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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 11/08/1991 Autor/Repórter: Cláudio Uchôa
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A DESCONTRAÇÃO DOS CARIOCAS INVADE A PROGRAMAÇÃO DA MTV
O sotaque chiado e o jeito irreverente e malandro foram incorporados à programação da MTV, que resolveu acrescentar ao seu elenco de apresentadores nomes tirados de um concurso realizado apenas com candidatos do Rio de Janeiro. Os dois primeiros representantes desta safra, selecionados entre mais de mil candidatos, já são conhecidos: Felipe Barcellos está no comando do programa de rap Yo e Rita Monteiro começa a apresentar nesta segunda-feira os clips que ocupam parte do horário noturno da emissora.
Responsável pelo concurso, o diretor de produção da MTV, Rogério Gallo, conta que os novos apresentadores vão ajudar a quebrar a imagem paulista da emissora. "Temos dois cariocas, a Astrid e o Rodrigo, mas o público do Rio de Janeiro não se sentia representado por eles no vídeo", explica. A invasão carioca em território bandeirante não deve ficar apenas na presença de Felipe e Rita. Gallo avisa que pelo menos oito nomes revelados no concurso podem entrar no ar em breve.
Um terceiro vídeo-jockey estréia esta semana na MTV. Ele não é paulista, não foi escolhido através do concurso no Rio de Janeiro e deve a indicação mais à sua ousadia do que a qualquer outro atributo. O jovem matogrossense Otaviano Costa, 18 anos, vai apresentar clips no horário matinal da emissora, visto principalmente pelo público adolescente.
BAILARIA AFRO QUER MOSTRAR SUA GINGA - O cabelo dreadlock, nome que os rastaris dão ao corte usado pela bailarina afro e atriz Rita Monteiro, é a marca registrada da nova vídeo-jockey, que esta semana estréia na MTV apresentando clips de segunda a sexta-feira, das 19h15 às 21h30. Esse, no entanto, é apenas um detalhe da personalidade desta carioca, que sempre se achou predestina a fazer parte do grupo de apresentadores à MTV.
A concretização do sonho vai ser comemorada com um churrasco reunindo os pais e amigos, que sempre deram a maior força à bailarina. Esta forte ligação familiar explica muita coisa na vida de Rita: Foi com o pai, um ritmista da escola de samba Império Serrano, que ela entrou em contato com a cultura negra, que a levou para a dança afro. No currículo de Rita está ainda o desfile de seios nus na Vila Isabel, quando a escola conquistou seu primeiro campeonato no carnaval de 1988 com o enredo Kizomba, que falava da abolição da escravidão.
O orgulho da raça é marcante na bailarina. Ela conta que durante os ensaios da peça Oh que delícia de negra, encenada no teatro Rival em 1989, não deixou que seu nariz fosse maquiado para parecer menor. "Acho o nariz a parte mais bonita do rosto da gente", explica. Mas o visual rastafari já foi motivo de deboche na rua, e Rita admite que ficou triste. "No Brasil falta liberdade de expressão, mas não sei se a culpa é do povo" analisa, reclamando daqueles que teimam em afirmar que no país não existe preconceito racial.
Casada com o percussionista Nego Beto, que atual mente toca com o grupo Plebe rude, Rita espera que a influência da MTV ajude a romper o preconceito nas novas gerações. "Sempre mostrei aos meus alunos de dança em comunidades carentes que eles não tinham apenas heróis bandidos. Estarei realizada quando eles me reconhecerem neste grupo", conta, orgulhosa.
FELIPE VAI FALAR DA MÚSICA DOS GUETOS - A música dos guetos negros das grandes cidades que fala da violência, da miséria e do preconceito racial ganhou um programa semanal na MTV - o Yo, que todos os sábados, às 16h, vai mostrar o contundente som do rap, "Foi um casamento perfeito", define o carioca Felipe Barcelos, 22 anos, ao falar sobre a sua estréia na televisão. Há dez anos escutando discos de rap, Felipe aposta no sucesso do programa, principalmente porque o país não conta com um som que fale dos problemas das comunidades negras desde que o samba mudou de rumo.
