PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 13/03/1993
Autor/Repórter: [editorial]

O SEXO DOS ANJOS



PUC-Rio



Prensados entre as normas do código de ética aprovado pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão e a necessidade urgente de açular os instintos mais baixos dos ouvintes e telespectadores para manter os níveis de audiência, as emissoras brasileiras, há dois anos, desde que o código foi instituído, estão discutindo o sexo dos anjos para fugir à sua realidade.

Provando que a discussão não passa de palavrório inútil, a qualidade dos programas, a grosseria, a violência, as ambigüidades danosas, tudo se agrava, como se as emissoras usassem a si mesmas como pretexto para desrespeitar tudo aquilo que elas próprias determinaram. Nos estúdios de rádio e televisão, palavrões são a resposta cínica aos apelos de uma sociedade perplexa com tanta inconsciência.

Os meios de comunicação, por determinação constitucional, têm função de defesa cultural. Para agradar à imensa camada de espectadores, os programadores lançam mão de subterfúgios. Todos os abusos se cometem a pretexto de disputas comerciais à cata de espectadores. Periodicamente, o governo ameaça intervir nos meios de comunicação, alegando desrespeito à Constituição, que garante liberdade de expressão, mas não liberdade de deboche. O código da Abert é desrespeitado todos os dias nos microfones e nas telas, criando o fio de navalha sobre o qual se equilibra o limite entre a ética e a censura.

Empresários de comunicação reclamam quando há censura, mas não sabem se comportar quando a censura é removida, provocando-a a todo instante com vara curta. Acima de qualquer código de ética, vigoram interesses comerciais que englobam pornografia e violência sem um mínimo de respeito ao público.

Diante da grosseria imperante no ar, não há como fugir à questão mais premente entre todas, que é a revisão da concessão dos canais. Tudo o que está aí decorre dos interesses fisiológicos dos governantes, em detrimento do bem público e da cultura nacional. Em 1988, o presidente Sarney distribuiu 1.087 novas emissoras para garantir mais um ano ao seu mandato, espicaçando a balbúrdia dos meios de comunicação e consolidando a espúria prática do "é dando que se recebe".

O código de 1991 caiu no esquecimento, como reconhece a própria Abert. Proprietários de emissoras se comportam como landlords acima do bem e do mal. Isto significa que as emissoras fazem seus mandamentos e são as primeiras a desrespeitá-los. E ponto final. É um convite permanente à censura governamental.

O código da Abert é uma caricatura deslambida do código Hays que vigorou durante mais de 30 manos em Hollywood, para evitar a censura do governo. Mas aquilo que no cinema americano foi levado a sério, e removido ao seu tempo, no Brasil é tratado com leviandade. Toda uma linguagem elíptica, às vezes com bom resultado artístico, era usada nós filmes (como aquela cena final de Intriga internacional, de Hitchcock, em que um trem penetrando num túnel substitui a cena tórrida entre Cary Grant e Eve-Marie Saint), ao contrário

do rádio e da televisão no Brasil, que se caracterizam pela linguagem desabrida.

De onde nada se espera, nada surgirá mesmo. Locutores mal-educados, escritores de segundo time, pornógrafos triunfantes, violência gratuita, apologia das drogas e de comportamentos criminosos, tudo, enfim, que jamais se enquadraria num código de ética num país tão necessitado de instituições, é servido descaradamente à massa consumidora do país, sem cerimônia.

Nada resiste à praga informacional que se introduziu nos meios de comunicação brasileiros como um vírus de problemática dissolução. Com a palavra a Abert.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 20905