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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 16/03/2004
Autor/Repórter: Cristina Padiglione

FALTA LIGA EM 'METAMORPHOSES', A NOVELA DA RECORD

Produção é tecnicamente impressionante, mas roteiro falha

A novela da Record é melhor do que indicavam as perspectivas de uma história que se mete a misturar cirurgia plástica de verdade com transplante de face e máfia japonesa. Tecnicamente, Metamorphoses impressiona: tem iluminação melhor que a média das novelas e chega a lembrar até o bom Mulher, seriado que a Globo produziu durante dois anos, com Eva Wilma e Patrícia Pillar. As semelhanças, no entanto, ficam apenas no terreno estético e vêm à tona principalmente pelo bom trabalho de iluminação/ fotografia e pelo fato de a historinha da vez também se passar numa clínica.

O caso é que em telenovela aquele negócio de que uma imagem pode valer mais que mil palavras não tem o menor efeito - ou as produções do gênero made in Colômbia, México ou Venezuela, tão esteticamente pobrinhas, não teriam o sucesso que alcançam. Falta liga em Metamorphoses. A passagem de uma cena para outra não têm qualquer costura. Não há intimidade entre pai (Paulo Betti) e filho, entre filha (Joanna Fomm e Talita Cardoso), entre os noivos (o japonês Kissei Kumamoto e a excelente Lygia Cortez) ou entre os amantes (Luciene Adami e David Cardoso Jr.). No primeiro capítulo, as três seqüências de cenas de amor exibidas irromperam na tela de uma hora para outra, uma na porta da igreja, outra num sofá e outra entre os recém-casados, sem qualquer clima de ensaio. Do nada, o macho parte para cima da fêmea, sem prefácio, como se os produtores da novela se lembrassem, de repente, que é preciso justificar a palavra "amor" estampada no logotipo.) Nesse ímpeto, a rede que se intitula "emissora da família" se permitiu exibir um close de Mifune (Kissei Kumamoto) abocanhando os mamilos da mulher, a doutora Circe (Lygia Cortez), numa novela classificada para as 8 da noite. Não vai aqui nenhum moralismo. É questão técnica mesmo: o imaginário da platéia desse veículo, nesse horário, é quem se encarrega de completar as cenas que lhe convém na sua sala de estar, sem qualquer risco de constrangimento diante de suas companhias na ocasião, velhinhos, crianças, cachorro ou papagaio.

Antes disso, um outro close de seios mostrou a atriz-personagem Talyta Cardoso (a moça atende pelo próprio nome na história) por todos os ângulos.

A justificativa é plenamente aceitável pelo contexto de alguém que vai se submeter a uma cirurgia plástica e não quer inflar demais os seios de silicone.

A necessidade de se criar um suspense de folhetim logo no primeiro capítulo e a urgência de apresentar os personagens da história criaram por vários momentos a sensação de que este primeiro capítulo era o trailler. Para tanto, pesa aí, no melhor sentido, a mão de cineasta de Tizuka Yamasaki. As seqüências mais isoladas do contexto cheiravam a videoclipe ou a comercial, como a cena do acidente que abre a história, largada lá para trás, sem qualquer satisfação ao telespectador.

E, no sentido contrário ao senso estético, o conteúdo é todo primário, maniqueísta ao extremo, com a médica boazinha e honesta ao lado da irmã invejosa e má; o policial que pensa na "comunidade" na hora de uma blitz e a velha louca que diverte a família com suas frases espontâneas.

A música de abertura é de um anti-clímax inimaginável para quem está relançando um produto tão caro.

Mas, entre boas e más performances, a maestria de Lygia Cortez é tudo-de-bom. Ela torna o texto um produto bem melhor do que ele realmente é.

Bom também ver Gianfrancesco Guarnieri, Zezé Motta e Myriam Muniz em cena.

Quanto ao noivo japonês, legendas em português seriam urgentemente bem-vindas. Entender o que ele diz demanda muito esforço.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 95797