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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 22/12/1972 Autor/Repórter: Artur da Távola
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AINDA A IMAGEM, AGORA NA TRAGÉDIA
Ainda ontem eu lhes falava da imagem e seu idioma própia, a propósito da beleza da "Pietá" de Michelangelo restaurada e mostrada em detalhe no telejornalismo, graças a precisão tecnológica de câmeras as e lentes. Escrevi o artigo na quarta-feira para ser publicado ontem, quinta. Entregue na redação, voltei para casa. Televisor ligado.
De novo a imagem. Falando por si própria, aí dolorosa, patética, dilacerante. Dela não me pude libertar: "Jornal Nacional", quarta passada. Não mais a imagem da beleza, mas a da retomada dos bombardeios no Vietnam: gente morta, gente presa. O desabamento do supermercado: gente morta, gente presa, aí entre toneladas de escombros.
Tentei escapar para a frieza do tecnicismo para me defender do que estava vendo. Pude constatar uma cobertura sensacional em termos técnicos, com som direto, estatísticas de acidentes decorrentes de desabamentos, tomados de helicóptero etc.
Não deu para resistir. Minutos após — não temo dizê-lo —, lagrimas nos olhos, eu, o obrigado a ver friamente, por dever de ofício, era mais um impactado pela brutalidade dos acontecimentos.
Era impossível resistir ao desespero daquela mãe que achou a filha após supô-la sob os escombros!
Sim, de novo a imagem coletivizando o sentimento. Tornando-o comum, próximo, familiar, nosso, ao retratar fatos de uma guerra distante ou de um desabamento em nossa cidade. Narrando fatos com a expressão viva de sua própria realidade, a imagem é capaz de comover muito mais que qualquer relato dessa mesma realidade.
Daí a pergunta de sempre: a vivência por parte de todos de fatos de nosso tempo traduz ou não uma forma educativa totalmente nova? Educativa não no sentido tradicional do termo, mas no de gerar sentimentos, solidariedades, consciência, participação. Essa vivência, sentida igualmente por todos, faz-nos ou não retornar ao estado tribal, no qual a comunidade inteira participava aos acontecimentos. Só que a comunidade agora não é mais a meia dúzia de membros da tribo. mas a humanidade inteira. Tem ou não razão McLuhan quando alude à "Aldeia Global" unida pelos circuitos eletromagnéticos propulsores dos meios de comunicação?
Recordo-m de Teilhard de Chardin. O grande pensador-cientista católico, muito antes de McLuhan, e por outros meios, previu o mundo concentrado sobre si mesmo, numa espécie de ecumenismo de experiências e sentimentos.
A imagem vem sendo o veículo dessa concentração através de seu idioma sem palavras. E a dramaticidade e a beleza da vida expressas integramente. E para todos. Sem a intermediação limitante da palavra.
Não, não é possível que não estejamos frente a fatos muito novos na história do comportamento humano! Não é possível que tudo isso não tenha importância na formação do homem! Que não o esteja modificando profundamente!
Quando a dramaticidade do real suplanta a da ficção e todos dela participam, uma nova forma de solidariedade e amor tem de estar nascendo (está, eu sei), caso contrário tudo será desesperança.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 50952