PUC-Rio

Jornal/Revista: Movimento
Data de Publicação: 06/05/1979
Autor/Repórter: Dagobert Marquezi

CARA A CARA COM CYBORG

Guga (Carlos Augusto de Oliveira, diretor de promoção e produção da Bandeirantes) fala de Cara a cara, das correntes e do futuro da tevê brasileira

A Bandeirantes quebrou a cara com sua primeira novela? Era o que se perguntavam aqueles que haviam sabido do nível de IBOPE atingido por Cara a cara em seu primeiro capítulo: 5%. Então depois de toda aquela espalhafatosa publicidade a ''novela da Fernanda Montenegro'' não conseguia fazer a emissora dos Saad sair de sua média diária de audiência? E já havia gente querendo ligar os 5% com outros fenômenos: a extinção do horário das dez na Globo e a substituição de Aritana, na Tupi, por um compacto da velha O espantalho, da Record.

Seria o início do fim da rainha telenovela, esta velha de guerra que já chorou muito mas agora estava aprendendo a pensar? Guga olha com olhos de vigia a tela do monitor de sua sala,permanentemente ligado na programação da Bandeirantes São Paulo. Raramente vira o rosto para qual quer dos quatro outros, ligados simultânea mente nas tevês Cultura, Tupi, Globo e Record. Sua expressão projeta a confiança dos que acreditam no que dizem - ou blefam muito bem.

''Foi uma reação normal'', explica Guga. ''A tendência real de Cara a cara só vai ser conhecida daqui a 60 ou noventa dias. Além disso, o IBOPE é contraditório demais para dispensar outras pesquisas. Acho que começamos muito bem, para uma emissora que não tem nenhum know-how em telenovela..''

Então por que resolveu fazer novela? Pra que concorrer com duas rivais no mesmo campo e com as mesmas armas? O que a Bandeirantes poderia oferecer de novo contra Aritana e Pai Herói?

''Um trabalho de arte melhor que a média (nossos cenários são a prova); o melhor elenco seguido atualmente; o fato de ser paulista e uma certa atenção ao meio rural. Agora, eu reconheço: Cara a cara é sociologicamente indefensável''.

E não só. Cara a cara é medíocre no roteiro (Vicente Sesso) e na direção (Jardel Mello), apesar de nem resvalar no baixo nível técnico das novelas da Tupi.Mas os clichês co enredo são tantos que desanimam. Maternidade desconhecida, casamento por interesse, gente pobre que enriquece, moralismos mil - tudo isso e muito mais, em doses mais ou menos sutis. Certos personagens são exageradamente estereotipados, como Tonho (David Cardoso), ''ingênuo e bom como todo jovem do interior (...) vai ter de enfrentar cara a cara a cara e a maldade.'' Mas há também bons atores: Fernanda Montenegro, Fúlvio Stefanini, Maria Isabel de Lisandra, Luis Gustavo, Irene Ravache e outros que seguram a barra de um texto criativo.

Vicente Sesso teve seu maior sucesso em 1969, com Sangue do meu sangue, a novela que deu o punch final na Excelsior, já sem fôlego para um orçamento daqueles. Depois veio Pigmaleão 70, já na Globo, que se tornou célebre por lançar um novo penteado, hoje felizmente esquecido. Vicente Sesso acabou indo para a Argentina, onde continuou escrevendo telenovelas. E por que o Sesso, Guga?

''Porque eu precisava de um autor de larga experiência, que não quisesse experimentar nada. Enfim alguém interessado em trabalhar.'' Ou seja: uma Janete Clair, alguém com manha suficiente para alimentar cento e sessenta capítulos de novelão sem deixar cair a peteca. Mas não parece ter muita lógica investir num novelão no momento em que parece ter se iniciado a agonia do gênero.

''Isso é um papo sem o menor fundamento que a imprensa tem feito questão de alimentar nesses últimos tempos'', reage Guga. ''Pai herói chegou a dar 81% de IBOPE no Rio, na semana passada. O direito de nascer deu um salto quando revelou que Albertinho Limonta era filho de sóror Helena. E sorte nossa que ele não tenha uma terceira mãe. A telenovela continua tendo a mesma força entre o público feminino, que representa 70% do total no horário das 18 às 21 horas. O que está ocorrendo é uma série de coincidências. A Globo estava para substituir sua novela das dez há muito tempo, já que esse horário sempre foi considerado deficitário. A Tupi, naquela confusão de sempre, não tinha o que colocar no lugar de Aritana, por isso apelou para O Espantalho. O que você pode afirmar, e eu concordo, é que as novelas estão passando por um mau período qualitativo. Mas a próxima geração pode e deve melhorar bastante''.