No comando do programa, Felipe promete mostrar o outro lado do rap, que no Rio de Janeiro é conhecido principalmente pelo Miami Bess sound, música de caráter geralmente sexual, onde a mulher aparece sempre inferiorizada. ''O fenômeno pop massacra e pasteuriza a cultura negra", reclama, dizendo que a mídia normalmente só se interessa pelo lado exótico. O que leva Felipe a rejeitar a idéia de que o Brasil é uma democracia racial. ''O preconceito é uma realidade latente'', aponta, ao confessar que algumas vezes foi tema 'de piadinhas na rua.
O discurso articulado e engajado e o corte de cabelo tipo flat-top, com os fios penteados retos e para cima, enganam os que imaginam que Felipe é um ilustre e radical representante dos movimentos negros. Como a maior parte da juventude dourada carioca, ele divide seu tempo entre a praia, como técnico da equipe Ozônio de bodyboarding, e o curso superior de Geografia. O resto do tempo é dedicado à outra paixão, a música: Felipe canta e faz as letras das músicas da banda de hard-rock Apocalipse.
O envolvimento com a música e com o público jovem levaram Felipe a fazer o concurso para a MTV. Ele considera fundamental para a divulgação da cultura negra a presença dele e da apresentadora Rita Monteira na emissora, e confessa que encontrou a sua profissão e não quer mais deixar de trabalhar com mídia eletrônica.
CARA-DE-PAU FOI O MAIOR TRUNFO DE OTAVIANO - Ele chegou de Mato Grosso há seis meses para jogar vôlei no time do Banespa e terminou vídeo-jockey da MTV, onde, a partir desta segunda-feira, comanda o horário matinal, das 11h às 13h. A inusitada história de Otaviano Costa prova que muitas vezes a cara-de-pau é o melhor instrumento para quem sonha em vencer na carreira artística. Aos 18 anos de idade e sem nenhuma experiência em teatro, cinema ou TV, Otaviano conquistou o seu espaço e já se sente planamente integrado ao cotidiano paulistano.
A rádio Jovem Pari foi a primeira vítima da ousadia de Otaviano. Ele conta que foi à rádio perguntar se precisavam de imitadores. A negativa da recepcionista não impressionou o rapaz que, como não tinha nada a perder, parou na entrada do prédio e em uma divertida performance apresentou seu repertório de imitações, que vai do jornalista Paulo Francis aos mais extravagantes barulhos, como o de uma bateria eletrônica. No mesmo dia fez teste na rádio, no dia seguinte gravou o piloto de um novo programa chamado Pandemônio e no terceiro dia já estava no ar.
O sucesso da curiosa empreitada animou Otaviano. Convidado por um colega de escola, fez teste no SBT e no mesmo dia foi aprovado para o elenco do programa Escolinha do Golias, onde imitava os outros alunos. Fã da MTV e incentivado pelo sucesso das experiências anteriores, Otaviano mais uma vez apostou em sua ousadia e bateu na porta da emissora. A resposta negativa não convenceu. De um orelhão em frente ao prédio da MTV ele ligou para o apresentador Zeca Camargo e mostrou seu curioso currículo, o repertório de imitações. Foi convidado para um teste, agradou e ganhou a cobiçada vaga.
O resultado é que em seis meses a vida de Otaviano se transformou completamente. ''Sinto que estou dez anos mais experiente do que meus amigos que deixei em Cuiabá há pouco tempo", conta, com a segurança de quem se sustenta e mora sozinho. Prometendo muito humor em seu horário na MTV, o novo VJ pretende agora utilizar o seu poder de sedução em uma conquista que certamente vai exigir mais atributos do que a simples capacidade de imitação: ele confessa que está "loucão para arranjar uma namorada".
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 16320