PUC-Rio

Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 11/10/2015
Autor/Repórter: Ubiratan Brasil

ENIGMAS DE ESPINOSA

Detetive criado por Luiz Alfredo Garcia-Roza inspira série de TV dirigida por José Henrique Fonseca

O encontro aconteceu em Copacabana, em uma chuvosa noite carioca. Cenário e clima perfeitos para exemplificar a instigante conversa promovida pelo Estado entre o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza e o cineasta José Henrique Fonseca. Assunto: a série Romance Policial - Espinosa, que estreia na quinta-feira, dia 15, no GNT. Serão oito capítulos semanais com uma trama inspirada na obra do autor e comandada pelo diretor, que inauguram o segmento de histórias nacionais de crime do canal fechado.

Baseado em um dos romances de Garcia-Roza, Uma Janela em Copacabana, o projeto parte da mesma trama do livro: três policiais medíocres são executados à queima-roupa por um assassino frio e que não deixas pistas. O fato inusitado é o bastante para agitar o mundo dos tiras, interessados em descobrir quem teria motivos para liquidar profissionais tão inexpressivos. Encarregado do caso, o delegado Espinosa, titular do 12° DP, tem poucos elementos à disposição.

A simples menção deste nome obriga abrir espaço para um adendo: desde 1996, com o lançamento de O Silêncio da Chuva (protagonizado pelo então detetive Espinosa), o psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza tornou-se um dos principais escritores de romance policial no Brasil, a ponto de o jornal New York Times publicar, em 2000, uma reportagem com um título definitivo: "o professor que se tornou novelista". O motivo da justa badalação era um protagonista meio "gauche", um tanto excêntrico, no sentido de que não se encaixa em lugar algum. Espinosa é reflexivo sem ser intelectual e não esconde um certo um mal-estar na vida. Não à toa que, para criá-lo, o autor tenha buscado inspiração no filósofo Espinoza (1632-1677).

"Espinosa é o Marlowe brasileiro", acredita Fonseca, citando o detetive criado por outro grande nome da escrita policial, Raymond Chandler. "Trata-se de um personagem muito próximo da realidade, tangível, o que torna sua rotina de fácil compreensão."

Naquela noite, diretor e autor estavam frente a frente pela primeira vez desde que a produção começou a tomar forma. Garcia-Roza não participou de nenhuma fase do processo, acreditando que a série é um produto autônomo, assim como sua literatura. E Fonseca teve a primeira chance antes da estreia para checar se suas decisões dramatúrgicas vão agradar o criador da história.

Como o fato de acrescentar mais personagens ou mesmo de buscar cenas de outros livros para encorpar o roteiro. "Como cada capítulo terá quase uma hora e sem nenhum corte para comerciais, foi preciso criar mais situações", comenta Mariana Koehler, diretora de conteúdo do GNT.

Garcia-Roza novamente entendeu que a série tem uma linguagem e uma necessidade próprias. Seu maior interesse, na verdade, era saber qual ator vai interpretar Espinosa. Ao ouvir o nome do ator Domingos Montagner, o escritor fez um silêncio inquietante, como se avaliasse a escolha. A angústia de Fonseca terminou em segundos: "Uma boa decisão, pois ele tem uma feição comum, embora seja um galã".

Garcia-Roza quis saber também onde a série foi filmada. "Em Copacabana", informou Fonseca, revelando-se um atento leitor da obra do autor. "O bairro é quase um personagem e, ao invés da imagem solar que se tem do Rio, o seriado vai mostrar sua face mais noturna." O diretor destacou apenas uma cena diurna: a que mostra Espinosa nadando no mar, um de seus hábitos. "Ele aparece em dose, com os prédios da orla ao fundo."

A geografia, aliás, é vital no desenrolar da história, não apenas um coadjuvante. Filho de Rubem Fonseca, um dos grandes mestres da literatura nacional, o diretor sabe que, se uma novela policial é uma história, ela também é uma geografia.

Para reforçar a imagem de Copacabana como um bairro noir por excelência, a série terá uma trilha sonora composta especialmente por Dado Vila-Lobos, outra escolha aplaudida por Garcia-Roza, que percebeu ali uma fidelidade ao seu personagem, especialmente ao expor o lado perverso da alma e da sociedade brasileira. Um abraço fraterno, ao final da conversa, revelou a satisfação que cada um carregava.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 213655