PUC-Rio

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 30/07/1995
Autor/Repórter: Renata Reis

UM ESTRANHO NO ESTÚDIO

Quem é esse ator que interpreta o Rubinho? Esta foi a pergunta mais feita pelos telespectadores de "Cara & coroa'', na semana de estréia da novela. Resposta: o homem que está roubando a cena no horário das 19h é Luís Melo, profissional, consagrado em São Paulo, onde vive e atua no teatro há 10 anos. Ainda pouco conhecido do público de TV, ele há tempos vem recebendo convites para trabalhar em folhetins eletrônicos mas só agora resolveu aceitar.

O salário, com certeza, contribuiu para a decisão de conciliar palco e estúdio. Ator premiado, Melo cansou de se privar das boas coisas da vida. Mas havia outros bons motivos. Entre eles, o fato de o personagem oferecido pelo diretor geral da trama, Wolf Maya, dar margem a uma interpretação extremamente teatral.

- Foi o Rubinho que me fez topar - diz.

O GLOBO - Você está gostando da TV?

LUIS MELO - O pior é que estou. Tenho muito prazer em representar. Onde quer que esteja, vou achar maravilhoso ter que resolver cenas e, na TV, isso acontece todo dia. Acho ótimo: fora tudo o que o teatro me traz, tenho agora ainda mais responsabilidade, mais problemas e mais coisas para quebrar a cabeça quando chego em casa. Além disso, estou achando a equipe de "Cara & coroa" fantástica. O Wolf é maravilhoso e todas as pessoas que o cercam também. Estou adorando conhecer gente nova. Trabalho há dez anos com o mesmo grupo de teatro e, por isso, é bom demais fazer outras amizades.

O GLOBO - Você costuma dizer que é inseguro. Na televisão, a insegurança é

maior do que no teatro?

MELO - Acho que a insegurança tem dois lados. Em excesso, prejudica o trabalho, mas, por outro lado, é importante para que a pessoa nunca estacione. E neste segundo caso que me encaixo. Já ganhei todos os prêmios do teatro e jamais me achei bom por isso. Na TV, é a mesma coisa, apesar de tudo ser novo, para mim. Não estou preocupado em me adaptar ao veículo. Também não quero aprender os dez mil truques da televisão. Acho que isso fecha um leque de possibilidades e impede o ator de ousar. Nunca respeitei as regras básicas do teatro. Pelo contrário, a inexperiência é o primeiro passo para novas descobertas. E mais: acho que a teledramaturgia está precisando mesmo dar um renovada. O gênero está desgastado e a concorrência se encarrega de trazer novidades.

O GLOBO - Antunes Filho, diretor do grupo de teatro do qual você faz parte, disse que seu objetivo na TV era ganhar o suficiente para comprar carro e eletrodomesticos. E verdade?

MELO - Já tenho todos os eletrodomésticos e, quanto ao ,carro, não sei nem dirigir. De cinco em cinco anos, minha vida dá uma reviravolta. Já havia recebido outros convites para fazer TV e tinha muita vontade de trabalhar com pessoas como o Luís Fernando Carvalho e o Paulo José, mas nunca deu certo. Realmente, não pensava em participar de uma novela. Não tinha saco. Mas quando o Wolf me convidou para interpretar esse personagem fantástico, achei que era a hora certa, apesar de isso ter acontecido às vésperas da estréia do meu novo espetáculo. Eu e o Antunes estamos há duas semanas sem nos falar porque ele não compreende o meu desejo de fazer TV, mas o maior motivo é o fato de eu sempre estar assinando listas para colaborar com grandes atores de teatro que não têm dinheiro para pagar uma operação ou coisa parecida.

O GLOBO - Você teve medo?

MELO - Isso é muito triste e me deixa em pânico. Quis botar minha cara na tela e me tornar público para envelhecer com dignidade. No teatro, só recebo quando estou em cartaz e, por isso, a vida toda tive que me privar de comprar livros, discos e coisas de que gosto muito. Mas quero deixar claro que não pretendo abandonar o palco.

O GLOBO - Como as outras pessoas reagiram à sua decisão?

MELO - Enquanto várias pessoas criticaram por acharem que meu trabalho perderia qualidade na TV, outras não param de me dar parabéns. Afinal, não falta gente por aí, achando que só se é ator quando se trabalha em televisão.

