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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 12/01/1973
Autor/Repórter: Valério Andrade

TELEJORNALISMO OU SENSCIONALISMO (II)

Tragédias no vídeo

A questão postulada em meu artigo de ontem (para os que cometeram a imperdoável omissão de não me dar carona em sua leitura diária) era se deve ou não a televisão retratar tragédias, graças a seus modernos recursos de som e imagem.

Vimos que um acidente trágico perto da gente dói muito mais que milhares de mortes ao longe. Estranhamente, somos comovidos por tudo o que supomos possível acontecer a nós ou nossos filhos, e tomamos como ''coisas que só acontecem aos outros'" ocorrências fora de nossas fronteiras de nação, comunidade ou bairro.

A crueza da imagem de pessoa soterrada sob os escombros de um supermercado que desaba, ou a dor abissal de mãe que vé o filho estraçalhado por um caminhão assassino na Praia do Flamengo, é levada a nossas casas pelo telejornalismo. Aquilo tem um lado aparentemente negativo: revira o estômago, retira paz das horas dedicadas ao lazer, justamente as que usamos para esquecer as durezas da vida.

Mas esse lado "negativo" não deriva do fato em si - sejamos francos -, mas de nosso egoísmo. 0 fato existe, a tevê retrata, a gente só consome porque quer.

Democraticamente a televisão nos deixa livres para desligar o receptor ou mudar de canal. Ela cumpre seu dever ao veicular a vida e seu cortejo de contradições. Não nos esta obrigando a ver tudo. Errado seria exigir-lhe que ignorar-se os fatos. Errado seria inventá-los.

A pergunta mais dura deve ser feita. Por que vemos tais cenas? E a resposta deve ser claramente enfrentada, pois ela deriva de uma característica de todos nós, que não é boa nem má, existe, simplesmente: cada pessoa em maior ou menor proporção possui traços sado-masoquistas. Eles estão reprimidos no inconsciente ou afloram no comportamento externo. Mas estão vivos, compõem. nosso back-ground emocional, não são bons nem maus, repito, existem como traço comum ao ser.

Há, porém, outra consideração mais importante. A televisão ao levar tais cenas não está inventando a vida. Está sendo sua portadora. Não está "representando" a realidade. Está sendo a própia realidade .

Joguemos no tempo os efeitos decorrentes de levar a realidade da vida a milhares de pessoas. Verificaremos que a sucessão de vivências de semelhantes nossos levadas com todo o vigor a nosso íntimo provocarão, lentamente, uma intensa taxa de participação coletiva que é, por definição, antagônica ao egoísmo e a indiferença.

Falando por si mesma, a realidade vai despertando solidariedades, estados de consciência que são (ouso afirmá-lo) os mais profundos elementos de mudança jamais conhecidos pelo homem.

Essa concentração sobre si mesmo está formando um novo homem e uma nova humanidade mais solidária, capaz de entender o ser em sua dimensão integral, esteja ele onde estiver, viva em que latitude viver, tenha a cor de pele que tiver, professe o credo religioso que professar. Só tal solidarismo mudará o mundo. Iluminará consciências obscuras. Abrirá corações.

E como por tudo o que renova pagamos um preço, tais fatos podem estragar o nosso jantar, o que é até muito barato em função do que conseguem e mobilizam na sensibilidade antes embrutecida das multidões.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 33445