PUC-Rio

Jornal/Revista: VEJA
Data de Publicação: 22/07/1989
Autor/Repórter:

HISTÓRIAS CARIOCAS

Kananga do Japão, a novela mais cara já feita no país, promete emoções ao mostrar o Rio dos anos 30

Sempre que se anuncia uma novela ou minissérie nacional na Rede Globo, os espectadores acreditam que irão assistir, se não a um grande momento da dramaturgia televisiva, pelo menos a um programa com padrão mínimo de qualidade. Essa não é a regra para as outras emissoras do país, em que a programação varia como nos altos e baixos de uma montanha-russa. Nos últimos meses, a expectativa criada em torno da nova novela da Rede Manchete, Kananga do Japão, faz prever uma melhoria das atrações da televisão nos últimos tempos. Realizada com um orçamento de 7 milhões de dólares (cerca de 13,6 milhões de cruzados novos), o maior já consumido por uma novela em qualquer emissora, Kananga do Japão envolve requintes de produção pouco comuns no vídeo e um elenco encabeçado por estrelas do quilate de Christiane Torloni e Tônia Carrero. O primeiro capítulo, levado ao ar na quarta-feira passada, prenunciava que a novela, que procura retratar o Rio de Janeiro dos anos 30, pode justificar o alarde realizado a seu redor.

Do total investido no projeto, 1,5 milhão de dólares foi aplicado na construção de uma imponente cidade cenográfica nos arredores do Rio de Janeiro. Construída em seis meses, a cidade tem 5 600 metros quadrados, sete ruas pavimentadas com paralelepípedos e 32 fachadas de prédios, a maioria deles com dois andares. Não falta uma sinagoga, uma réplica do colégio Benjamin Constant e do chafariz que enfeitava a Praça Onze, no centro do Rio. Para circular pelas ruas, foram comprados e restaurados cinco automóveis Ford modelo 1929. Nesse cenário será contada a história de Dora (Christiane Torloni), jovem aristocrata, e de seu triângulo amoroso com o malandro Alex (Raul Gazola) e com o milionário Danilo (Giuseppe Oristânio), filho de Letícia (Tônia Carrero, num papel de vilã, raro em sua carreira). O tio de Dora, o farmacêutico Epílogo, é um falso moralista que entra em conflito com ela. Toda a ação gravita em torno do cabaré Kananga, que animou os integrantes

da cena cultural e política do Rio de Janeiro na época. A estrela do Kananga é a cantora Lulu Kelly (Zezé Motta), e uma de suas companheiras de trabalho é a bailarina Zazá (Tamara Taxman).

AUDIÊNCIA - Na estreia de Kananga do Japão, a Globo deixou evidente que enxerga na novela uma concorrente de peso e vê a possibilidade de a Manchete reeditar o êxito de Dona Beija,' de 1986, produção de dramaturgia da emissora que mais pontos de audiência amealhou. Na quarta-feira, a Globo estendeu o capítulo de O Salvador da Pátria, previsto para terminar às 9h30 da noite, em quase vinte minutos, de maneira a fazer com que a transmissão coincidisse com o início de Kananga do Japão. A Manchete, por seu turno, esperou que a Globo encerrasse a novela para colocar a sua no ar. Com início marcado para as 21h30, Kananga só começou às 21h50. "A novela é hoje mais do que o carro-chefe da emissora", diz Carlos Magalhães, que dirige Kananga juntamente com Tizuka Yamasaki. "Tudo na Manchete está voltado para ela."

Na própria quarta-feira, numa festa em comemoração à estreia da novela, Oscar Bloch vice-presidente do grupo Manchete, confirmava que Kananga do Japão representa a tacada mais ambiciosa já empreendida pela emissora em sua programação. "Com o provável êxito da novela, esperamos não mais vender a Rede Manchete", declarou, referindo-se aos constantes rumores de que Adolpho Bloch, presidente do grupo, pretende se desfazer da rede. Na primeira avaliação de audiência de Kananga do Japão, feita pelo Ibope pelo sistema de medição instantânea, a Manchete, no horário, pulou de dois pontos para oito - um início modesto, mas recebido como uma vitória pela equipe da novela.

