PUC-Rio

Jornal/Revista: VEJA
Data de Publicação: 26/11/1997
Autor/Repórter: Ricardo Valladares

PIOR ENTRE OS PIORES

O apresentador Ratinho fica milionário fabricando o grande lixo da TV

Ratinho em ação: atrações musicais de quinta categoria, chacota com o deficiente físico Cláudio e apartando brigas de mulheres

Quem imaginou que o sabonete de Gugu Liberato e o sushi erótico de Fausto Silva marcaram o máximo da baixaria da TV brasileira enganou-se. Basta sintonizar a TV Record, de segunda a sexta-feira, no horário das 20h30 às 21h45, para descobrir um outro mundo o lixo do lixo. É quando se exibe Ratinho Livre, um programa inclassificável, tal o volume de grosseria e o padrão de desumanidade que leva ao ar. "Eu faço o pior programa da televisão brasileira, mas o povo gosta de mim. Chico Buarque é bom, mas vende 20.000 discos", diz seu apresentador, Carlos Roberto Massa, 41 anos, conhecido pelo apelido de "Ratinho". Na montagem de Ratinho Livre, o que se fez foi somar as mais degradantes cenas da televisão brasileira.

Fausto Silva escandalizou o Brasil ao zombar de um anão no ar? Ratinho faz isso todos os dias. Para isso, até contratou Cláudio Chirinhan, um homem de 34 anos que tem 1,40 metro de altura e pesa 35 quilos. Gugu apela com o quadro da banheira? Ratinho já colocou no ar uma mulher que se queixava de não conseguir emprego como modelo por ter uma pinta nas nádegas e a fez abaixar a calça e mostrar a pinta. Márcia Goldschmidt chama convidados para discutir no vídeo? No programa de Ratinho eles chegam a brigar a tapas, como ocorreu na semana passada com duas irmãs que se tornaram amantes de um mesmo homem e acabaram acertando o próprio apresentador com um golpe de microfone na cabeça. O radialista-deputado Afanásio Jazadji dirigia impropérios a presidiários e suspeitos? Ratinho faz isso todos os dias, e ainda recomenda aos policiais que batam nos criminosos "longe da imprensa". Em seu programa, também são feitos sorteios e promoções de todo o tipo na semana passada, doava-se um caixão a quem morresse na terça-feira.

Audiência em alta Ratinho está ficando milionário graças a sua fábrica de lixo. Contratado há três meses pela Record, emissora pertencente à Igreja Universal do bispo Edir Macedo, embolsou o maior valor em luvas pago a um apresentador na televisão brasileira 1,6 milhão de reais. Recebe um salário fixo de 60.000 reais o mesmo que Hebe Camargo mais participações em merchandising. No dia 7 de dezembro, Ratinho ganhará um programa no domingo, para concorrer diretamente com Gugu e Faustão. O cálculo é que, somando ao seu salário os ganhos com participação em merchandising, sua renda fique perto de 200.000 reais por mês. O apresentador recebe todo esse dinheiro porque é um sucesso de audiência. Seu ibope já é um dos maiores da Record uma média de 9 pontos num horário que, antes, não passava dos 3. Com isso, seu programa consegue alavancar as atrações que vêm depois. Graças a ele, Ana Maria Braga vem batendo, há duas semanas, o programa de Márcia Goldschmidt, do SBT, que até então era o segundo colocado no horário das 10 da noite a líder de audiência é a Globo. O ibope de Ratinho é tão bom que não raro seu programa é prorrogado, chegando a ficar no ar até as 11 da noite.

Desse ponto de vista, Ratinho vive o auge de uma carreira iniciada há três anos na emissora paranaense CNT, onde comandava um programa policial ultraviolento. Na época, consagrou bordões como "todo defunto tem uma mosca azul em cima dele" e "morreu com o rabo cheio de cachaça". Foi de três meses para cá que resolveu radicalizar produzindo um show de porcarias. Quem mais sofre são os anões, ridicularizados regularmente em seu programa.

Lavador de cadáveres Contratado por 500 reais (apenas 0,25% do rendimento mensal do apresentador), depois que se verificou que faz o ibope subir, Cláudio Chirinhan é freqüentemente chamado de ET no programa. Ratinho já fez o deficiente vestir-se de Xuxa, aparecer só de tanga coberto de peixes numa alusão ao quadro "O sushi do Faustão" e até mergulhar numa banheira como a de Gugu, tendo como companhia, em vez da Luiza Ambiel, um homem negro numa sugestão racista. "Estou fazendo até um bem para o Cláudio", diz Ratinho. "Ele é grande demais para ser anão e pequeno para ser balconista. Tem mais é que trabalhar na TV." Na semana passada, Ratinho ainda exortou os telespectadores a "descobrir ETs para o programa". Ele promete, em seu programa de domingo, ressuscitar as lutas tipo telecatch com homens e mulheres , que andavam meio sumidas da televisão brasileira. Em busca de atrações baratas, o apresentador pede, no ar, que pessoas enviem cartas narrando dramas de suas vidas. As histórias mais escabrosas são escolhidas pela produção. Acerta-se a participação de uma das pessoas envolvidas e depois se telefona para a outra dizendo que venha defender-se, no ar, das acusações que sofrerá. Foi assim que convenceram a dona de casa Ana Madalena aquela que se tornou amante do marido da irmã a aparecer.

Até no merchandising que faz no seu programa Ratinho atropela a ética. O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação, Conar, mandou há duas semanas uma notificação para a TV Record pedindo que retirasse o anúncio de uma empresa que fabrica remédios à base de cartilagem de tubarão. O motivo: o produto é um complemento nutricional que não pode ser apresentado como remédio. Ratinho alardeia em seu programa que até sua mãe, que tinha problemas nos ossos, já tomou e melhorou. O apresentador não seguiu a recomendação do Conar. "Por que faria isso? Cada vez que falo do remédio ganho 700 pilas." Além de ganhar bom dinheiro com as besteiras que faz, Ratinho exige ser elogiado por seu trabalho. Na semana passada, ao ser informado de que VEJA preparava uma reportagem sobre seu programa, ameaçou responder qualquer crítica publicada com xingatório pesado.

Filho de um pedreiro, nascido em Águas de Lindóia, a 168 quilômetros de São Paulo, mas criado no interior do Paraná, ele mudou-se para Curitiba quando tinha 30 anos de idade. O apelido Ratinho surgiu quando iniciou sua carreira artística, aos 15 anos, como palhaço de circo. Na época, escrevia peças para o picadeiro uma das mais bem-sucedidas era uma versão gay de Romeu e Julieta. Ele estudou até o 2º ano colegial e já passou por todo o tipo de emprego antes de se estabelecer na televisão. Conta que foi vendedor de churrasco "de gato", faz questão de esclarecer na rodoviária de Curitiba e lavador de cadáveres numa funerária. "A gente vinha e dava uma esguichada no presunto", relembra. Também já esteve na política. Repórter policial na emissora do empresário collorido José Carlos Martinez, a Rede OM, usava suas aparições no vídeo para fazer sua campanha de deputado federal pelo PRN. Acabou eleito. Em quatro anos de mandato, não apresentou nenhum projeto relevante. Hoje renega a sua antiga filiação política. "Não voto mais no Collor safado", bravateia ele, que diz ter rompido também com Martinez, por quem está sendo processado em função de sua saída do CNT. "Acho Fernando Henrique um bom sujeito", responde, quando perguntado sobre suas preferências políticas atuais.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 35757