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Jornal/Revista: ISTO É - Gente Data de Publicação: 08/05/2006 Autor/Repórter: Dirceu Alves Jr.
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''JÁ TENTEI ALICIAR TRÊS AUTORES DA GLOBO''
O autor de Cidadão Brasileiro diz que trocou de emissora para não retroceder, acha a telenovela descartável e se arrepende de ter dedicado 40 anos ao gênero
Autor consagrado por Escalada (1974) e O Casarão (1976), Lauro César Muniz, 68, não escrevia havia cinco anos para a Globo quando fechou com a Record. Os 14 pontos de média que a novela Cidadão Brasileiro alcança são modestos perto da comoção já causada por personagens como Renato Villar (Tarcísio Meira) ou Sassá Mutema (Lima Duarte), criados por Lauro respectivamente em Roda de Fogo (1986) e O Salvador da Pátria (1989). Para a Record, porém, é mais uma vitória no campo da teledramaturgia. "Nunca quis fazer uma novela óbvia. E a Record me possibilita isso", diz ele, que é casado há dois anos com a atriz Bárbara Bruno e pai de três filhos de suas uniões anteriores.
- Quando decidiu sair da Globo?
- Eu tinha uma incompatibilidade com o Mário Lúcio Vaz (diretor artístico da Globo). Todos os projetos que apresentava eram vetados. Vivia um congelamento delicado. Em 2004, numa reunião, ouvi absurdos. Um dos diretores disse que a intenção era fazer novelas nos moldes mexicanos para exportar mais. Vi que era hora de ir embora. A Globo está disposta a retroceder, e não quero isso para mim. A Marluce Dias da Silva (ex-diretora geral) ficou surpresa quando saí, me ligou e falamos longamente. Senti que ela não tinha consciência do tempo que eu estava parado.
- Suas novelas sempre foram ousadas, e algumas falharam na audiência. Por isso a Globo não o aproveitou mais?
- Nunca quis fazer novela simplificadora, com o bom e o mau, cedendo a clichês. Minhas novelas são arriscadas. Não se faz arte sem correr risco. E tenho a pretensão de fazer arte e telenovela. Sou de um tempo em que a Globo tinha autores corajosos. O Dias Gomes, o Walter George Durst, o Jorge Andrade e o Bráulio Pedroso eram arrojados.
- Você citou apenas homens de teatro. Essa crise é reflexo da qualidade dos dramaturgos?
- De jeito nenhum. O time da Globo é ótimo. O que me deixa profundamente chateado é ver colegas talentosíssimos se prestando a essas concessões. Aguinaldo Silva, Gilberto Braga, Manoel Carlos e Glória Perez são excepcionais e, no entanto, o que eles produzem está muito aquém dos seus potenciais. Já tentei aliciar três autores da Globo.
- Quem
- Não vou dizer. Levei dois para falar com a diretoria da Record. Com outro, tive uma longa conversa. Um deles renovou contrato e fez um péssimo negócio financeiro. Ouvi que o Daniel Filho reassumiria a direção artística. Se o Daniel voltar, a Record vai ter trabalho.
- Parece desiludido com a situação atual das telenovelas...
- Dediquei 40 anos às novelas e não valeu a pena. Deveria ter feito mais teatro, cinema. Sinto uma sensação de vazio ao ver esse lixo que está no ar. A telenovela é descartável, as pessoas se esquecem do nosso trabalho. A imprensa me chama de noveleiro, e é pejorativo. Eu não sou noveleiro. Sou um dramaturgo.
- Essa recuperação está na Record?
- Não sei, mas na Record tenho a chance de escrever o que quero. Eles não me restringem em nada. Cidadão Brasileiro tem um herói ambíguo, que oscila entre o sonho profissional e a tentação do dinheiro fácil. Isso seria difícil de abordar até em uma minissérie na Globo. Todas estão didáticas, parecendo um livro escolar.
- De que forma sua vida se reflete em sua obra?
- Em Cidadão Brasileiro, isso é muito claro. Nasci em Ribeirão Preto porque não havia maternidade em Guará, a cidade onde fui criado e a novela é ambientada. Meu pai trabalhava com algodão e era dono de cinema, o Cine Glória, que está lá na novela. Era a paixão dele. Comprou projetor italiano, colocou cortinas de veludo. Estávamos enriquecendo, mas os negócios desabaram, perdemos tudo em quatro dias. Meu pai vendeu títulos de capitalização para nos sustentar. Talvez por isso eu tenha escolhido uma profissão rentável, a engenharia, que exerci mediocremente por três anos.
