![]()
PUC-Rio
![]()
Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 07/12/1994 Autor/Repórter: Telmo Martino
![]()
O PARAÍSO DO ANONIMATO RECUPERADO
Com a fama de um pequeno sucesso, a novela "Eramos seis" chegou, lentamente, ao seu esperado fim. Eles eram só seis, mas se comportaram como se fossem 60, em sua pequena mas interminável história. Dona Lola ficará na lembrança como a estrela do lar mais lacrimosa da história. Como seu vale foi sempre de lágrimas, ela andou, chatíssima, sempre de galochas. Foram lidos muito elogios à interpretação de Irene Ravache. As pessoas andam acreditando nas mentiras que vêem e ouvem. Nunca se viu uma personagem tão mentirosa em seu predominante sofrimento. Principalmente para quem devia estar vivendo numa época de recato.
Nesses últimos capítulos dona Lola caminhava "pela rua da amargura". Nenhum de seus três filhos quis lhe dar acolhida em sua casa. "Uma mãe é para quatro filhos. Quatro filhos não são para uma mãe", observa com muita literatice aquela consternada personagem. Ela vai morar num asilo. "Parece uma pensão. Tem até jardinzinho", diz dona Lola para dona Judite, que embora envelhecida não dispensa o batom vermelho nos lábios, talvez tentando desviar a atenção de seu queixo quadrado.
Nunca se viu tanta gente feia em cenários tão pavorosos numa única novela. E verdade que a época era difícil, mas tinha uma estética nunca abordada pelo visual da novela.
O SBT foi muito elogiado pela produção desse melodrama. Mas, pelo que se viu, os elogios devem ter vindo de quem não se preocupa com o telespectador, preferindo se interessar pela ampliação de um mercado de trabalho para atores desempregados.
Alguns desses atores já foram vistos na Rede Globo. Não deixa de ser interessante notar que, no novo endereço, eles recuperam o anonimato. E difícil unir o nome esquecido à pessoa que se reencontra sem qualquer prazer.
Dá para reconhecer Othon Bastos. Mas isso não vale. Ele era indispensável na época em que bastava gritar a palavra "liberdade" para a platéia aplaudir de pé.
Dos novos, é evidente que se pode identificar o Tarcísio Filho, embora tenha a cara marcada por queimaduras ou cicatrizes. Ele faz um herói da Segunda Guerra Mundial que, muito sensato, prefere voltar ao campo de batalha a ficar com a mãe Lola. Aquela de olhos úmidos e boca desmanchado na contenção de um soluço.
Na comparação das novelas vem uma surpresa. O Tarcísio Pai não deve mais se envergonhar do Tarcísio Filho que, por sua vez, talvez comece a fazer restrições ao comportamento paterno como o vilão da "Pátria minha".
Enquanto dona Lola pensa ou chora, reflexos de luar numa lagoa trazem recordações de seu passado. São incidentes tão desprovidos de encanto ou dramaticidade, que reduzem os problemas de sua velhice ao simples fato de não ter casa para morar.
De repente, essa sem teto reclama que "o trânsito está uma coisa de louco" e é logo vista passeando tranqüila naquele bonde que não se chama Desejo, mas que dá suas voltinhas. Ela desce na avenida Angélica e vai ao 1.111 (burro ou burra?), onde ela morou como jovem mãe. A vizinha passa e a saudosista explica que só veio ver o jardim. Ou melhor, um único canteiro de plantas de muito pouco viço.
Esse canteiro é a imagem que melhor, define a novela. Seus capítulos são repetidas visitas ao mesmo local, onde nunca se tem nada compensador para ver. Não se sabe em que pré-história Sílvio de Abreu verteu essa lágrima, mas foi certamente numa época que precedeu a Idade do Humor.
E o estrelismo de Irene Ravache é tão desmedido que ela fez questão de ficar mais velha do que todos os seus contemporâneos. Ela é vista andando, andando, andando, como se tivesse uma encontro marcado com o Antonioni. Mas, na realidade, como os vaqueiros, ela só estava indo em direção ao poente.
![]()
Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 26660