AULAS DE DANÇA - A ideia de realizar Kananga do Japão partiu do próprio Adolpho Bloch, que frequentou o célebre cabaré nos anos 30 e desde que inaugurou a Rede Manchete, em 1983, sonhava em realizar uma novela que tivesse como cenário seus tempos de juventude. O argumento foi apresentado a Wilson Aguiar Filho, que se incumbiu do roteiro. Embora iniciado há três anos, o projeto só decolou nos últimos meses. A Manchete teve dificuldades em conseguir para o elenco uma cota adequada de estrelas, mais habituadas ao caminho que leva aos estúdios da Globo. Vera Fischer, Lúcia Veríssimo e Lucélia Santos, por exemplo, recusaram o papel que hoje cabe a Christiane Torloni. Definido o elenco, os atores despenderam três meses trabalhando os personagens em leituras de textos e em aulas de dança e de etiqueta. No início de junho, finalmente, as gravações começaram.

Se Kananga do Japão mantiver o bom nível de seu primeiro capítulo, poderá marcar um ponto na teledramaturgia nacional. Neste início ficou evidente a intenção dos diretores de usar tomadas de estilo cinematográfico, fugindo da rotina das câmaras bem aproximadas dos personagens sempre que há diálogos. "Como grande parte das pessoas que estão produzindo e dirigindo a novela é egressa do cinema, não há dúvidas de que a preocupação com a imagem será maior do que nas novelas em geral", comenta o supervisor de direção, Jayme Monjardim. É preciso que, ao longo dos 180 capítulos previstos para a novela, esses recursos se casem com boas interpretações e um roteiro inventivo. Em Corpo Santo, novela apresentada pela Manchete em 1987, os recursos de cinema fizeram o encanto dos primeiros capítulos e, depois, a novela afundou na violência gratuita e na falta de rumo.

CORRIDAS - Uma novidade apresentada no primeiro capítulo de Kananga do Japão, e que, segundo a Manchete, será utilizada ao longo de toda a novela, é a inserção de trechos de documentários de época, à razão de um minuto por capítulo. Na estreia, assistiu-se a cenas de um navio deixando o Porto de Santos e do cotidiano carioca dos anos 30. Imagens de Getúlio Vargas e da chegada do zepelim ao Brasil estão escaladas para capítulos futuros. "Essa é a primeira novela-documentário", entusiasma-se Expedito Grossi, diretor de produção da emissora. Para ilustrar a paixão do personagem Danilo por corridas de automóveis, serão mostradas cenas reais de disputas realizadas com os lendários automóveis Bugatti no bairro carioca da Gávea.

Cerca de 600 pessoas foram mobilizadas apenas na construção da cidade cenográfica, entre pesquisadores, cenógrafos, engenheiros, arquitetos e operários. Foram usados 35 000 metros de madeira e 1 600 litros de tinta. O resultado são locações tão imponentes como as montadas pela Globo para a minissérie O Primo Basílio ou para a novela Roque Santeiro. Até a quarta-feira passada, a Manchete não havia conseguido negociar ainda uma das quatro cotas de patrocínio da novela, ao custo de 2 milhões de dólares cada. Expedito Grossi, no entanto, garante que não haverá dificuldades em fechar negócio.

Para a Manchete, que costuma apresentar apenas uma novela por ano, Kananga do Japão, com sua produção faraônica, representa a chance de cravar uma vitória num gênero em que até hoje apenas tateou. Com Dona Beija e Corpo Santo, a emissora conquistou pontos de audiência, mas, nos dois casos, apelou para lances de ousadia para chocar o espectador - a nudez de Maitê Proença, no caso da primeira, a violência exacerbada, no caso da segunda. Com Carmem, apresentada entre 1987 e 1988, em que não havia atrativos especiais, a Manchete naufragou. Kananga do Japão, ao contrário dessas produções, reúne elementos suficientes para conquistar o espectador pela qualidade.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 10650