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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Cartaz Data de Publicação: 26/10/1972 Autor/Repórter: Mariza Cardoso
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O QUE É QUE ESTA NOVELA TEM DEMAIS?
"Selva de Pedra" (Rede Globo) registrou por duas vezes um índice de cem por cento de audiência, segundo o Ibope.
"Considero sempre o meu último trabalho o melhor. Sou muito volúvel e por isso esqueço facilmente o que já não é uma novela pretensiosa como inovação. É apenas uma história que passo para os telespectadores. O que ela tem de bom, de diferente das demais, é a sua direção. A direção de Walter Avancini é perfeita. E isso é importante. De todos os diretores com quem já trabalhei, foram Avancini e Daniel Filho os que melhor me entenderam". É assim que Janete Clair, a autora desta novela que registrou 100 por cento de audiência no Rio e em São Paulo - coisa que só ocorreu uma vez em toda a história da televisão brasileira, com "Verão Vermelho", em Salvador -, explica o seu sucesso. Mas, evidentemente, não se pode resumir o êxito de "Selva de Pedra".
A verdade é que Janete Clair escreve novelas há quase vinte anos e adquiriu um domínio sobre sua técnica que poucos autores brasileiros conseguiram. Nesta entrevista, ela explica o que é a novela de televisão - "uma criança que está aprendendo a andar" e quais suas perspectivas para o futuro.
UM PRODUTO NOVO - É um equívoco definir a telenovela como literatura - diz Janete. - Telenovela não é literatura. Também não é cinema e não é teatro, embora seja afim de todas as artes. No meu entender, a novela é um meio de expressão inteiramente novo, um produto de nosso tempo, que por isso mesmo não pode ser julgado de acordo com os critérios tradicionais.
- Vamos aqui repetir o óbvio: é o mais poderoso meio de comunicação do nosso tempo. A televisão, de um modo geral, e a telenovela de um modo particular, como uma forma de arte popular gerada pela própria televisão. Não há dúvida de que a telenovela tem seu mais afastado ancestral no folhetim literário, que gerou a novela de rádio. Hoje em dia, entretanto (e, é claro, estou falando apenas das novelas que estamos fazendo na Globo, nas experiências que estamos realizando lá), as semelhanças entre essa forma de expressão e as suas origens são apenas exteriores, como o fato de os capítulos serem dados dia a dia, de se apoiarem no suspense para poder manter a atenção do espectador e pouca coisa mais. Na sua essência, porém, na sua estrutura interna, a telenovela tem muito mais a ver com o romance moderno e com o cinema, dos quais recebe uma influência direta. Devido à sua complexidade, à multiplicidade de histórias e temas, às contradições psicológicas dos personagens e a uma tentativa de análise social, a telenovela, hoje, libertou-se totalmente do folhetim literário do século XIX, ou da novela de rádio.
OBRA DE ARTE - A novela - continua Janete - está buscando uma linguagem própria, específica da televisão. Como já disse anteriormente, acho que essa linguagem não é de teatro nem de cinema. Ela é nova e nossas experiências são no sentido de alcançá-la. Para isso acho que temos de esquecer não somente o folhetim, como até mesmo o teatro, o cinema e a literatura, parentes próximos os da telenovela. Temos de partir de dados novos, de novos valores estéticos, temos de construir essa linguagem não voltados para uma tradição literária, mas para o espectador do nosso tempo, que está condicionado por fatores inteiramente novos, resultantes do progresso tecnológico e das relações sociais que esse progresso alterou totaImente. Estamos indo nesse caminho e parece que alguma coisa já conseguimos, embora falte ainda muita estrada a percorrer.
- Acho que o futuro da telenovela como forma de arte popular depende fundamentalmente da descoberta e do desenvolvimento de uma linguagem própria. De conseguir alcançar preconceitos de que, ainda hoje, apesar de tudo, é vítima.
Para Janete, o sucesso de uma novela depende igualmente do trabalho de três elementos: autor, diretor e ator. Mas no caso da telenovela, o papel do autor é de maior responsabilidade:
- Na telenovela, só o autor tem uma perspectiva histórica da obra. Ele tem também poderes ditatoriais de vida e morte sobre os personagens. É um controle quase onipotente sobre os acontecimentos. Tudo isso lhe dá uma responsabilidade ilimitada, embora dependa do diretor e dos atores para conseguir seus objetivos, para tornar claras as, suas idéias. Nesse ponto, é tão dependente quanto o autor de teatro. É preciso ressaltar também que a telenovela exige uma capacidade de improvisação, uma acuidade e um domínio do metier por parte do diretor e dos atores muito maiores do que no cinema e no teatro. Isso porque dispõem de muito pouco tempo. E também porque na televisão é muito difícil enganar. Maior importância tem ainda o diretor, pois ele pode fazer de um bom texto uma boa novela ou uma novela medíocre. Um bom diretor transforma uma cena vulgar numa grande cena. E uma grande cena pode ser transformada em vulgaridade quando ele não a entende ou não lhe dá a devida importância.
UMA MULHER QUE NÃO TEM MEDO DO IBOPE - Quando escreveu sua primeira novela, "Perdão, Meu Filho", para a Rádio Nacional, em 1956, Janete Clair já tinha uma boa experiência no gênero. Locutora e radioatriz, ela trabalhara em várias novelas de Ivani Ribeiro e Oduvaldo Viana, grandes sucessos na época. A primeira se seguiram "A Noiva das Trevas", "Um Estranho na Terra de Ninguém", "A Rosa Rebelde" - que mais tarde seria adaptada para a televisão - e "Canção do Fugitivo", entre as de maior sucesso. Em 1962 estreou na televisão, com "O Acusador" (TV Tupi, Rio), que tinha a direção de Fábio Sabag. Ainda na Tupi, escreveu "Paixão Proibida" e em 1967 transferiu-se para a Globo, quando terminou os últimos capítulos de "Anastácia". Em seguida, foi o sucesso que todo mundo conhece: "Sangue e Areia", "Paço dos Ventos", "A Rosa Rebelde", "Véu de Noiva", "Os Irmãos Coragem", "O Homem Que Deve Morrer" e, finalmente, "Selva de Pedra", a novela que mais pontos do Ibope alcançou na televisão brasileira, batendo todos os recordes até hoje registrados. Entre rádio e televisão, ela já escreveu perto de quarenta novelas, além de inúmeros argumentos para fotonovelas de revistas, com o mesmo sucesso. E não é apenas o Ibope que dá a medida de Janete, pois suas obras vêm despertando um crescente interesse no exterior. Basta dizer que "Os Irmãos Coragem" passa atualmente em várias cidades dos Estados Unidos, em versão mexicana.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 57657