PUC-Rio

Jornal/Revista: Folha de S. Paulo
Data de Publicação: 21/11/2004
Autor/Repórter: Bia Abramo

XUXA ENFRENTA UMA ENCRUZILHADA ETÁRIA

Qual é o problema com a Xuxa, afinal? Ela se livrou da Marlene Mattos. Encompridou as roupas. Teve uma filha. Contratou um superespecialista em fazer TV para criança, o dramaturgo e escritor Flávio de Souza. E, ainda assim, todas as manhãs, ela fracassa (e sabe disso).

"Mundo da Imaginação", o programa "sério", pouco apelativo, meigo e divertido, aquele que ela sempre teria feito não fosse a influência maligna de Marlene, dá sistematicamente com os burros n'água. Não tem a audiência esperada, não recebe aprovação de nenhum lado, não funciona.

A crise é tão grave que ela se explica no ar, pedindo a aprovação da audiência, praticamente implorando para gostarem dela.

Com todo o arsenal de dinheiro, produção e prestígio, o programa se abala diante de "Bom Dia & Cia." (SBT). E não é que o concorrente seja um achado, pelo contrário: consiste em uma série de desenhos "ancorados" por dois adolescentes absolutamente inexpressivos, que decoram texto e marcação de maneira mecânica (e artificial). Xuxa fracassa, sobretudo, em reconstruir sua identidade televisiva.

E olhem que ela é boa nisso. Afinal, na sua carreira, foram grandes (e profundos) os saltos para transformar a modelo/manequim que participava de filmes de Walter Hugo Khouri na multimilionária fadinha benfazeja das crianças. Até há pouco, ela tinha a capacidade de segurar a onda e, como se diz, "entrar no papel" que tinha inventado para si mesma. Agora, algo parece ter se partido, talvez para sempre. O problema de Xuxa em "Mundo" não é outro que não ela mesma.

A impressão é que Xuxa ficou, de uma hora para outra, um pouco velha demais para sua persona televisiva. É quase uma temeridade fazer menção à velhice nessa cultura que glamouriza a juventude, mas isso não quer dizer que ela deixe de existir.

O risco é que soe como uma espécie de xingamento superlativo, quase um anátema. Afinal, parece que ficar e ser velho é simplesmente uma questão de escolha pessoal, de autodisciplina (e dinheiro) para afastar com determinação (e veemência) todo e qualquer traço de velhice.

Quando se pára na superfície, se pode até cultivar a ilusão de que isso é possível. E Xuxa, aos 40 e poucos, evidentemente está sob todos os cuidados que o dinheiro pode comprar, a obsessão, imaginar e a ganância cosmética, transformar em produto.

Volta e meia, as evidências de que ela despende enormes esforços (e somas) para manter-se eternamente jovem estão estampadas nos semanários de fofocas.

É como se ela tivesse que, no vídeo, sustentar uma proximidade e uma relação com o mundo infantil que pouco ou nenhum sentido fazem mais para ela, sem ter conseguido fazer a transição.

De uma grande boneca em carne e osso, ela quer se transformar numa espécie de tia, que diverte e educa, mas, à força de se manter jovem, não tem a maturidade para isso. O desconforto de Xuxa é evidente.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 104311