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Nova Consulta

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 11/05/1996
Autor/Repórter: Rose Esquenazi

O BÊ-Á-BÁ DE UMA NOVELA

Que os argentinos não nos ouçam, mas eles não sabem contar bem uma história. Podem até conhecer, na teoria, como se faz uma novela, mas não foi isso exatamente o que mostraram no primeiro capítulo de Antônio Alves, taxista, uma das três estréias do SBT, na segunda-feira.

A trama começava em São Paulo, com trânsito caótico e, repentinamente, sem a menor indicação, o protagonista interpretado por Fábio Jr. já estava em Florianópolis. Ninguém deu nenhuma dica de passagem de tempo ou nem mesmo se ouviu dizer que se tratava de um flashback. Foi um erro crasso, que atrapalhou a compreensão da trama.

Depois apareceu Amélia, uma mulher nervosa, para não dizer histérica (a ótima Elaine Cristina), com uma postura de traída ou menosprezada pelo marido. Surge então Antônio Alves. Qual é a conclusão? É a mulher do dito cujo. Qual o quê. É a irmã! Muy extranho. E aquela garotinha irritante? É filha do Antônio, filha de Amélia ou dos dois juntos? Três opções erradas. Depois de muito tempo, começa-se a desconfiar sobre a verdade: ela é a irmãzinha caçula! Nossa, que rolo.

Antônio é um ser extraordinário. Duro que nem um picapau, com sérios problemas emocionais em casa, comporta-se como um dos mais freqüentes e calmos passageiros da ponte aérea Florianópolis-São Paulo Então tá. E o modelito muderno que ele veste? Parece o Fábio ir.... Aliás, será que Antônio Alves vai se transformar, num dia em Fábio Jr.? Tudo é possível, já que o novo cantor das multidões cobrou - e recebeu - 80 mil reais por mês para interpretar esse trambolho! Pelo menos na abertura da novela, as imagens se assemelham muito a um show de Fábio Jr, sendo ovacionado por uma platéia preciosa.

As dúvidas continuam no primeiro capítulo que deveria ser, por definição, uma apresentação dos personagens e das tramas principais. Pois bem, o pobre motorista de táxi rala mas é tão bonzinho que devolve 5 mil dólares para o passageiro, um sujeito também muito bonzinho. Falando nisso, esse gancho de encontrar dinheiro em táxi já foi tema de outra novela, a ótima Pecado capital, de Janete Clair.

Para agradecer o gesto honesto - e tão raro (até dá para concordar) - o velhinho adota para sempre Antônio Alves. Como assim? Abrindo as portas de São Paulo, com aquele trânsito de arrepiar e aquelas baixarias da cidade grande, tipo roubo e agressão, que o pobre-coitado sofre de cara. Vida rica essa de motorista de praça. Mas, além de salvar mocinhas tristes, que tentam o suicídio depois de comerem uma barra de chocolate no colégio de freiras, Antônio, que é um músico e tanto, também funciona como um conquistador full time.

Os argentinos - que eles nos ouçam agora - deveriam assistir ao primeiro capítulo de O fim do mundo. Sem puxar a sardinha para os brasileiros, o povo aqui já domina a arte de escrever novelas. Eles sabem que precisam usar vários recursos para seduzir o público, e não só uma cara bonita (e um tanto cheio de plásticas) para ganhar muitos pontos no Ibope. O público é exigente e tem anos de estrada. As novelas já estão no sangue, e não vai ser qualquer folhetim que vai tirar o dedo do controle remoto.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 32206