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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 04/08/1996 Autor/Repórter: Lílian Fernandes
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O MULHERÃO QUE VEIO, VIU E VENCEU
A atriz está contente com a personagem que a fez desistir das férias, e acha que o esforço valeu
O pequeno Nicolas, 2 anos e 10 meses, filho caçula da atriz Sílvia Pfeiffer, abriu o berreiro assim que viu a mãe entrar em casa com os cabelos louros. Foi preciso esperar algumas horas, ter muita paciência e caprichar nos mimos para que ele se acalmasse. Agora, Nicolas já aceita a "mamãe loura", como diz, mas ainda faz questão de frisar que a prefere morena, assim como a conheceu. Ele e a torcida do Brasil nas Olimpíadas. O público de 'O rei do gado' - uma multidão responsável pela média de 55 pontos de audiência - também reclamou da aparência de Léia, a personagem de Sílvia na trama, que parecia ter saído de uma história em quadrinhos.
- Antes de ser atriz, eu já era Sílvia Pfeiffer, algumas pessoas já tinham uma imagem forte de mim por causa da carreira de modelo. Acho que elas estão tendo uma certa dificuldade em aceitar a Sílvia Pfeifer loura, de cabelo curto. Outro dia uma senhora me disse no elevador: "Olha, a novela está ótima. A única coisa de que eu não estou gostando é do seu cabelo" - conta a atriz.
CACHINHOSsaíram SAIRAM DE CENA DEVIDO A PROBLEMAS TÉCNICOS
Por causa dos protestos - constantes - a equipe prefere a culpa apenas em problemas técnicos - Léia já vem aparecendo com os cabelos penteados de maneira mais natural, sem aqueles cachinhos que davam a impressão de que Sílvia estava usando peruca.
- A idéia do (diretor) Luiz Fernando Carvalho era justamente criar essa imagem da perua, um pouco over, meio fake, que usa essas coisas não por ser chique, mas porque tem dinheiro. E ele achava que essa mulher deveria ser loura. O visual saiu como ele queria: uma coisa armada, parecendo falsa mesmo. Mas, quando fomos gravar, percebemos que aquele cabelo ficava estranho no monitor: a luz vazava por entre os cachos e parecia que o cabelo tinha buracos. Como começamos pelo capitulo 12, havia um problema de continuidade, e tivemos que esperar para mudar - diz Sílvia.
Se dependesse da atriz, porém, o penteado que tanto assustou os telespectadores continuaria igualzinho.
- Nunca tinha sido loura e achei ótimo. Faz parte do jogo do ator mudar inclusive exteriormente. Agora, vou querer um corte diferente para cada personagem - declara.
E ela quer fazer muitos personagens. Depois de passar 14 anos desfilando por passarelas nacionais e internacionais - boa parte deles se perguntando o que faria quando deixasse de ser modelo - o mulherão de apenas 60 quilos distribuídos por 1,80m pensou em ser atriz. A chance surgiu quando a produtora Graça Motta convidou-a para contracenar com Peter Coyote no filme "A grande arte", de Walter Salles Jr.
Durante quatro meses, Sílvia teve aulas de interpretação com Bia Lessa. Mas, por problemas de produção e falta de dinheiro, o filme, que foi lançado em 1991, demorou a ser rodado. E, quando isso finalmente aconteceu, Sílvia descobriu que tinha sido substituída pela inglesa Amanda Pays.
- Todo mundo sabia que eu não ia fazer o filme, menos eu. Acho que as pessoas para quem o Waltinho ia distribuir o filme acharam que ele estava maluco de apostar numa modelo. E ele também não devia estar tão seguro. Eu fiquei frustrada e com vontade de fazer mais. Aí, liguei para a Bia Lessa. Ela me apresentou ao Daniel Filho e ele me indicou para o (diretor) Roberto Talma.
Talma estava procurando uma protagonista para a minissérie "Boca do lixo" e pensou em lançar um rosto novo. Aceitou a sugestão do amigo Daniel Filho e escalou Sílvia. Depois da estréia na minissérie, ela fez as novelas "Meu bem, meu mal", "Perigosas peruas", "Tropicaliente" e "Malhação", sempre no papel principal. E não se abalou com as criticas:
- A imprensa nunca gostou de mim. Desde os meus primeiros trabalhos, sempre falaram mal de mim, jamais disseram que eu estava melhorando. Agora, ou não falam nada, ou falam do cabelo - reclama.
AULAS DE EXPRESSÃO VOCAL AJUDARAM A MELHORAR ATUAÇÃO
O cabelo, sempre ele. Sílvia se chateia com razão. A preocupação com sua aparência parece ter feito com que público e critica deixassem de prestar atenção no que interessa: seu desempenho como atriz. E, fazendo uma auto-avaliação, Sílvia acha que melhorou muito. Mas continua estudando desde 1992, faz aula expressão vocal. Foi aluna da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller e agora está sob a batuta de Márcia Tanure.
