que exibir programas de auditório ou filmes importados. A estratégia só é promissora se pensada a médio e a longo prazos. "É preciso investir em bons textos, pesquisa, técnica e bancos de elenco. É como vinho, só fica bom com o tempo", diz o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos maiores responsáveis pela criação do padrão de novelas da Globo, nos anos 70. As dificuldades de firmar tradição no campo da teledramaturgia ficam patentes no caso do SBT. No começo dos anos 90, a emissora de Silvio Santos sentiu o gosto do sucesso com um remake do folhetim Éramos Seis, que fez sua audiência triplicar no horário nobre. Entusiasmado, o empresário resolveu produzir três outras novelas ao mesmo tempo. Como o desempenho delas no ibope foi pífio, o núcleo de dramaturgia foi extinto. Fora o caso isolado de Chiquititas, filmada na Argentina com atores brasileiros, Silvio só voltou a apostar na área há quatro anos, ao fechar um acordo com a Televisa para refilmar suas tramas no país. "O sucesso da novela mexicana já vem testado", disse Silvio a VEJA. O empresário está confiante em seus novos investimentos, mas não perde o pragmatismo: "Se der prejuízo, paro tudo de novo".

A Record garante que não medirá esforços para montar seu núcleo de dramaturgia. "A meta é fazer novelas com qualidade técnica igual à da Globo", diz Hiran Silveira, diretor de teledramaturgia da emissora, que, agressiva, tem sido inclusive acusada de inflacionar o mercado. Circula no meio que a Record paga qualquer preço por uma boa locação. "Se a Globo desembolsa 5.000 reais de diária para filmar numa fazenda, a Record oferece 3.000 a mais sem pestanejar", diz o produtor Wagner Costa, do SBT. Recentemente, o canal da Igreja Universal do Reino de Deus contratou diretores, atores e um autor da Globo, o consagrado Lauro César Muniz. Comprou ainda vinte câmeras de alta definição, que custam 300.000 dólares cada uma. "Melhor que isso, é que também investiram em mim", diz um câmera recém-contratado pela Record.

RECORD

- Produção atual: Essas Mulheres

- Custo por capítulo: 125 000 reais

- Audiência: 9 pontos, contra 5 de média da emissora

- O que veio da Rede Globo: dois terços dos 44 atores, os três diretores e 40% dos 140 técnicos

- Investimento em dramaturgia: 75 milhões de reais, 20 dos quais em compra de estúdio e equipamentos e o restante para ter três novelas no ar até junho de 2006

BANDEIRANTES

- Produção atual: Floribella

- Custo por capítulo: 70 000 reais

- Audiência: 4 pontos, contra 2 de média da emissora

- O que veio da Rede Globo: metade dos trinta atores, dois dos três diretores e 60% dos sessenta técnicos

- Investimento em dramaturgia: 24 milhões de reais, para ter duas novelas no ar até junho de 2006

SBT

- Produção atual: Os Ricos Também Choram (estréia em 18 de julho)

- Custo por capítulo: 75 000 reais

- Audiência esperada: 15 pontos, contra 10 de média da emissora

- O que veio da Rede Globo: um terço dos 32 atores, dois dos três diretores e 10% dos 135 técnicos

- Investimento em dramaturgia: 23 milhões de reais, para ter duas novelas no ar até junho de 2006

CAÇADORES GLOBAIS

Toda vez que uma novela da Globo acaba, o diretor de elenco do SBT, Fernando Rancoleta, e a produtora de elenco da Record, Bianca Russo, avançam sobre suas presas: os atores conhecidos que estão sem contrato com a emissora. Nessa fase de reaquecimento dos núcleos de dramaturgia fora da Globo, um convite deles quase sempre significa um bom contrato - ou a chance de negociar um salário melhor. Nos últimos meses, atores assediados por eles, como os consagrados Osmar Prado e Othon Bastos, tiveram seus contratos renovados pela Globo tão logo a direção da emissora soube do interesse. Rancoleta já cuidou do elenco de mais de quinze novelas, entre SBT, Record e Bandeirantes. Beldades como Ana Paula Arosio e Maria Fernanda Cândido foram descobertas por ele. Outros, como Erik Marmo e Tânia Kalil, foram vetados pelo exigente caçador de talentos. "Muitas vezes o ator é bom, mas não serve para o papel", diz. Já Bianca começou há apenas um ano no ramo, depois de atuar como ajudante de palco do antigo programa do apresentador Milton Neves na Bandeirantes. Nas novelas A Escrava Isaura e Essas Mulheres, coube a ela abordar os atores que eram objeto de desejo da Record. "Entrei nessa por acidente de percurso", diz. Gabriel Braga Nunes e Leonardo Miggiorin estão entre os atores que ela seduziu.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 110422