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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 11/01/1973
Autor/Repórter: Artur da Távola

TELEJORNALISMO OU SENSACIONALISMO (I)

Tragédias no vídeo

Os aperfeiçoamentos da tecnologia eletrônica estão permitindo ao telejornalismo enorme mobilidade e quase instantaneidade de cobertura, como ocorre no rádio. Há poucos anos, realizar uma ''externa" era como viagem de circo. Era preciso movimentar grandes equipamentos e quinze mil duzentos e trinta e dois apetrechos técnicos. Uma expedição!

Hoje os teipes portáteis captam som e imagem. Veloz passou a ser o processamento de filmes em som direto. Ágeis os recursos de "externas" para fins de telejornalismo. A miniaturização dos circuitos a cada ano permitirá maior rapidez e facilidade de locomoção.

Os benefícios de tais recursos entram logo em funcionamento. Um telejornal moderno hoje veicula cerca de setenta por cento de imagens ao vivo. Não é pouco.

Um dos resultados do uso da referida tecnologia no telejornalismo está provocando o espanto e a reação típicos de tudo o que é novo.

Dou dois exemplos sobre os quais muitos pessoas me perguntaram o que é que eu "achava": cenas do desabamento do supermercado e, semana passada, a dor terrível da mãe que acabara de perder o filho de dez anos esmagado pelas rodas de um caminhão possesso. Som e imagem captaram tudo.

Dizem alguns: "A gente está jantando, esperando a novela, e lá vem a tragédia atrapalhar a digestão."

Dizem outros: "Pode narrar o fato, mas não precisa levar seu som e sua imagem a nossas casas."

Está posto o problema. Deve ou não o telejornalismo levar tais cenas às casas das pessoas?

Não é caso de "achar". O assunto merece análise pelas mil facetas de suas conseqüências. Preliminarmente, uma premissa: o jornalista tem compromissos com os fatos. Esta é sua profissão.

Em segundo lugar, já está ultraprovado e batido: o público se emociona muito mais com um atropelamento na esquina que com milhares de mortes quando longe, nas guerras terríveis. O telejornalismo também as retrata. Mas como não é próximo poucos se comovem.

Exemplo: quando caiu o elevado da Paulo de Frontin - tragédia -, morreram 22 pessoas. Espanto nacional. Pois nos feriados de Natal é Ano Bom morreram em acidentes automobilísticos 36 pessoas, muito mais. O fato pouco foi comentado. Não comoveu multidões. Terá sido menor a dor dos que perderam parentes, filhos, amigos?

Isso demonstra que a óptica varia conforme a proximidade e a possibilidade de identificação com o sofrimento alheio. Também as circunstâncias bizarras, raras ou estranhas chamam a atenção. Já as mortes estatísticas (antes de um fim de semana prolongado já se tem estatísticas aproximadas de quantos morrerão nas estrados) quase não comovem. Fazem parte de uma trágica rotina com a qual todos se acostumam. A dor é a mesma, mas as reações a ela variam. Não é estranho?

Como vemos, a coisa é rica e variada, razão pela qual amanhã continuo a cavalgar o assunto.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 714