PUC-Rio

Jornal/Revista: Folha de S. Paulo
Data de Publicação: 04/11/1990
Autor/Repórter: Annette Schwartsman

SBT MOSTRA OS MISERÁVEIS SEM GLAMOUR

Os 53 milhões de brasileiras e brasileiros que passam fome serão os protagonistas da nova novela do SBT que estréia amanhã, às 18h30. ''Brasileiras e Brasileiros'' é o primeiro trabalho do núcleo de teledramaturgia da emissora, criado e dirigido por Walter Avancini, 54, no início desse ano. Segundo Avancini, que também assina o argumento, a novela é um ''retrato chapliniano dos milhões de descamisados que habitam a periferia da cidade".

A trama desenvolvida por Carlos Alberto Soffredini é simples. E a história de Totó (Edson Celulari), um ''sobrevivente da periferia'' que um dia resolve montar um grupo de luta livre feminina para enriquecer. As lutadoras - interpretadas por Isadora Ribeiro, Alexandra Marzo, Rosi Campos, Eliana Fonseca, Márcia Dornelles, Zezeh Barbosa, Cida Costha e Samanta - são mulheres pobres que ele encontra e convida para entrar no grupo ''Duras na Queda''. Por diferentes motivos todos guiados pela falta de opção, elas aceitam e são treinadas por Ângelo (Stefanini).

Como no neo-realismo italiano, Avancini quer mostrar o que acha ser o ''mundo real'', sem deixar de lado, a emoção e o humor. A imagem da luta livre não foi escolhida por acaso. Segundo o diretor, ''luta livre é marmelada'' e ele a usou como metáfora da realidade brasileira.

A história parte do grupo já reunido, em busca do sucesso. Segundo o coordenador de criação do SBT, Luciano Ramos, 44, esse sucesso não será alcançado e todos acabarão do jeito que começaram, como acontece na vida da maioria das pessoas. ''Queremos mostrar como as camadas mais baixas da população vivem sem sensacionalismo ou paternalismo. Não queremos maquiar a novela'', disse Ramos.

É claro que na metade de ''Brasileiras e Brasileiros'' a trupe ''quase'' atinge o sucesso. Catarina (Carla Camuratti), uma mulher rica, assiste uma apresentação do grupo de lutadoras e, além de se envolver com Totó - compondo uma das vertentes amorosas indispensáveis a qualquer novela - decide produzir o grupo. As lutadoras ficam conhecidas e até ganham dinheiro. Mas Totó descobre que está sendo usado e resolve acabar com o acordo.

O custo inicial dos 156 capítulos previstos de ''Brasileiras e Brasileiros'' está orçado em US$ 6 milhões (Cr$ 696 milhões no câmbio paralelo). Cerca de 70% das locações serão externas e apenas um cenário - um antigo cassino onde é montada a academia - foi construído. Até agora, cerca de 20 capítulos estão escritos. A meta do núcleo de teledramaturgia do SBT é estrear com dez capítulos prontos.

''Brasileiras e Brasileiros'' é a mais ambiciosa novela já feita pelo SBT. O núcleo de teledramaturgia foi criado para que ela pudesse entrar no ar. Foram contratados cerca de 400 profissionais, entre atores, produtores e técnicos.

O primeiro projeto do SBT para o próximo ano é a novela "Caubói", um ''country chique'' de Denise Bandeira e Joaquim Assis, prevista para estrear em fevereiro, no horário das 19h. No mês de maio, a emissora quer por no ar no lugar de ''Brasileiras e Brasileiros'' a novela ''A Pequena órfã' (título provisório), de Regina Braga e Maurício Farias, que vai abordar o conflito entre o ''mundo infantil e o adulto''. "Anita Garibaldi'', novela de época que está sendo escrita por Consuelo de Castro, deve substituir ''Caubói'' em julho. No mesmo mês "João Tenório'', drama de Tairone Feitosa, vai inaugurar o terceiro horário de novelas, às 20h30.

DIRETOR TEM 40 ANOS DE TV - Walter Avancini, 54, começou a trabalhar na televisão em 1950, como ator em um humorístico da TV Tupi. Sua carreira de diretor iniciou-se na Rede Globo, há cerca de 18 anos. Trabalhou na Tupi em 78 e 79 e na Bandeirantes em 87. No início deste ano, foi contratado pelo SBT para criar um núcleo de teledramaturgia.

Entre suas principais criações estão ''Gabriela'' (79), ''Grande Sertão: Veredas'' (85), ''Saramandaia'' (76) e ''Avenida Paulista'' (82).

NOVELA FAZ APOSTA NO ''MUNDO CÃO'' - Com um pé no neo-realismo italiano e outro na miséria brasileira, os primeiros capítulos da novela "Brasileiras e Brasileiros'' caricaturizam a pobreza. Se o objetivo dos autores era evitar esse rótulo, não deu certo. Falhou, porque retratar a miséria do Brasil é exacerbar a caricatura do ''mundo cão''. Só há pessoas pobres na novela. Com tanta pobreza, conseguiram deixar até o Edson Celulari feio.

Mas, a novela tem trunfos. O principal deles é ser uma produção de Walter Avancini, fato que indica qualidade. As cenas são bem construídas, os atores -veteranos e revelações - bem dirigidos e a imagem cuidada.

O excesso de miséria pode provocar três reações nos telespectadores. Para os que são da classe média - e não estão habituados a assistir a pobreza pela televisão - a novela deverá causar repulsa quando cutucar o complexo de culpa que existe em cada um. Para os próprios ''descamisados" - que no Brasil deixam de comer, mas não de assistir TV -, a reação será de desinteresse. Eles ligam a TV para assistir riqueza. Vão sintonizar a Globo. Quem tem dinheiro não assiste o SBT no horário da novela. Encurralada pela miséria que expõe, ''Brasileiras e Brasileiros" tem tudo para ser fiel à máxima de Joãozinho Trinta: só os intelectuais vão gostar.

OUTRAS TENTATIVAS FORAM FRACASSADAS - O gênero telenovela nunca deu certo no SBT. Em 1985, após exibir por anos dramalhões mexicanos, a emissora produziu e realizou ''Uma Esperança no Ar'' - de Amilton Monteiro e Ismael Fernandes e desenvolvida por Crayton Sarzy. Ficou no ar durante seis meses, até fevereiro de 1986. O texto passou de mão em mão e acabou se tornando híbrido. Foi um fracasso comercial.

No ano passado, a emissora foi vítima de outro fracasso. Comprou a novela ''Cortina de Vidro'', uma produção independente realizada por Guga de Oliveira, e obteve índices de audiência inferiores aos 10% esperados.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 13860