- Cidadão Brasileiro tem forte teor sensual em uma emissora da Igreja Universal do Reino de Deus. Isso influencia sua criação?
- Eu nunca fui censurado em uma linha. A Record separa bem a Igreja da emissora, sabe que não tem sentido misturar as coisas ou vai ficar uma chatice só. Ter problema com a censura foi regra na minha carreira. Mudei a personagem da Renata Sorrah em O Casarão porque ela era casada e se apaixonava por outro homem. Escalada tinha uma fase ambientada em Brasília, e eu não podia citar o nome de Juscelino Kubitschek porque ele estava cassado. O personagem de Otávio Augusto assobiava "Peixe Vivo" nas cenas referentes a ele. Essa metáfora era compreendida apenas por uma elite. E o Juscelino percebeu.
- O ex-presidente chegou a falar isso para você?
- Juscelino era fã de Escalada e, por meio da atriz Heloísa Helena, que era amiga de dona Sarah, recebi um convite para jantar com eles. Fiquei lisonjeado e, antes de chegarmos ao apartamento em Copacabana, Heloísa avisou que eles dormiam muito cedo e seria um jantar rápido. Varamos a noite juntos. Demos muitas risadas. Juscelino era falante, carismático e odiava sapatos. Lá pelas tantas, pediu licença para descalçá-los e ficou só de meia. E a meia verde estava furada no calcanhar. Era um homem muito simples, divertido. O JK da vida real não tinha nada a ver com aquela estátua que o José Wilker fez na minissérie.
- O Salvador da Pátria foi encomendada por causa da eleição de 1989?
- Se me encomendassem algo do gênero, eu não faria. O Sassá Mutema era a retomada de outro personagem vivido pelo Lima no especial O Crime do Zé Bigorna. A sinopse contava a história de um matuto que virava presidente da República. A Globo só percebeu o caminho que a novela tomou quando começaram as pressões, lá no meio da história. O PT dizia que eu criticava o Lula. A direita me acusava de exaltá-lo. Recebi um bilhete da direção mandando eu repensar a trama porque Sassá não poderia ser presidente. Fui orientado a investir em uma história policial porque o público identificava o Lula no Sassá Mutema, e a eleição do PT não interessava.
- Está satisfeito com Lula no poder?
- Infelizmente, o Sassá Mutema foi meio premonitório. O que aconteceu com o Lula é triste. Não sobrou ninguém. Eu não entendo como ele consegue resistir sozinho, deve ser o respaldo popular.
- Você foi eleitor do Lula?
- Nunca fui. Votei nele apenas no segundo turno de 1989 porque não votaria no Collor. Nunca vi o Lula com condições de governar o Brasil. Confesso que, apesar de ver meu candidato, o José Serra, derrotado, fiquei feliz com a eleição. Era um homem com uma história bonita chegando ao poder, mas ele foi tão envolvido por isso tudo que não teve visão para controlar a sujeira e também acho impossível que ele não tivesse noção do que estava a seu redor.
- Cidadão Brasileiro recebeu críticas por seus problemas de iluminação e maquiagem. Como você vê isso?
- Realmente nós temos muitos problemas de iluminação e maquiagem, mas tudo isso está sendo resolvido. Novela sempre tem problemas. E a gente ajusta no seu decorrer.
- Também teria esses problemas na Globo?
- Problemas existem em qualquer lugar. Escrevi cenas longas demais. E me dei conta disso com a novela no ar. Alguns atores ainda estão encontrando o tom do personagem. Nisso a tevê parece o teatro. A novela começa a ficar pronta no segundo mês.
- Sua mulher e sua filha Fernanda Muniz estão no elenco. Isso é nepotismo?
- Com a Bárbara, nem pensei que fosse enfrentar esse tipo de questionamento. É uma excelente atriz, com uma carreira comprovada. A Fernanda virou atriz por influência minha. Não é nepotismo. No circo, todos vão seguindo a carreira dos pais. No teatro, também.
- A Record inspira-se na Globo para conquistar audiência. O que acha?
- É uma estratégia necessária neste momento. E deu certo em Prova de Amor. A novela alinhava com maestria situações usadas em tramas da Globo. Sou eu quem lucra com esse sucesso. Cidadão Brasileiro recebe o Ibope com 22, 23 pontos. Depois enfrento o Jornal Nacional e Belíssima. Não é mole. Cidadão sai do ar com 12, 13 pontos, e isso é ótimo na Record.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 119783