PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 21/08/1990
Autor/Repórter: Elizabeth Orsini

O VÍDEO POLÊMICO DE XUXA

A apresentadora de TV não quer que ninguém veja as imagens mais eróticas de seu primeiro filme

As mães dos baixinhos que costumam dormir na fila do programa de TV Xou da Xuxa para que seus filhos tenham dez minutos de glória ao lado da saltitante loirinha, provavelmente cairiam da cama se vissem como um baixinho inocente já se deliciou com o abraço dourado de Maria das Graças Meneghel. Não se trata de nenhuma sedução ao vivo da musa dos baixinhos. Mas de uma cena do seu primeiro filme, Amor estranho amor, dirigido por Walter Hugo Khouri em 1982, quando Xuxa estava empenhadíssima em sua escalada ao estrelato. As imagens do filme mostram Xuxa como a buliçosa Tamara, nua, na cama, tentando fazer a iniciação sexual de Hugo, o jovem ator Marcelo Ribeiro - na época com 12 anos. De lá para cá, Xuxa virou ídolo infantil e aquelas imagens, que ela considera prejudiciais para o posto que ocupa hoje na televisão, transformaram-se num processo judicial que há três anos corre na 9ª Vara Civil do Foro carioca, e que, enfim, está próximo de se encerrar com uma sentença.

Quando se propôs a fazer a campanha de lançamento de Amor estranho amor - exibida em vasto circuito dois meses antes de o filme entrar em cartaz -, Xuxa estava entusiasmada: "Gostei muito da experiência. Isso será fundamental para minha carreira." Em 1986, quando o filme foi lançado em vídeo, Xuxa já era uma estrela e mudara de opinião. No inicio de 1987 ela renegou sua participação no filme e entrou com um processo na 9ª Vara Civil acusando Amor estranho amor de denegrir sua imagem. Há três anos Xuxa conseguiu, com uma liminar, tirar o vídeo de circulação iniciando uma pendenga judicial com a distribuidora CIC Vídeo. A palavra final será dada pelo juiz da mesma vara, Luís Fux, que dentro de pouco tempo vai dizer se a reclamação de Xuxa à Justiça tem procedência ou não.

Os baixinhos sempre foram importantes na vida de Xuxa. Mas se as relações da apresentadora com o público infantil não são as mesmas da época do filme de seu início de carreira, de quem é a culpa? A CIC Vídeo, através de seu advogado Luis Pereira das Neves, não aceita esta responsabilidade. E apóia suas afirmações em argumentos incontestáveis: "O filme é o mesmo. A obra é a mesma. E não existe uma cláusula determinando que o filme deva ser exibido exclusivamente no cinema. Como também não existe cláusula que proíba sua exibição em videocassete que, por sinal, nem existia em 1982." O advogado do produtor Aníbal Massaini vai mais longe. Defende que, juridicamente, Xuxa não tem direito algum de proibir a circulação dos vídeos. Antes de fazer o filme, leu o roteiro, conheceu o papel e pediu um cachê que lhe foi pago: "Depois de toda essa empreitada, ela diz que não quer mais? Só porque ficou famosa?"

Apesar da ação de Xuxa não ter sido contra o produtor Aníbal Massaini, ele fez questão de ingressar no processo: "Ela alegava que a CIC não tinha os direitos de distribuição do vídeo. Mas esse era um direito que eu tinha cedido à CIC como distribuidora. Tive que ingressar na ação para poder juntar os documentos." Para o produtor, o que Xuxa quer mesmo é provocar confusão em cima da reprodução mecânica e não em cima da obra o que, segundo ele, é um absurdo: "Quando alguém gosta de uma obra musical, vai a loja e compra um CD, um cassete, um vinil. Está comprando uma música e o suporte não altera essa música. Em qualquer suporte, a música é a mesma. Amor estranho amor é o mesmo filme em cinema ou em vídeo. Sem nenhuma alteração."

Quem não concorda com essas teorias é o advogado da apresentadora, Ivan Ferreira, que trabalha no escritório de Sérgio Bermudes e classifica o caso como de "usurpação de imagem". Na opinião de Ivan, a CIC não tem direito de divulgar o vídeo e está querendo reativar o assunto para gerar publicidade e comercializar o filme para a televisão. Por sinal, a TV Manchete já havia programado o filme, mas acabou suspendendo a exibição por causa dos protestos que as cenas de nudez dos filmes nacionais que mostrou recentemente vêm gerando.

Para o produtor Aníbal Massaini, se a Justiça der ganho de causa à apresentadora provocará um verdadeiro caos cinematográfico. Segundo ele, isso vai mexer com todos os contratos anteriores a uma determinada época em que não era praxe prever a comercialização de filmes em fitas de vídeo: "Como não existia vídeo no mercado, nenhum contrato tinha essa cláusula. E amanhã, qualquer coadjuvante que tenha feito ponta num filme, poderá processar o produtor anos depois."

Anibal Massaini acha que, no máximo dentro de um mês, sairá a sentença de primeira instância, o que significa que a parte perdedora pode recorrer. Mas mesmo que Xuxa ganhe a batalha, a guerra estará perdida. Quando a fita foi lançada em vídeo, há quatro anos, 4.000 cópias chegaram a ser vendidas antes de a Justiça cassar sua distribuição. Muita gente tem a cópia em casa e a possibilidade de piratear a fita é infinita. Muitas locadoras ainda possuem cópias da fita. E sempre vai haver um fã mais ardoroso que, numa noite de solidão, vai colocar a fita no aparelho de vídeo para se deliciar com as aventuras de Tamara que, vestida de coelhinha de pelúcia, é oferecida de presente ao político Benício Mattos (Mauro Mendonça) e dá uns amassos no efebo Hugo. Foi o primeiro Xou da Xuxa.

MARCELO AINDA QUER SER ATOR - Antes de conhecer Xuxa, o jovem ator Marcelo Ribeiro, então com 12 anos, já havia trabalhado em outro filme de Walter Hugo Khouri, Eros, o deus do amor. Fazia o filho da atriz Dina Sfat. Paulista da capital, três irmãos, Marcelo mora hoje numa casa de dois andares no bairro da Barra Funda, pertinho do centro. Tem 21 anos, 1,82 metro, 74 quilos. Mas os olhos azuis e a vontade de fazer cinema continuam os mesmos.

Ele não vê nenhum motivo para tanto alarde. Até porque faz questão de frisar que não fez sexo em nenhum filme que participou: "Apenas simulei sexo." Diz que não sentiu nenhuma emoção diferente quando fez a cena polêmica com Xuxa. Uma indiferença que aprendeu a cultivar com os produtores do filme: "Eles sempre me instruíram para que minha cabeça não viesse a atrapalhar o meu futuro. Sempre encarei essas cenas como um trabalho qualquer." Depois das filmagens, ele só encontrou Xuxa duas vezes: uma na estréia do filme e outra no programa de TV de Hebe Camargo, onde a apresentadora estava sendo homenageada depois do sucesso de Amor estranho amor. Adepto da natação, dos filmes de terror e da estamparia em silk screen, Marcelo continua tendo como grande sonho fazer cinema. Quanto à polêmica entre Xuxa e a CIC Vídeo é categórico: "Sua imagem não sai arranhada com a exibição do filme. Ela continua intocada como a musa dos baixinhos."

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 13176