PUC-Rio

Jornal/Revista: Coojornal
Data de Publicação: 01/01/1979
Autor/Repórter: Lenora Vargar

UMA TV CONTRA DUAS DITADURAS

Está no ar, desde o dia 10 de março, a quinta emissora de televisão de Porto Alegre - a TV Guaíba, canal 2, de propriedade do mais tradicional grupo jornalístico do Rio Grande do sul, a Companhia Caldas Júnior (Correio do Povo, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Rádio Guaíba).

Adiado duas vezes em função de inúmeras dificuldades, o lançamento não se deu em condições ideais. A nova emissora, investimento entre 60 e 70 milhões de cruzeiros, entra no ar com menos de um terço das suas necessidades reais de equipamentos, com uma programação pensada em 40 dias e cobrindo apenas uma parte do horário normal.

Por trás dessas dificuldades, porém, uma proposta sempre sonhada e raras vezes oferecidas aos profissionais brasileiros de TV: a independência do jugo imposto pelas cadeias nacionais, controladas por emissoras do Rio e São Paulo. Até quando a TV Guaíba manterá sua pretensão inicial é uma questão que a própria equipe, embora confiante se coloca.

É questão fechada pelo diretor-presidente da Companhia Jornalística Caldas Júnior, Breno Caldas, a não filiação a qualquer rede. "Isso nos dá independência com o público, liberdade para colocar cada programa no horário que lhe é conveniente e não nos rabichos de tempo da transmissão nacional. Temos liberdade para mudar a programação à hora que acharmos interessante", assegura o diretor de programação, Clóvis Prates.

A pretensão vai ao ponto de a direção da Caldas Júnior, como já faz com a Rádio Guaíba, desprezar por completo o Ibope, o IVC (Instituto Verificador de Circulação) ou qualquer tipo de aferição padronizada. "Não estamos preocupados em competir com a novela, com a audiência massificada, mas em oferecer uma opção ao telespectador. Queremos um público intelectualmente mais elevado', expõe Prates. Ele acredita que a Guaíba conseguirá uma boa fatia desse público, "que tem sede de diálogo com o televisor".

Limitada pela falta de equipamento, a equipe foi obrigada a dividir a programação em fases. Na fase I - a atual nada mais do que uma etapa experimental, que deve durar até junho, está sendo veiculada produção local e nacional (programas comprados da TV 2 Cultura, da TV Sílvio Santos e das distribuidoras internacionais). Os programas locais onde predominam os temas políticos, econômicos ou esportivos - procuram valorizar o debate, ingrediente um tanto esquecido pelas nossas televisões de pós-64. Neste primeiro mês, a Guaíba tem colocado ao espectador temas tão polêmicos como a inflação, a denuncia vazia, o seqüestro do casal de uruguaio em Porto Alegre. "Em horário nobre, já temos mais produção local que a soma das outras emissoras (Piratini, Gaúcha, Difusora e a TV Educativa, estatal)", calcula Prates.

As chefias contratadas pela Caldas Júnior contam com dois outros valiosos trunfos para quem pretende fazer uma TV independente e de qualidade: carta branca da direção e tempo para elaborar os programas. Um terceiro elemento indispensável: bons salários, pelo menos para o mercado local. Um repórter de quatro horas ganha Cr$ 9.000,00, passando a Cr$ 9.600,00 em maio, informa Prates, também responsável pelas contratações, enquanto um da TV Difusora, por exemplo, recebe hoje Cr$ 4.300,00.

Com orgulho, Prates e Nelci Castro, o gerente de produção, afirmam que a ênfase para a programação local causou um tumulto (no bom sentido) no apertado mercado profissional gaúcho.

"Da Gaúcha, tiramos quinze profissionais, da Difusora treze, só para as áreas de produção e de programação (repórteres, cinegrafistas, editores de imagem, diretores e outros), ganhando desde 20% a mais até o dobro. Tem gente que quer vir por menos ou pelo mesmo salário, por estar descontente com seu emprego", afirma Prates. Ciaton Selistre, gerente de telejornalismo, atesta: "Tenho mais de sessenta fichas preenchidas de candidatos a minha área, uma loucura. A TV Gaúcha elevou os salários para poder segurar o pessoal".

Embora pagando o equipamento norte-americano, que ainda não tem data certa para chegar, mas é aguardado para maio/junho, a emissora adquiriu outros que não condizem com a sua filosofia de operação. "O problema", diz o gerente de produção, "não é botar uma emissora no ar, mas sustentá-la, corno estamos fazendo". O ideal, segundo ele, seria começar em julho, pois a preparação de uma nova emissora leva no mínimo seis meses. Por enquanto, a TV Guaíba opera com uma estação móvel equipada com quatro câmeras (duas fixas e duas semiportáteis), 1 câmera portátil e 2 filmadoras.

Para a fase II, quando os norte-americanos e japoneses já tiverem enviado as sete câmeras portáteis com vt (vídeo teipe) e as três ilhas de edição de vt, a Guaíba entrará com os noticiosos, programas do dia-a-dia e ampliará a cobertura esportiva, itens considerados como o filé da empresa Caldas Júnior.

O desafio mais difícil que a Guaíba enfrenta neste começo é na área comercial. No meio publicitário, há um consenso de que o mercado não comporta quatro emissoras comerciais, que pelo menos uma irá sucumbir na disputa. Acrescente-se a isso os quase quinze anos, de domínio absoluto do mercado pela TV Gaúcha, canal 12, integrante da Rede Globo, que gera até mesmo os pacotes de espaços publicitários a serem divididos pelas suas filiadas, em cada praça.

"O trabalho tem sido duro, eu posso dizer", confessa um dos diretores do departamento comercial, Paulo Russomano, profissional com mais de trinta anos de experiência neste ramo. Entrando em março, a Guaíba ficou fora das verbas normais das agências e, por ser nova, sua programação ainda não captou a confiança dos mídias, embora elogiada pelos publicitários. O departamento comercial tem lutado para conseguir as verbas adicionais das agências. "Tem ainda a mudança de Governo, em que o pessoal está pensando onde e como vai aplicar o dinheiro", acrescenta Russomano.

Para tentar uma brecha,a Guaíba saiu com uma tabela abaixo do mercado, válida para estes três primeiros meses, e dela não se afasta, segundo orientação rígida da direção. "Perdemos negócio mas não vendemos por menos". Os concorrentes, porém, já contra-atacaram: com exceção da TV Gaúcha, que está tranqüila, as outras emissoras deram ampla flexibilidade às suas tabelas, chegando a reduzi-las à metade. Também barganham com o alcance de suas transmissões, enquanto a Guaíba, ainda está medindo até onde vai a sua imagem.

No contra-ataque estão previstas também mudanças nas programações. A TV Piratini, canal 5, terceira colocada em audiência no estado, prepara uma serie de novos programas não só para a TV como para a Rádio Farroupilha, que receberá 21 programas bolados pelo seu novo diretor de programação, Flávio Alcaraz Comes. Em relação à audiência, a Guaíba sofrerá mais um impacto: desde o dia 4 de abril está no ar a novela das 20 horas da Bandeirantes, retransmitida no Rio Grande pela TV Difusora. "Já pensou nós no meio disso tudo"? - pergunta. Russomano.

Estas questões, porém, não preocupam os escalões mais altos da empresa, unânimes em afirmar que a Guaíba briga pelo segundo lugar. "Só fixaremos metas após estudar o comportamento dos três primeiros meses", garante o diretor do Departamento comercial, Ênio Berwanger. Uma certeza pelo menos todos manifestam - a de que o grande pique virá no segundo semestre, quando o filé for ao ar.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 2387