![]()
PUC-Rio
![]()
Jornal/Revista: O Dia Data de Publicação: 21/01/1990 Autor/Repórter:
![]()
DORA É PRESA COMO COMUNISTA
Depois de declarar publicamente que seu primo Júlio (Tarcísio Filho) foi assassinado na delegacia e não se suicidou como disse o delegado Orestes (Carlos Eduardo Dolabella) à imprensa, Dora (Christiane Torloni) - a heroína da história de Wilson Aguiar Filho, Kananga do Japão (Rede Manchete), também é presa como comunista, junto a personalidades reais que viveram na época da Intentona Comunista no Brasil. As cenas foram gravadas no Instituto Penitenciário Vieira Ferreira Neto, em Niterói, e vão ao ar nesta terça-feira.
Pressionado por sua mulher Dayse (Lúcia Alves) e influenciado por Letícia (Tônia Carrero), que denuncia Dora e Alex (Raul Gazola) à polícia, Orestes resolve prender a dançarina, cantora e atriz, a fim de que ela faça uma retratação pública sobre suas últimas declarações aos jornais. Só que Dora se nega a retirar qualquer palavra do que disse e é mantida na prisão como exemplo para toda a classe artística.
BOA COMPANHIA - Na prisão, Dora testemunha as barbaridades da polícia na tortura aos comunistas e encontra Henrique (Paulo Castelli) todo arrebentado. Ela, que está do lado fictício da trama, fica na mesma cela com personagens reais como Maria Werneck (Aline Molinari), Nise da Silveira (Guida Viana) e Carmem Ghioldi (Monalisa Lins), que Dora já conhecia de uma reunião na União Feminina do Brasil. Dora declara que pelo menos está em boa companhia e Nise oferece sua cama para que ela possa descansar.
Na hora do jantar Dora diz que a comida é horrível e pergunta se ninguém reclama. Carmem responde que elas já fizeram greve de fome, mas de nada adiantou. Nise lhe diz que elas têm uma pequena biblioteca subversiva escondida ali e que existem também algumas regras de boa convivência que elas chamam de coletivo. É então que as prisioneiras escutam a voz do Barão de Itararé (Marcos Oliveira), que grita de sua cela fingindo estar fazendo um programa de rádio.
Todas param de conversar e prestam atenção na voz do Barão de Itararé, que anuncia o noticiário com o locutor Campos da Paz (Luiz Salen), dizendo que, no dia seguinte, chegarão companheiros de Recife e que eles devem ser recebidos com otimismo. O Barão, com toda a ironia que lhe é peculiar, interrompe o locutor dizendo ter uma notícia fresquinha da rua: "antes de enlouquecer, o Presidente condenou à prisão perpétua o meliante Filinto Mulá." (Uma brincadeira com o nome do chefe de polícia de Getúlio Vargas, Filinto Müller). Todos riem da piada do Barão. O locutor prossegue dizendo que o discurso de boas-vindas será feito por Rodolfo Ghioldi (Álvaro Freire) e Carmem comenta que é seu marido.
Ainda na mesma prisão de Dora estão Eneida (Karina Cooper), Maquila (Beth Erthal) e Graciliano Ramos, interpretado pelo ator Ivan Setta, que chega na leva de prisioneiros de Recife.
As cenas contaram com a participação de vários detentos do Instituto Penitenciário Vieira Ferreira Neto, que receberam cachê pela gravação. Entre os atores, Ivan Setta era o que se sentia mais à vontade, pois já esteve no Instituto no ano passado, durante 7 meses, fazendo uma oficina de teatro com 24 presos, denominada Histórias e Lorotas do Mundo, Segundo o Arcanjo Satanás.
REALIDADE E FICÇÃO EM PRESÍDIO DE NITERÓI - O que a princípio seria uma minissérie dentro da novela Kananga do Japão (Rede Manchete), a história da Intentona Comunista no Brasil, liderada por Luis Carlos Prestes, acabou se misturando tanto à ficção que agora o próprio autor, Wilson Aguiar Filho, não sabe ao certo em que capítulo termina essa fase: "Estou adorando a repercussão, as pessoas estão curtindo muito. Não sei em que capítulo isso termina, pois ainda estou escrevendo, mas posso adiantar que a Dora e muitos outros que não têm processo serão libertados e a fase acabará quando Olga Benaro (Betina Viany) for presa e entregue aos nazistas", afirma.
Entre os personagens reais retratados em Kananga do Japão estão Nise da Silveira, psicóloga fundadora do Museu das Imagens do Inconsciente, e Maria Werneck, advogada que integrava a Liga Antifascista. Maria ficou na Casa de Detenção durante dois anos e escreveu um livro de memórias. Em 1988 ela ficou furiosa com o governo do Estado, que anulou o tombamento do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Para ela o prédio deveria ser transformado em um museu.
Já Eneida, que morreu em 1971, foi escritora e criadora do tradicional Baile do Pierrot, enquanto Graciliano Ramos, também escritor, morreu em 1953. Aparício Torelly, conhecido como Barão de Itararé, foi o precursor do jornalismo de humor no País. Rodolfo Ghioldi foi o argentino que, junto com o alemão Arthur Ernest Ewert, ou Harry Berger, o belga Jules Léon Vallée e o norte-americano Victor Alan Baron, veio ao Brasil para assessorar Luís Carlos Prestes na Intentona Comunista. Campos da Paz era advogado e Maquila era casada com Harry Berger que, segundo Sobral Pinto, defensor de Luís Carlos Prestes, foi submetido a torturas e colocado em condições subumanas, que o levaram à loucura.
![]()
Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 11184