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Nova Consulta

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 07/06/1983
Autor/Repórter: João Máximo

PRIMEIRO O SUSTO, DEPOIS O 'SHOW'

A noite de estréia da Rede Manchete

Tudo começou com um susto: "Cadê o som?" A imagem de Adolfo Bloch no vídeo, movendo os lábios sem que deles saísse coisa alguma, deve ter angustiado não só os Bloch e todo o pessoal envolvido na estréia da Rede Manchete de Televisão, mas também muitos telespectadores. "Pifou de vez?" "Será que não vai funcionar?" Mas foi apenas um susto.

A pequena falha técnica com que a nova cadeia de televisão marcou o início de suas atividades pode ter provocado mais do que angústias no luxuoso prédio da Rua do Russel. De quem terá sido a culpa? Mas, passado o susto inicial, Adolfo Bloch finalmente entrando no ar com sua mensagem (em vez daquela inquietante e silenciosa imagem que se alternava com anúncios de Lubrax e o logotipo da rede ao som de um atordoante e inoportuno rock), tudo mais correu bem. Tão bem que a pequena falha acabou acrescentando um certo charme à noite de estréia.

Do show inaugural - três horas de quadros musicais entremeados de pequenos depoimentos e algumas breves reportagens sobre o império Bloch - não se podia esperar muito mais. Não seria logo no primeiro dia que a Rede Manchete iria romper de todo com os padrões globais que ainda ditam as regras na produção de números musicais televisivos. O desfile de artistas, a grande maioria da música popular, por ter sido longo e inevitavelmente desigual (para dois Blitz houve um Milton Nascimento, para um Kleiton e Medir apenas um Paulinho da Viola), acabou-se transformando numa sucessão de altos e baixos. Como se esperava.

Embora uma noite de estréia não seja o bastante para que se preveja o futuro de uma rede de televisão, alguns pontos ficaram claros de saída. Um deles, a viabilidade (ou mais que isso) comercial da emissora e suas filiadas (Canal 6 no Rio, 9 em São Paulo, 4 em Belo Horizonte e também 4 em Porto Alegre). Mesmo que exista algum exagero sobre a soma faturada em publicidade só na primeira noite (por volta de Cr$ 900 milhões), não resta dúvida de que o volume de anúncios transmitidos durante o show e o filme que se seguiu é invejável. Todos os que os telespectadores estão habituados a ver em outros canais - e mais alguns - desfilaram ao longo dos 384 minutos de programação: Petrobrás, Shell, Atlantic, Nestlé, Omo, Gigante Branco, Philips, Walita, Maggi, Gillette, General Motors, Supergasbrás, Gradiente, Ariola, Consul, Minerva, Odyssey, Ponto Frio, Brastemp, Sul América, Souza Cruz, Volkswagen, Johnson & Johnson, Doriana, muitos outros. Alguns feitos especialmente para a Rede Manchete, como o do Lubrax (que entra para a história como o primeiro comercial a inaugurar uma televisão, talvez mesmo em todo o mundo).

Outro ponto que ficou claro é o respeito à parte técnica. Alguns telespectadores reclamaram de não terem recebido boa imagem na transmissão de domingo. No entanto, segundo o diretor técnico, Francisco Cavalcanti, o problema pode ser facilmente resolvido, ou usando-se uma antena interna, ou mandando-se fazer uma revisão na externa (como há muito tempo os telespectadores não sintonizavam o canal 6, pode ter ocorrido uma desregulagem). Quanto à programação propriamente dita - som, imagem, edição, inserção de anúncios - a Rede Manchete entrou com o pé direito: depois do tropeço inicial, tudo funcionou.

O programa de abertura, intitulado O Mundo Mágico, descontados os inevitáveis altos e baixos dos números musicais, foi uma boa idéia. E de execução irretocável. Mesmo os depoimentos, naturalmente autopromoções, foram cometidos. E os flashes focalizando o império Bloch - a redação das revistas, o parque gráfico em Parada de Lucas, a Escola Ginda Bloch, em Teresópolis, os laboratórios e estúdios fotográficos da editora, a própria televisão - jamais passaram da conta. E acabaram funcionando como parênteses informativos e nunca importunos.

Em O Mundo Mágico, é claro, houve lugar para tudo. Afinal, era um show de variedades. E também nele ficou claro um ponto: o objetivo da rede de se dirigir basicamente às classes A e B. Chorinho? Só o Carinhoso, de Pixinguinha, assim mesmo por um Arthur Moreira Lima sentado de fraque num piano de cauda. Samba? Apenas um, com Paulinho da Viola, tendo-se o cuidado para que as baiarias se apresentassem no maior luxo. Alguém poderia lembrar que houve outro samba, justamente o número de encerramento com a internacional Watusi. Mas, além de mal cantado (e num arranjo que de samba tinha muito pouco), o apoteótico finale foi o que de mais global a Rede Manchete apresentou em sua noite de estréia. O resto foram as musiquinhas da moda, rocks, baladinhas, volta e meia interrompidos por oásis como os de Milton Nascimento, Elba Ramalho, Alceu Valença (este num dos melhores momentos visuais da noite).

Os números musicais deixaram claro, ainda, ser propósito da Rede Manchete dublar todos os seus shows (se o fez na grande noite de estréia, por que não o fará depois?). O que é lamentável. Desemprego para músicos e desrespeito para com o público. Essa história de dublagem é uma antiga questão que as televisões brasileiras ainda não resolveram. Se a gente já tem o disco de Zizi Possi, para que vê-la gesticular tão pouco graciosamente em cima dele? Por que não criar novos arranjos e deixar que a moça cante de novo? Em alguns casos a dublagem foi bem-feita, quase enganando o telespectador. Mas foi duro ouvir a voz de Dona Ivone Lara estando ela de boca fechada. Ou ver Watusi não se entendendo com o próprio canto em É Luxo Só.

Duas palavras devem ser ditas, ainda, sobre os números de dança e a seqüência do futebol. Parece que a Rede Manchete pretende dar muita força ao balé. Ótimo. Valeu a pena ver Zizi Jeanmaire, Greg Burge e o Balé Nacional de Marselha numa recriação de Roland Petit para o Can Can, de Cole Porter. Surpreendeu, sobretudo pelo belo visual, o corpo de baile da própria Rede Manchete em Adios Nonino, de Piazzolla. Mas Fernando Bujones e Ana Botafogo não acrescentaram mais do que status ao espetáculo, provando mais uma vez que nome não é tudo. E o Tango dançado por Lucinha Lins, e Cláudio Tovar, num momento em que o show mal começava a esquentar, esfriou o telespectador desavisado que esperava em Lucinha uma dançarina à altura da boa cantora e da moça bonita.

Por dois motivos a seqüência do futebol quebrou o ritmo de O Mundo Mágico. Primeiro, por ser coisa requentada: nem mesmo os rubro negros estão muito interessados no repeteco do jogo de domingo passado. Preocupam-nos, muito mais, o destino de Zico. O segundo motivo está na locução que colocaram em cima, artifício que a Rede Manchete deve evitar se quiser superar as rivais em credibilidade. É evidente que a narração não era do dia do jogo. Como é evidente que o narrador (como quase todos os de televisão) é mais radiofônico do que televisivo, teimando em nos descrever aquilo que já estamos vendo.

De qualquer forma, foi uma estréia com o pé direito. Houve o susto do primeiro momento - que Adolfo Bloch, a julgar pelos sorrisos posteriores, deve ter superado - mas ficou a nítida impressão de que a Rede Manchete veio mesmo para ficar com bem mais do que uma modesta fatia do bolo.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 4695