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Nova Consulta

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 01/06/1991
Autor/Repórter: Marília Martins

SAI O TALENTO E ENTRAM OS DRAMALHÕES

A noticia de que os dramalhões mexicanos Carrossel e Rosa selvagem, em apenas uma semana, triplicaram os índices de audiência de Brasileiros e brasileiras, no SBT, é uma ironia cruel para Walter Avancini. A televisão exacerba o fato de que qualidade nem sempre tem a ver com sucesso. A média de 16 pontos obtida por Carrossel, às 20h, e os 11 pontos de Rosa selvagem, às 21h, contrastados com os minguados 4 pontos que fizeram ruir, junto com Brasileiros e brasileiras, o projeto novelesco do SBT, marcam uma importante mudança de estratégia da emissora. Agora o que se pretende é conquistar uma faixa determinada de público, deixando de lado qualquer pretensão de atingir um amplo espectro de telespectadores. Deixa-se de lado o talento de um dos melhores diretores da TV brasileira.

O primeiro desafio é explicar tamanha audiência para um produto que não chega aos pés da sofisticação de imagem e produção das novelas da Globo e da Manchete. Se o público pode ter um produto melhor embalado, por que insiste no velho? O sucesso dos dramalhões mexicanos quebra muitos tabus e desmente, mais uma vez, a idéia de que o público de televisão é homogêneo. Carrossel não tem par romântico e nem grandes vilões. O elenco é quase todo infantil. A história se passa na Escuela Mundial, com uma turma de alunos totalmente inverossímil, vindos de classes sociais diferentes, onde ricos se sentam lado a lado com favelados. Já Rosa selvagem é uma versão da Gata Borralheira para o horário nobre. A pobretona Rosa se casa- com Ricardo, um milionário que só pensa em implicar com suas duas irmãs monstruosas, Cândida e Dulcina, absolutamente idênticas, do penteado entupido de laquê aos vestidos ridículos. E a partir daí, da noite de núpcias aos dias de milionária, ela só faz repetir o clichê da caipira no meio de grã-finos. Rosa, ingênua e ignorante, não sabe comer, nem conversar, não agüenta os sapatos, não sabe o que é uma noite de núpcias e é incapaz de arrumar a própria cama. Aos poucos, as cunhadas megeras, encarregadas de sua educação, pretendem exasperar o entediado Ricardo com as imbecilidades da caipira, destruindo o casamento.

As duas novelas são o oposto da parafernália técnica das novelas da Globo ou da Manchete. Não há qualquer sofisticação visual, o elenco é inteiramente desconhecido aqui (ainda que a quarentona Verônica Castro, estrela de Rosa selvagem, seja bastante conhecida do público mexicano), o enredo não pretende ,fazer o retrato do Brasil. Tudo é didático, previsível, reduzido ao lugar comum. Não há qualquer ambigüidade e o espectador não precisa fazer o menor esforço de associação para acompanhar a trama: os personagens se reapresentam a cada cena, infinitas vezes. Tudo é da pior qualidade. E olhe que as novelas mexicanas atuais são muito mais cuidadas do que as antigas, como Os ricos também choram (também com Verônica Castro), exibida pelo SBT em 1982 (com 23 pontos de pique no Ibope).

Dedicados às faixas de público que costumam prestigiar os programas do SBT, os dramalhões mexicanos repetem em termos de audiência a performance eleitoreira de Sílvio Santos nas pesquisas de opinião da campanha de 1989: assustam de saída, mas estacam no ato seguinte, sem a menor condição de ganhar e levar. Agradam muito, só que a muito poucos.

Televisão é antes de tudo uma indústria. Só que esta estratégia de substituir o projeto de telenovelas do SBT pelos dramalhões mexicanos não enxerga um palmo diante do nariz. Deixar de investir no futuro, na formação e ampliação do público, pode servir como um meio de sobreviver por mais algum tempo. Mas pode também representar a perda, a longo prazo, da estreita faixa de público que ainda escapa ao monopólio global, faixa tão disputada pelo SBT e pela Manchete.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 15475