Realmente. A Tupi está anunciando As Gaivotas, a primeira novela de Jorge Andrade para emissora e que vai tratar diretamente de conflitos trabalhistas. A Globo vai trocar a idiotice de Pai Herói por Paloma, do sempre digno Lauro César Muniz.

''A verdade é que está ficando mais vantajoso produzir novelas do que importar seriados''. Mas como? E os velhos esquemas de mercado montados para que a gente engolisse rintintin, kojak e biônicos sem pensar muito? ''As coisas estão mudando. Cara a cara deverá custar um total de 30 milhões de cruzeiros, um preço a ser distribuído por 160 capitulos. Quer dizer, são 190 mil cruzeiros por capítulo. Um seriado americano está custando entre 260 e 330 mil por episódio, e sempre depende das flutuações do dólar, cada vez mais constantes. E se a qual idade é boa, a censura costuma mandar para às 23 horas''.

E Guga levanta um dado novo e importante: ''A última temporada de seriados da tevê americana foi péssima. E se nem os americanos gostaram, o público brasileiro não vai conseguir engolir os novos enlatados''. A revista Time de 12 de março descreveu a briga de foice entre as três grandes cadeias em busca de audiência. A NBC soltou seu Supertrain, que era para ser um filme de desastre e acabou sendo um desastre de filme. A CBS prosseguiu nos ataques temperamentais de Hulk e a ABC transformou seu Galactica em série (já comprada pela Globo). O resultado geral foi tão frustrante que todas tiveram que apelar para filmes de cinema como ... e o vento levou e Um estranho no ninho. o único seriado realmente elogiado foi Mork & Mindy (NBC), que não conseguiu escapar muito do filão explorado exaustivamente por Jeanny é um gênio e A feiticeira.

E é por essas e por outras que a Bandeirantes entrou num processo acelerado de nacionalização de sua programação, ''quando eu entrei em julho de 78, só 20% da chamada faixa competitiva (18 às 23 horas) era preenchida com programas nacionais. Agora esta posição se inverteu: 80% de nossos programas desse horário são brasileiros''. Ainda não é bem assim, mas deverá ficar logo mais, com a nova série de shows das 21 horas. Aliás, é bom notar a saudável coincidência -quanto mais nacionalizada a programação (vide Globo),mais audiência. A teve Record, com seus 95% de filmes e seriados, está isolada em São Paulo e vivendo das sobras das outras - daqueles que sentem um prazer enorme em passar as noites ouvindo tiros.

Guga pretende consolidar a Bandeirantes como a segunda rede de televisão do País, em questão de meses. "Já temos 15 emissoras cobrindo 90% do mercado nacional. O único centro que ainda não foi atingido, Salvador, terá nossa imagem a partir do segundo semestre. No futuro, a situação deverá estar mais ou menos definida assim: a Globo um pouco mais fraca na sua liderança,a Bandeirantes em segundo. A Tupi continua uma incógnita. Essas três serão redes de altos investimentos e grande faturamento. Ao redor, emissoras locais como a Record, de baixo custo e rentabilidade. Emissoras como a Record, aliás, estão condenadas. Ninguém vai conseguir viver de enlatados para sempre''.

''Uma emissora de tevê se apóia em três pés: o artístico, o administrativo e o comercial. Minha primeira providência foi acertar o comercial, para que a empresa considerasse vantajoso investir na programação''. E até os letreiros da abertura de Cara a cara foram aproveitados comercialmente (entre os nomes de atores e técnicos aparecem o da Calói e o da U.S Top) . Mas essa aparente falta de escrúpulos se justifica. Um mercado foi aberto em São Paulo para 200 profissionais de tevê e tende a se ampliar com uma provável outra novela das sete. E o que é mais importante: Cyborg perdeu uma batalha. E de batalhas se faz a guerra.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 2523