PUC-Rio

Jornal/Revista: VEJA
Data de Publicação: 20/08/1997
Autor/Repórter: Ricardo Valladares

SHOW DE INSULTOS

Márcia Goldschmidt ganha audiência provocando brigas em frente às câmaras

A televisão brasileira acaba de importar mais uma mania americana: lavagem de roupa suja no vídeo. Nos Estados Unidos, há dezessete programas que trazem pessoas que se odeiam para brigar diante das câmaras. Os mais famosos são os shows comandados pelos apresentadores Ricki Lake e Geraldo. No Brasil, está no ar há três semanas o programa de Márcia Goldschmidt, apresentado todas as terças-feiras, às 9 e meia da noite, no SBT. É totalmente baseado no show da americana Ricki Lake, de quem Márcia, 35 anos, dois casamentos fracassados e mesmo assim sócia de uma próspera agência de matrimônio, copia até o corte de cabelo. O programa, cujo cenário é uma adaptação do sofá de Hebe Camargo, é um sucesso de audiência. Já na estréia, conseguiu uma média de 13 pontos em São Paulo a série que o antecedeu no horário, Xena, a Guerreira, ficava nos 8 (veja quadro abaixo).alcançou sua mais alta audiência 14 na Na semana retrasada, média, 21 no pico mulheres discutiam por que seus maridos quando não mais as procuravam sexualmente depois que elas engordaram. "Acho que o meu programa trata de assuntos comportamentais, e é muito importante porque mostra o falso moralismo do brasileiro", teoriza a apresentadora.

Na semana passada, o programa trouxe outra atração palpitante. A desempregada Marindalva Maria de Souza, 31 anos, acusava o comerciante Joel Novaes Bonfim de ser o pai de seu filho. Durante a gravação, os dois ficaram brigando. Ela, apoiada pelas mulheres da platéia organizadas em claque, acusava Joel de não querer assumir o filho. Ele dizia que não o fazia porque Marindalva, mãe de três filhos com parceiros diferentes, e que vive de pensões, saía com outros homens. O ponto culminante foi a cena final, em que Joel abria, diante das câmaras, um envelope com o exame de DNA, pago pela produção do programa. Ele era o pai. Foi uma comoção geral. Joel disse que, diante das circunstâncias, assumiria a guarda do filho. No meio da confusão, apareceu até um geneticista, o médico da Unicamp Walter Pinto Junior, para explicar como são feitos os exames de DNA. "Achei importante falar alguma coisa sobre um assunto desses num programa popular", diz o professor Pinto, que saiu impressionado com o carisma de Márcia. "Ela sabe lidar com esse povo."

"Maconheira" Embora as pessoas sejam submetidas a situações ridículas e até humilhantes, só participam do programa se quiserem. No meio de sua programação diária, o SBT coloca no ar chamadas sobre quais serão os próximos temas. Coisas do tipo: "Você tem problemas com a sua sogra? Então ligue para o SBT". Marindalva respondeu a uma dessas chamadas: "Você tem dúvidas sobre o pai de seu filho? Ligue que faremos um exame, de graça". Três horas depois, foi procurada por uma produtora. "Para o programa das gordinhas, foram mais de 1.000 chamadas", lembra Márcia. Algumas pessoas se arrependem depois. Não é o caso do comerciante Joel. "Muita gente me recriminou, mas a maioria me chamou de corajoso", diz ele. "Se ela não me deixar ver meu filho, eu volto lá", ameaça. Já Marindalva se arrependeu. "Fui muito xingada, desrespeitada. Meu pai não fala mais comigo", conta.

Quem também se arrependeu foi a família Rodrigues, de Vitória, que ligou para o SBT quando ouviu a chamada: "Seu filho tem problemas em casa?" A produção pagou a passagem para a menor de idade D., de 14 anos, e para seus pais, o militar João Pedro e a mãe, Marília, que é dona de casa. Durante a gravação, D. disse já ter tomado drogas e foi chamada de "maconheira" pela claque. "A platéia chegou a ir atrás de mim, depois do programa, no ônibus, para continuar me xingando", relembra D. Esse programa, gravado no final do mês passado, ainda não foi ao ar e talvez nem seja exibido. Os pais da menina entraram com um pedido na Justiça e aguardam uma liminar. O que os levou a expor a filha a uma situação dessas? Segundo João Pedro, foi a maneira como a coisa foi dita: "Eles afirmaram que ia ter psicólogo, médicos, terapeutas, e a gente, que não sabe mais o que fazer, se entusiasmou". Na hora de atrair convidados, os argumentos não são apenas espirituais, porém. A produção paga passagem de avião, hospedagem em hotel de primeira, almoço e jantar em restaurantes caros mordomias que pessoas simples e aflitas por aparecer talvez nunca possam receber na vida.

O programa de Márcia Goldschmidt é um show, não um telejornal. Para que o ambiente seja sempre animado, a produção ajuda a criar um clima com a boa vontade dos participantes. Antes do programa, as duas partes ficam em salas fechadas. Nos bastidores, a produção mantém funcionários que provocam os participantes. "A cada intervalo, havia uma produtora pedindo que eu metesse a boca, falasse palavrão", diz Joel Bonfim, o homem que abriu o envelope de DNA. A menor de idade D. foi encorajada a vestir uma roupa de funkeira, traje que, segundo ela própria, irritava os pais. "O pessoal do programa fez com que ela colocasse a roupa escondida na mala", diz Marília, a mãe. "Algumas produtoras pediam que a gente xingasse e falasse palavrão, diziam que eram estagiárias e poderiam perder o emprego se o programa não desse certo", lembra D.

Márcia Goldschmidt é um sucesso de ibope, mas sua primeira batalha foi outra. Para tornar-se titular do programa, ela enfrentou uma concorrência disputada na qual o SBT examinou outros duzentos nomes entre eles os das apresentadoras Cláudia Matarazzo e Kátia Maranhão, a repórter Madalena Bonfiglioli e também Claudia Spinelli, que apresentou o programa de campanha do prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Algumas não gostaram da proposta, outras gostaram demais mas não foram aceitas. Pesou a favor de Márcia o fato de ela apresentar um programa parecido na Rede Mulher. Nos seis meses que ficou no ar, o Happy End mesmo nome de sua agência matrimonial abordava temas referentes ao relacionamento entre casais. Numa fase difícil do programa, Márcia convenceu um de seus dois ex-maridos, o francês Didier Magmien, a comparecer para dar um depoimento sobre adultério. Didier, separado de Márcia há algum tempo, teve uma experiência do gênero com outra mulher, no papel de marido traído. "Passei mal, as lembranças foram muito ruins, acabei indo parar no hospital", conta ele.

Márcia Goldschmidt foi casada duas vezes. A primeira com o belga Cyril Goldschmidt, que conheceu quando morava na França e trabalhava como relações-públicas para artistas brasileiros que se apresentavam por lá. Com Cyril, voltou ao Brasil e fundou a agência Happy End, em 1991. Foi um sucesso a agência cadastrou 3.000 pessoas e proclama já ter promovido 1.000 matrimônios. Eles são sócios até hoje, embora Márcia esteja um pouco afastada da agência, por causa de suas atividades na televisão. Há três anos, ela se separou de Cyril, não abriu mão do sobrenome e se casou, grávida, com o francês Didier, um ex-executivo do banco CCF Brasil. O casamento foi numa festança na boate paulistana Stardust. Durou dois anos. Agora, ela está solteira, mas se diz mais interessada na profissão. "Sempre sonhei ser apresentadora", diz.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 34563