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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 06/10/1978 Autor/Repórter: Paulo Maia
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O GATO QUE NÃO ARRANHA
Não, senhores, infelizmente o Pinga Fogo não voltou ainda. Sim, - é verdade que desde agosto último, as 23 emissoras brasileiras da Rede Tupi de Televisão estão transmitindo todas as terças-feiras, a partir das 23h, um programa de entrevistas com personalidades políticas e que o programa está anunciado como Pinga Fogo, tento do inclusive como vinheta de apresentação uma imagem que pretensamente representa uma gota de fogo. Mas podem estar certos, senhores: aquele programa só tem com o autêntico Pinga Fogo o ponto comum de ser um programa de entrevistas.
Estaria este crítico sendo rigoroso em excesso? Vamos ver porque não. Pinga Fogo foi um dos mais importantes programas jornalísticos - da história da televisão brasileira. Criado na TV Tupi de São Paulo, no período imediatamente anterior à Revolução de 1964, durou mais de três anos e morreu antes que seu assassinato decretado pelo Ato Institucional N° 5. Nomes polêmicos da vida politica brasileira se submeteram às tempestades do programa, que era duro e sem qualquer piedade. Foram até o Sumaré - entre tantos outros - líderes expressivos como os ex-Governadores Carlos Lacerda, Miguel Arraes e Milton Campos, o ex-Ministro Darcy Ribeiro, o secretario-geral do extinto Partido Comunista Brasileiro, Luis Carlos Prestes, o proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho.
Ora, dirão, hoje não se fazem mais lideres como antigamente e, em dois meses de programa, nesta segunda fase, pelo menos um foi bom e quente e contou com uma figura expressiva da vida política nacional, o ex-Presidente Jânio Quadros. Pode dizer também o telespectador mais generoso que qualquer iniciativa por um programa jornalístico, de entrevistas políticas, deve ser saudada efusivamente. Até aí, tudo bem. Mas é preciso encarar as coisas com imparcialidade e, sobretudo, honestidade. Ninguém vai deixar de reconhecer os méritos da equipe de jornalismo da Tupi, chefiada por Heitor Augusto, e do repórter Almir Guimarães, remanescente da primeira fase do programa, na tentativa de ressuscitá-lo. Não se pode, contudo, a bem da verdade, deixar de ressaltar o que é diferente de um programa em relação a outro.
A diferença fundamental é que o Pinga Fogo original não sofria qualquer injunção censória, seja por parte das autoridades policiais encarregadas de escolher o que devemos ver ou não, seja por parte da direção da emissora ou dos produtores do programa, que não contavam com o recurso da edição. É isso aí: o programa ia ao vivo, direto, sem cortes de frases incômodas, sem a omissão a posteriori de perguntas infelizes ou de respostas titubeantes. Aí estava uma grande vantagem em relação à segunda fase do programa, cujas entrevistas são submetidas, em primeiro lugar, à censura da edição, feita na TV Tupi, e depois à censura propriamente dita, feita pela Política Federal. O leitor, por mais condescendente que seja, ha de convir que vai ai uma diferença grande.
Almir Guimarães é o único remanescente da bancada de jornalistas (cinco ou seis, na época) que fazia o Pinga Fogo original. Era um programa combativo e dentro da tradição jornalística de uma boa entrevista. As perguntas eram provocativas e o clima nunca era ameno e morno. Hoje, as entrevistas são tão monótonas que chegam a dar sono. Os entrevistadores procuram, na medida do possível, agradar ao entrevistado, fazendo-lhe as perguntas mais convenientes, e uma boa entrevista depende justamente do índice de provocações que leva o entrevistador a obter boas declarações. A partir desse ponto-de-vista, foi boa a entrevista de Jânio Quadros. Mas, sem qualquer demérito para Almir Guimarães e Glauco Carneiro, o nível elevado de comunicação se deveu mais à habilidade natural do ex-Presidente (com sua grande habilidade de comunicador) do que ao nível de provocação das perguntas. Nesse ponto-de-vista, ainda, a entrevista com o futuro Governador do Estado de São Paulo, Sr Paulo Salim Maluf, foi um fracasso total. Se é difícil entrevistar Maluf, que sempre tenta conduzir o repórter para o ponto a que ele quer chegar, tudo se tornou mais nebuloso, monótono e chato ainda na medida em que os entrevistadores fracassaram por inteiro.
Ney Gonçalves Dias parecia estar fazendo às vezes do jogador de vôlei que levanta a bola para o outro cortar. E levantava para Maluf, que ainda se aproveitou da falta de coordenação do programa da inexperiência e inabilidade de Igor Weltmann, o outro repórter, para dirigir programa para onde bem quis. O resultado final foi pior do que jamais se podia esperar. E o telespectador ficou tendo a impressão de ter sido enganado, de haver assistido a um programa tão polido, que parecia unia jogada promocional de relações públicas, aproveitando a boa imagem que o nome Pinga Fogo conseguiu no passado, por causa de sua agressividade.
Pinga Fogo é urna expressão da língua portuguesa que poderia bem resumir aquela agressividade e também o dinamismo da fase inicial do programa, antes de a censura do Governo Mediei haver mal acostumado os repórteres políticos aos press releases. Não pode servir de nome a um programa açucarado e desmotivado reunindo personalidades menores para entrevistas de menor interesse. O programa pode ser até bem-vjndo, apesar de seus defeitos, por alguma virtude que possa surgir de um ou outro momento. O batismo, porém, não poderia ser mais impróprio. Não há qualquer relação entre o significado da expressão e os gestos e palavras de boa vontade que os repórteres têm repetido aos seus entrevistados no programa semanal da Tupi. Não há também qualquer vínculo à fase anterior do programa. Pinga Fogo foi o melhor programa de entrevistas de uma televisão mais ativa e dinamita. Hoje, quando vivemos o ar refrigerado dos programas editados em excesso, sua segunda fase é pior do que muitos contemporâneos do gênero. Nem pode ser comparado com o Vox Populi, da Rede de Emissoras Educativas, por exemplo. E nem tem o mesmo nível de Encontros com a Imprensa, da Bandeirantes, ou de Painel, da Globo. Por isso, para que o telespectador não seja enganado, seria bom que a Tupi mudasse nome da série semanal. Por uma questão de coerência e de honestidade. Vender gato por lebre não é uma boa. Principalmente quando o gato só lambe, só sopra e não arranha.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 2227