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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 10/12/1997 Autor/Repórter: Telmo Martino
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MAIS QUE UM PEDAÇO DE TERRA PARA CAPINAR
Nada como um dia depois do outro na vida de uma sem-terra. A Débora Rodrigues que nada tinha, já pode se vangloriar. Agora, além da capa daquela revista masculina, ela tem também um programa de televisão para apresentar. Podia até ser no CNT, mas, como ela é mesmo uma estrela que sobe, é no SBT. De segunda a sexta. Embora não seja tão imaginoso assim, o programa se chama"Fantasia".
Tem um porção de moças que cantam, rebolam em seus shortinhos de cores variadas e fazem brincadeirinhas que podem render um dinheirinho para o telespectador.
É um programa tão SBT que poderia fazer parte das travessuras do Gugu ou do próprio Sílvio Santos.
Com araras, palmeiras e um golfinho que salta, a idéia é dar a impressão de que estamos todos numa ilha tropical. Deve ser a tal de fantasia, porque a certeza é de nunca sairemos de um estúdio do SBT. Enchendo o tempo que costumava ser do "Aqui agora", O "Fantasia" passou a ter duas horas de duração. Para uma ilha tropical é tempo demais para quem não se chama Robinson Crusoé. Como disse um telespectador agradecido, é ótimo ter agora, durante a tarde, um programa que não se limite a receitas e ao tititi de mulheres muito tagarelas. No "Fantasia" quase não se fala, rebola-se como o máximo de samba paulistinha todo pasteurizado.
Algumas apresentadoras dos joguinhos também falam. Tem o joguinho que casa imagens. Isto é, você escolhe o esconderijo do Piu-piu. Para ganhar o prêmio, você tem que descobrir onde o segundo Piu-piu se escondeu. O Piu-piu, a Minnie, o Mickey ou o Pateta. Os sortudos podem levar até R$ 300 com essa brincadeira. Quando isso acontece, as duas ou três dezenas de garotas coloridas cantam e rebolam com tanta veemência, que ninguém duvida de que elas estão adorando o novo emprego.
O mesmo acontece com as palavras cruzadas, com o forno que escondeu a torta ou até com o sete-e-meio. A felicidade da Debbie, Aline, Michele, Alexandra, Tatiana, Jade, Vanessa, Telma, Poliana, Sheila, Cristiana, etc é sempre exuberante. São duas horas de canto e rebolado, mas parece pouco para tanta alegria e felicidade. E a Débora Rodrigues que terra não tinha? Ela canta e dança? Nada disso. Ela está orgulhosa demais de sua peruca quase vermelha para cair no balanço. Faz perguntas de algibeira. Primeiro, ela agradece ao telespectador por ele ter "escrevido para gente". Só depois pergunta se o infeliz invisível sabe o que o Pedro de Lara coleciona ou o que o jogador Amaral fazia antes de ser craque ou o que o ator Anselmo Duarte e o cantor Roberto Carlos têm em comum. Tudo isso embalado no mais puro sotaque caipira de quem estava mesmo é louca por um pedacinho de terra para capinar. Débora Rodrigues parece um pouco tensa e, será que pode? um tanto deplacée.
Mas esse nunca será o problema para a turma do rebola-bola. Elas são frenéticas. Embora a cantoria tenha um som meio esquisito de pré-gravada, isso não tem importância. As moças mostram muita alegria no seu dançar. Tanto elas dançam. Já tem até quem comece a escolher quais são as mais bonitinhas. Qual a sua preferida? A escolha é feita sempre entre as lourinhas, todas muito mais com a Xuxa do que com a Angélica na inspiração. Mas a Débora Rodrigues e seu tailleur estão de volta. "Qual era a profissão do Aguinaldo Timóteo antes de ser cantor?" "Torneiro mecânico", responde o candidato. A Débora se sente muito mais vitoriosa do que qualquer um. "Acertou!" exclama ela. Os quadris comemoram rebolando o "tchan". Que festa. É sempre igual, mas é festa. "É festa?", parece não acreditar a Débora Rodrigues. É bem possível que invadir fazenda alheia fosse mais empolgante, mas isso ninguém pode garantir. Aqui, nessa "Fantasia", é só cantar e rebolar. Esse joguinho de adivinhar a ordem das cores é um tédio. Rebolem com mais vigor, meninas. Que é para ninguém notar.
Mais um gol para a Débora Rodrigues. Sabiam que o inventor da expressão "pimba na gorduchinha" era o Osmar Santos? E quem não sabe? E o Osmar Santos merece um rebolado bem no estilo comemorativo. Aí aparece uma apresentadora lourinha querendo que a telespectadora do Paraná diga em que lugar ela quer colocar um detalhe do cenário para começar um novo jogo. A moça do Paraná, coitadinha ou felizarda, diz que não está vendo nada do que a apresentadora lourinha fala: "O programa acabou aqui no Paraná". É que "Fantasia" iá está invadindo o horário reservado para o "Aqui agora". No Rio, o "Fantasia" continua. Só que está repetitivo de doer. Essas moças rebolativas são mesmo boas de molejo e de sorriso. Como rebolam e como sorriem. Rebolam e sorriem, rebolam e sorriem. Como é mesmo aquela história daquele livro americano do "não matam cavalos?". As mocinhas são fortes e joviais, mas em sua extensão o programa começou a ficar abusivo. Vamos dar um pulinho no Paraná? No Paraná? É melhor investigar se o programa também já acabou em Santa Catarina. Não é melhor? Floripa também é ilha, cercada de água por todos os lados. Quando se trata de "Fantasia", tem-se que fantasiar.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 36057