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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 15/09/1971 Autor/Repórter: [editorial]
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EXAME DE CONSCIÊNCIA
Há pouco tempo, os dois programas de televisão de maior audiência no país juntaram suas forças para chocar a opinião pública com um espetáculo abaixo de qualquer crítica. Duvida-se que alguma televisão, em alguma parte do mundo, tenha jamais colocado num estúdio, cercada de um cômico respeito geral, uma senhora macumbeira, armada de charuto e garrafa de cachaça, dirigindo-se a milhões de telespectadores como se fossem clientes e crentes do seu terreiro de despachos e milagres.
A reação geral foi de tal ordem que os responsáveis pela afronta deram a impressão, no primeiro minuto, de se penitenciarem e se prepararem para um exame em profundidade das causas que, seguindo uma espiral de mau gosto, haviam chegado a transformar a tevê brasileira num terreiro de Umbanda. Passado, no entanto, aquele promissor primeiro minuto, o que agora se vê é que os responsáveis pelo programa tratam apenas de eximir-se de qualquer culpa. Como o Ministro das Comunicações se referisse à rivalidade excessiva entre as estações, o Sr. Almeida Castro, em nome da TV Tupi, declara tranqüilamente que tal rivalidade só existe "na infra-estrutura das televisões, junto a artistas e produtores, onde é comum a crença de que programa que não dá IBOPE, sai do ar." Quanto ao Sr. Válter Clark da TV Globo, não explica, informa que sua estação, "de algum tempo para cá, vem procurando substituir os programas de nível popularesco por outros de melhor nível." E faz ainda considerações sobre as exigências do "temperamento latino" em matéria de tele-reportagens. O que se pode concluir daí é que, segundo a TV Tupi, Dona Cacilda, a macumbeira famigerado programa, deve ser uma artista, em competição com outras artistas. E, segundo a TV Globo, se o nível dos programas anda pelo nível dos terreiros de Santíssimo, é porque o temperamento latino assim o exige.
É claro que não estamos diante de explicações válidas. Aliás, é bom lembrar que o próprio IBOPE se transformou numa espécie de programa da televisão, de invenção, com uma escassa credibilidade. É uma Dona Cacilda que manipula números e gráficos, em lugar de garrafa e charuto. Agora, por exemplo, garante o IBOPE, que o programa da macumba, que mobilizou, pelo choque e pelo escândalo, as atenções de tantos, em absoluto não alterou os índices de audiência dos dois programas em que se inseriu. Por outras palavras, foi um programa inócuo, quadrado.
A triste verdade é que o nível da televisão - mesmo que se conceda que melhorou em relação às telenovelas - continua ao rés-do-chão e as vezes parece mergulhar nas trevas subconscientes daqueles que o engendram. Uma competição feroz, que resulta em tabelas altas de publicidade, exprime-se por um vale-tudo de mau gosto extremamente pernicioso. A concessão dos canais de tevê implica algum serviço prestado à coletividade e não o enlatamento de programas que abrangem o Brasil inteiro, forçando padrões ínfimos de espetáculo obrigatório, em casa. Tão ínfimos, que os responsáveis por eles tratam agora de passar a culpa para os artistas, para os promotores diretos dos programas, que no entanto são astronomicamente pagos pelos diretores das estações.
A televisão brasileira tem mais de 20 anos e já conseguiu um padrão técnico apreciável. Quando conquistará um padrão de ética profissional correspondente? A resposta não estará nem em terreiros e nem no IBOPE, e, sim, ha consciência profissional e moral dos que dirigem a televisão brasileira.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 42595