- Desenvolvi a dicção, aprendi que cada emoção corresponde a um tom de voz e adquiri mais facilidade de me integrar com outros atores em cena. Mas sei que tenho muito o que aprender. E acho que ainda vão demorar a me aceitar.
Para ela, o fato de ter estreado numa produção nobre da televisão, menina dos olhos de nove entre dez artistas, foi o principal motivo para que recebesse tantas criticas:
- As pessoas tinham uma expectativa à qual eu não podia corresponder, por causa da minha inexperiência. Além disso, eu já comecei fazendo o papel principal numa minissérie, um trabalho que todo mundo quer - diz ela, que não acredita ter sido alvo do preconceito que ronda as modelos que se tornam atrizes.
DE VOLTA PARA O LAR, AMARGO LAR
Enquanto a ricaça paulista sofre, a atriz que a interpreta se diverte
Nos próximos capítulos, Léia vai ser o centro das atenções. Depois de apanhar novamente de Ralf (Oscar Magrini) e descobrir seu envolvimento com Suzane (Leila Lopes), ela finalmente se convencerá de que ele é um gigolô e chegará a apontar-lhe uma arma. Mas, em vez de matá-lo e complicar ainda mais sua vida, conceberá outro plano: voltar para Mezenga (Antônio Fagundes). Auxiliada pelos filhos, vai acabar conseguindo o que quer.
Foi justamente a possibilidade de interpretar uma personagem cujo destino a toda hora sofre uma reviravolta que fez Sílvia Pfeiffer desistir de suas merecidas férias. Depois de viver a Letícia de "Tropicaliente", e, a seguir, a Paula, de "Malhação", a atriz planejava viajar, fazer alguns cursos e dar mais atenção aos filhos (além de Nicolas, ela é mãe de Manuela, 11 anos) e ao marido, o empresário Nelson Chamma.
- "Malhação" foi frustrante, porque eu entrei para trabalhar com o Talma, ele ficou quatro dias e saiu da Globo. Logo depois, o diretor que trabalhava com ele (Flávio Colatrello) foi afastado. Houve outros problemas internos, que a equipe superou, mas eu também achei que já tinha dado o que podia àquela personagem e queria muito descansar. Só que ai veio o convite do Luiz Fernando e resolvi adiar meus planos.
O CAMINHO É DE PEDRAS, MAS É POSSÍVEL SONHAR
Ela foi seduzida pelas contradições de Léia
- O que me atraiu foi fazer essa mulher meio falsa na aparência, mas muito verdadeira no que sente. Uma mulher frustrada emocionalmente, que nunca fez nada na vida, mal-amada, mas que também tem grande força interior, e é capaz de seguir em frente com a cara e a coragem.
Ao abrir mão do descanso, Sílvia confirmou o que já sabia: o caminho de uma atriz é feito de pedras. Mas não desanima. Afinal, ela também penou antes de brilhar como uma das melhores modelos brasileiras - driblando, entre outros dificuldades, uma fotofobia que a incomoda quando tem que posar ao ar livre - e entende que toda profissão tem espinhos:
- A vida de modelo é desgastante, porque você passa o tempo todo com a mala debaixo do braço. Quando eu estava na Europa, às vezes trabalhava o dia inteiro em Paris e depois ficava sabendo que no dia seguinte iria para a Alemanha. O trabalho do ator também exige muito. A gente empresta a emoção e o corpo também. Outro dia. fiz uma cena em que a Léia apanhava do Ralf e tive que cair sete vezes no mesmo lugar. Fiquei com o braço roxo, a perna ralada, a meia furada e com uma ferida no joelho que demorou a cicatrizar.
CARINHO DOS FÃS COMPENSA A FALTA DE TEMPO E PRIVACIDADE
Em ambas as profissões, a coisa que mais incomoda Sílvia é a dificuldade de administrar todos os seus afazeres. Dona de casa zelosa e supermãe, daquela que leva os filhos para o parque e fica brincando de gangorra, ela gostaria de ter mais tempo para desempenhar estas funções:
- Reformei meu apartamento há três anos e até hoje não consegui trocar os móveis, fazer a decoração que eu queria. Não gostaria de ser dona de casa em tempo integral, mas gosto de dar atenção a todos, de ir ao supermercado de vez em quando. Culturalmente, é difícil para a mulher ser superprofissional e ainda cuidar da casa. Acho que o homem supera melhor essa falta de participação familiar - teoriza.
A recompensa desse esforço é a repercussão do trabalho:
- Você perde a privacidade, mas o reconhecimento do público é o lado bom do assédio. Esse é o grande preço que o ator paga e, ao mesmo tempo, sua grande fonte de prazer.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 37449