PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 29/10/1989
Autor/Repórter: Braulio Tavares

CORTINA ESQUEMÁTICA

A novela Cortina de vidro, que estreou esta semana no SBT (2ª a sábado, às 19h40), é uma superprodução independente com origem em São Paulo, o que pode trazer uma contribuição nova a um mercado novelesco definido e dominado pela estética da Globo, que influi nesse mercado como o Bom Bril influi no de esponjas de aço. Cortina de vidro é uma primeira tentativa - daí a impressão de meio-do-caminho causada por seus capítulos iniciais. Centralizada num edifício que pretende ser um microcosmo do capitalismo nos jardins suspensos da Paulicéia, a novela mostrou em seus primeiros movimentos de enredo um artificialismo talvez inevitável, que resulta da tentativa de mostrar um mundo que não é nem o dos autores nem o do público. Quando um artista de classe média tenta explicar aos muito pobres como vivem os muito ricos, o resultado costuma ser de uma ingenuidade que beira o catecismo. Nem mesmo um filme como Cidadão Kane escapou disso. E aqui, no Brasil, quanto mais se tenta fazer Wall Street ou 9 1/2 semanas de amor, mais se faz Os ricos também choram.

O personagem principal de Cortina de vidro é um milionário que só anda de helicóptero e, quando começa a se misturar às "pessoas comuns", demonstra tal ingenuidade que leva a supor que toda aquela fortuna foi herdada pronta. Um empresário de verdade entrevistado pelo TJ Brasil a esse respeito afirmou que o personagem "não corresponde ao perfil do empresário brasileiro" - o que é uma verdade, mas não é uma solução. O J.R. de Dallas provavelmente não corresponde ao perfil do empresário texano, mas, talvez por não ter essa intenção, acaba sendo um personagem com luz própria. É a intenção de "querer reconstituir um tipo real" que acaba diluindo um personagem: basta ver os fracassos da arte engajada de esquerda, com sua utopia estética de personagens típicos em situações típicas.

Esse esquematismo sociológico (que emperrou as engrenagens de novelas como Roda de fogo, para ficar num exemplo recente) transforma os personagens em marionetes previsíveis; é no caso de Cortina de vidro, isso é agravado pelo fato de que o ritmo da narrativa e o ritmo dos atores não estão casando de jeito nenhum, pelo menos no início. Sem falar num outro problema eterno, o dos diálogos. Um dos maiores triunfos artísticos das novelas da Globo foi o fato de terem conseguido (nem sempre, - mas com freqüência) reproduzir a fala coloquial do Brasil urbano, coisa que o cinema brasileiro sempre nos ficou devendo. É pena que isso raramente seja alcançado pelas outras. Cortina de vidro é mais uma, cujos diálogos parecem a transcrição das legendas de um filme americano. Fica a impressão de que as pessoas que escrevem novelas só andam de helicóptero, o que é uma pena.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 10536