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Nova Consulta

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 05/02/1989
Autor/Repórter: Ingo Ostrovsky

A DROGA QUE FAZ A CABEÇA

Sabe-se lá por que as crianças gostam tanto de Chaves e Chapolin?

Tem uma menina que vem aparecendo nas nossas telinhas vendendo seriedade e competência para nos convencer a entrar na guerra contra a inflação. Você já deve ter visto: ela diz que não faz política (mas está fazendo), diz que não é candidata a nada e declara ser apenas "o futuro" do nosso país. Toda vez que ela aparece eu fico preocupado com o nosso futuro só de pensar que essa menina, todo dia, às 12h22 (estranho horário liga sua TV na TVS para assistir Chaves. Provavelmente ela faz isso mesmo, como milhares de outras crianças, de Norte a Sul na cidade e eu confesso que isso me embanana. Por que as crianças gostam tanto do Chaves e o do seu companheiro Chapolin? A série é mexicana, escrita, dirigida e estrelada por Chaves e outros membros da família, como revelou outro dia o Gugu Liberato. A dublagem é péssima, a tradução bastante ruim, os cenários são ridículos (daquele tipo que balança quando uma porta se abre), parece um programa da década de 50, fica uma belezinha em preto e branco. E as crianças adoram.



O programa não tem abertura, não existe uma apresentação, ele simplesmente começa. Não há quase produção, os figurinos não entrariam na Casa Turuna, as piadas são antigas, aquele tipo de esquete meio atrapalhado em que certas palavras assumem um duplo sentido, como certas situações, de final mais do que previsível. E suas filhas, meu amigo, adoram.

Os atores que contracenam com Chaves e Chapolin não conseguiram fazer sequer uma ponta no teatro da escola do seu filho, só o Chaves se salva com algumas caretas, assim mesmo a variação é zero e depois de dois ou três closes a coisa fica chata. Então por que as crianças gostam? Não pense você que nossas crianças são débeis mentais. Toda a América Latina, mais Espanha e Itália (Itália???) assistem o programa. A trupe responsável por essa pequena aberração televisiva fatura alto, fazendo excursões e se apresentando ao vivo. Parece entretanto que não teremos o privilégio de vê-los num palco brasileiro tão cedo, a menos que eles aprendam a falar português ou que nossas crianças aprendam espanhol.

Nada disso responde à pergunta essencial: por que as crianças gostam? Talvez seja esse primarismo mesmo, essa coisa descomplicada que atraia nossos petizes. Minha filha ri quando o Chaves faz alguma besteira e diz que "foi sem querer querendo". A amiguinha dela gosta da "Chiquinha" (a garota da turma do programa), porque acha engraçado quando ela "chora sem lágrimas"...

No domingo passado eu fiquei prestando atenção nos Trapalhões, para tentar uma comparação, não de estilo, mas de gosto. Os Trapalhões se preocupam com figurinos, com os extras, existe uma evidente produção por trás do programa, muito embora Renato Aragão se esforce por bagunçar todos os esquemas armados. O texto é mais sofisticado do que o do Chaves e, na verdade, não se dirige só às crianças, é feito pra gente grande também. Não sei como ficaria Mussum traduzido para o espanhol, talvez melhor do que o Chaves traduzido para o português...

Ou seja, nossas crianças não estão sujeitas a um tipo de humor que justifique essa paixão pelo Chaves. Mas elas gostam e emendam no programa que vem logo depois, o Bozo, aquele palhaço do consumo que vende mais do que diverte. Vai entender...

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 8763