O GLOBO - Você disse uma vez que a TV é perniciosa. Mudou de opinião? MELO - A TV é perniciosa para quem não tem estrutura Por ser o forte do Brasil, é capaz de fazer e destruir mitos deixando muitas pessoas frustradas. Mas estou preparado para lidar com isso. Quero deixar claro que não mudei de opinião: ainda há muitas coisas na TV de que não gosto, como há muitas coisas no teatro que não aprovo.

O GLOBO - Você está preparado para a fama?

MELO - Não sei como va ser isso. Só ando de ônibus, faço questão de ir ao supermercado e à feira. E o pior que sou muito tímido. Quando entro num lugar cheio, até abaixo a cabeça de vergonha. Vou ter que aprender a ser reconhecido.

ELE POR ELES

- GABRIEL VILLELA (diretor de teatro) - Luís Melo mostra que o ator é um ser humano de possibilidades infinitas. Se transforma e propõe a eternidade. E mais: ele não é assim só no palco, pois tenho visto a novela e o Melo está fazendo um belo trabalho."

- LOUISE CARDOSO (atriz) - ''Está sendo genial contracenar com ele. A TV cultiva um naturalismo e o Melo trouxe um sopro novo. Ele foi uma agradável surpresa."

- WOLF MAYA (diretor-geral de "Cara & coroa") - "Estava tentando trabalhar com ele há anos e só consegui porque encontrei o personagem ideal. Briguei por ele não só fora como dentro da Globo. O Melo não era conhecido aqui e precisei mostrar aos outros a sua importância. Agora, estou extremamente feliz."

- VITOR FASANO (ator) - "O Melo é um ator muito intenso. Respeitadíssimo no teatro, escolheu o personagem certo para entrar na TV. Ele não tem reações comedidas e está se saindo muito bem."

- EDUARDO WOTZIK (diretor de teatro) - "O Melo conseguiu unir a técnica do teatro do Antunes a uma forte personalidade própria. Tem uma formação excepcional e está fazendo belos papéis."

- LEILAH ASSUNÇÃO (autora teatral) -"Acho o Luis Melo brilhante. É um ator de carne e osso que também tem alma. sem dúvida, um dos melhores do Brasil. Ele fez bem de ir para TV Terá uma linda carreira se não perder o élan do teatro do Antunes."

- CARLOS MAGALHÃES (co-diretor de "Cara & coroa') - "É um ator muito preparado, que domina a transposição da emoção. Apesar de ser sua estréia na TV, ele nem precisa se adaptar. Nós é que temos que aproveitar o que ele está trazendo."

A sedução do lobo mau - Aos 38 anos de idade, o paranaense Luís Melo, definitivamente, não é um galã. Distante do padrão de beleza predominante na TV, ele usa outras armas para conquistar um público acostumado a protagonistas de rosto bonito e braços musculosos. Carregado de prêmios, tem bagagem suficiente para fazer sucesso.

- Sei que não tenho a cara da TV, mas sempre consigo que as pessoas fiquem do meu lado. Quando interpretei o lobo mau, as criancinhas da platéia me adoravam. É outro tipo de sedução - acredita.

Solteiro e satisfeito com sua liberdade, Melo conta que seus namoros não costumam durar muito por causa dos obstáculos criados pela profissão. Segundo ele, casar seria como ter uma planta ou um animal do qual não pudesse cuidar. Tempo é espécie em extinção na vida do ator

- Desde que comecei a trabalhar, não encontro tempo para dedicar a muitas coisas que gostaria - lamenta.

Com razão. De segunda a quarta, o ator fica durante todo o dia por conta da novela. Seja em estúdios ou em gravações externas, ele passa uma média de 12 horas nas gravações. Na quarta-feira à noite, vai para São Paulo e, daí em diante, seu tempo está tomado pelo espetáculo "Gilgamesh", em cartaz no Teatro Anchieta, de quinta a domingo.

- Está dando para conciliar numa boa. Pego a ponte aérea para São Paulo louco para voltar ao teatro e, no domingo já estou morrendo de saudades da novela.

A vida atribulada não assusta o ator. Desde que decidiu se dedicar à carreira, há 20 anos, Melo não pára. Tornou-se respeitado e querido ao participar de peças em Curitiba, onde nasceu, e foi levado para São Paulo pelo diretor Ademar Guerra. Logo surgiu a oportunidade de fazer testes para o CPT (Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho. Foram cinco anos como ator do Centro, outros cinco como protagonista de todos os espetáculos do diretor. E ele continua lá, com dois prêmios Shell, um Moliére e um Mambembe.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 29003