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Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 10/09/2013
Autor/Repórter: Patrícia Kogut

PAIXÃO E VINGANÇA NO SERTÃO

Romance e tragédia se misturam em 'Amores roubados', minissérie que a Globo grava nos vinhedos do Nordeste

Segundo o dito local, "no sertão, há um sol para cada cabeça''. Em Petrolina, onde uma equipe da TV Globo se instalou há sete semanas para gravar "Amores roubados'', minissérie em dez capítulos escrita por George Moura (sob supervisão de Maria Adelaide Amaral), com direção-geral de José Luiz Villamarim, e que estreia em janeiro, uma pessoa foi destacada só para distribuir água no set. As temperaturas abrasadoras levam diretores, câmeras e produção a trabalhar usando roupas com proteção contra raios ultravioleta. A vegetação é a típica do agreste, venta pouco, chove menos ainda. Mas a região, à beira do Rio São Francisco, também é apelidada de "a Califórnia do Nordeste" graças aos seus vinhedos, resultado de uma técnica de irrigação que trouxe prosperidade e subverteu a monotonia da aridez reinante. Essa paisagem de opostos não foi escolhida à toa.

- É uma trama de paixão e vingança, e esses dois movimentos exigiam uma geografia física compatível - explica Moura. - O sertão que, banhado com a água do rio, se torna fértil, como aqui, é muito simbólico do desejo, tema central dessa história. Onde não há alimento, o desejo murcha.

Produzir "Amores roubados" é um sonho que acompanha a dupla há mais de uma década. Ano passado, quase saiu, mas acabou adiado por causa de "O canto da Sereia''. Ricardo Waddington, diretor de núcleo dos dois projetos, diz que Villamarim teve muita autonomia ("Aposto na produção e entrei nas decisões finais").

Pouco conhecida no restante do Brasil, a história que inspirou a minissérie, "A emparedada da Rua Nova'', é muito popular regionalmente. Seu autor, Carneiro de Vilela, publicou-a em capítulos num semanário do Recife no século XIX. Quando estava chegando perto do fim, o povo, desesperado de curiosidade para saber o desfecho, invadiu e depredou o jornal.

Moura e Villamarim acreditam que a trama, de alta voltagem dramática, é "uma novela pronta" para despertar a mesma paixão, agora na TV.

- Trata-se de uma história cheia de ganchos, sem barriga - analisa Villamarim. - Nossa linguagem não é farsesca nem alegórica. Escolhemos o caminho realista. Por isso viemos para o Nordeste, e 70% das sequências são externas. Aqui, vemos o jegue, a cabra e também os meninos que imitam o cabelo do Neymar. Além disso, filmar no sertão faz toda a diferença para que a equipe e o elenco se sintam imersos no clima da série. São campos abertos, há muito espaço e silêncio. Você escuta o som do teu pé encostando na terra.

DE DON JUAN A DON GIOVANNI - Adaptada para os dias de hoje, a história acompanha Leandro (Cauã Reymond), um típico conquistador.

- Ele diz aquilo que uma mulher quer ouvir. Prefere as casadas, é um sedutor - explica Moura, que se inspirou "em todos os personagens clássicos, de Don Juan a Don Giovanni" e teve Sérgio Goldenberg, Flávio Araújo e Teresa Frota como colaboradores.

Nascido no sertão, mas criado em São Paulo pela mãe prostituta (Cássia Kis), Leandro voltará como sommelier e se envolverá com Celeste (Dira Paes), Isabel (Patrícia Pinar) e Antônia (Ísis Valverde).

- Veremos o amor sexual, o romântico, o platônico e frustrado e o trágico - enumera Villamarim.

Para compor esse apaixonado pelo jogo da conquista, Cauã recorreu a um passado inventado:

- O Leandro é filho de uma prostituta, o que me levou a imaginar que foi iniciado sexualmente cedo. Para essa construção, fui ajudado por Chico Aciolly (preparador de elenco), com quem trabalhei bastante no cinema. E o Zé (Villamarim, que também o dirigiu em ''Avenida Brasil") é um cara muito artista. Numa novela, você passa por vários diretores. Aqui, é um só, o que muda tudo. E o Walter (Carvalho, diretor de fotografia) também faz a diferença, ele está muito dentro da cena, toca no ator fisicamente, vira a câmera na hora certa, é impressionante.

Carvalho, de fato, está dentro da cena, porque estuda o texto e entende a história como um todo:

- Um plano não conta uma história só pela fotogenia - analisa. - É preciso que ele esteja impregnado do que veio antes e prenhe do seu posterior. Tudo faz parte de um conjunto a serviço da narrativa.

Essa "câmera que vira na hora certa" também acompanhou Murilo Benício nas gravações num mirante sobre a Represa de Sobradinho (a mesma da canção de Sá & Guarabira. Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho são cidades submersas ali) no dia desta reportagem. Em "Amores roubados'', Benício é Jaime, dono da vinícola onde Leandro se empregará. Nem o calor do set abalou a altivez de seu personagem, "um dono do lugar''. Dez quilos mais magro e com alguns fios de cabelo descoloridos, o ator se equilibra sobre um pequeno salto que fica escondido dentro dos sapatos.

- Jaime só vê a si próprio e olha para os outros do alto. Mas você tem que imaginá-lo dentro daquele contexto, não é um vilão - diz, enquanto brinca que é difícil incorporar o sotaque pernambucano ("Estou fazendo hora extra, minha filha. Me atrapalha até para decorar o texto").

"AS MULHERES HOJE SÃO MUITO FÁLICAS" - Patrícia Pilar também recorreu aos detalhes para interpretar Isabel, mulher de Jaime e mãe de Antônia. A personagem é insegura, depende de remédios para manter o equilíbrio mental.

- Isabel ficará ainda mais frágil quando entrar na espiral da paixão por Leandro - comenta Patrícia. - Mas cheguei à conclusão de que ela é uma "desprogramadinha da ordem da sutileza''. As mulheres hoje estão muito fálicas, e Isabel pode até ficar agressivinha, mas no geral é bem feminina.

Sua filha na história, Ísis Valverde buscou nas moças do atual Pernambuco as variáveis para fazer sua Antônia, personagem que motiva a tragédia que culminará no "quem matou" final da trama.

- Ela fala com aquele sotaque local, mas é do mundo, viajada. Tem gosto pela moda, é corajosa e desgarrada.

A estada do elenco movimentou a cidade. Patrícia comprou uma bicicleta para passear pela orla. Ísis fez amigos, com quem pratica esportes na água. E o assédio das meninas de plantão na porta do hotel levou Cauã a apelar para a criatividade e descobrir uma saída pelos fundos. Com os trabalhos em Petrolina quase no fim, a equipe se deslocará, nos próximos dias, para Paulo Afonso, na Bahia, para mais quatro semanas de gravações.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 196013