PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 06/06/1983
Autor/Repórter: Mara Caballero

NOVA TV ENTRA NO AR E ANUNCIA QUE FATUROU CR$ 900 MILHÕES NA PRIMEIRA NOITE

A TV Manchete, Canal 6, iniciou suas atividades ontem às 19h02min., dois minutos depois do horário previsto oficialmente, sem que o áudio estivesse funcionando. Os técnicos da emissora não revelaram o que provocou o defeito, mas quatro minutos depois o problema foi contornado e a Rede Manchete era oficialmente inaugurada com um comercial, o do Lubrax 4, dois anos e dois meses depois de receber concessão do Governo Federal para operar em vários pontos do país. Estavam no ar, além do Canal 6, do Rio, o Canal 9, de São Paulo, o Canal 4, de Belo Horizonte, e mais a filiada TV Pampa, Canal 4, de Porto Alegre.

Ao primeiro comercial transmitido pela emissora seguiu-se a fala do Sr Adolpho Bloch e, depois, uma saudação do Presidente João Figueiredo e o programa inaugural, O Mundo Mágico, cuja abertura contou com o conjunto Blitz. Segundo três funcionários da empresa a publicidade vendida na programação de ontem à noite alcançou a cifra de Cr$ 900 milhões; o número não foi divulgado oficialmente mas um dos diretores da Rede, Moisés Weltman, declarou que esta quantia representa o maior volume de vendas já registrado em um só dia por uma rede de televisão, no Brasil.

A inauguração oficial da Rede, cuja instalação representou investimentos de US$ 52 milhões, foi saudada com recepção para 300 convidados no 10º andar do edifício de Bloch Editores, entre os quais estavam o Governador Leonel Brizola, o Presidente do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni, o ex-diretor da Cacex, Benedito Moreira, a Diretora Presidente do JORNAL DO BRASIL, Condessa Pereira Carneiro, o cientista Albert Sabin, entre outros.

Dois dias antes de a Rede Manchete entrar no ar, um dos diretores, Zevi Ghivelder, garantia que o dia de ontem seria muito calmo. Comparou a hora da inauguração com o momento em que um Boeing decola. "Antes não acontece nada, ele está só parado." Mas na realidade os preparativos para a decolagem da nova rede foram intensos. Muitos dos 500 funcionários da TV trabalhavam, nos últimos dias, até de madrugada. O programa O Mundo Mágico, dirigido por Nélson Pereira dos Santos, só teve sua edição terminada menos de 24 horas antes da inauguração. O próprio Nélson, nos últimos dias, dormia numa das suítes instaladas no Edifício Bloch.

A expectativa em torno da inauguração foi crescendo desde o primeiro sinal da emissora às 15h27mín do dia 13 de maio "sexta-feira, 13, e dia da libertação dos escravas", como precisou a secretária do diretor Rubens Furtado, Yara Pedrosa. A preocupação maior de todos os envolvidos no trabalho era com a certeza de que nada ocorreria de errado. Cuidadoso esquema foi armado em todos os setores. Conforme explica Moisés Weltman, normalmente todo o programa é gravado numa fita e os comerciais em outra. Mas, para "a máxima segurança", gravaram-se programas e anúncios numa fita só - e o trabalho foi feito três horas antes de a emissora ir para o ar. Em outra sala, copiava-se tudo em outra fita que seria enviada para os Estados.

Rubens Furtado, diretor-geral da emissora, garantia na sexta-feira que mesmo no domingo estaria de bom humor. Estava. E o diretor técnico, Francisco Cavalcanti, o Chiquinho, 29 anos, um dos 50 técnicos que vieram da antiga TV Tupi, demonstrava calma e certeza de que tudo correria bem.

Não havia como falhar. Em linguagem simples ele explicou o funcionamento. Vinte e quatro horas antes, seria enviado por telex aos outros Estados o roteiro da programação. Daí em diante, o trabalho seria feito pelo operador através do intercom (um microfone que fala com todas as partes técnicas da emissora). Uma hora antes o operador de master, operador do controle mestre, a mesa que tudo comanda, checaria cada detalhe, chamando para a inauguração. Tudo cronometrado. Dez segundos antes das 19h mandaria rodar o VT do programa. São exatamente os dez segundos necessários para surgir no vídeo à sua frente a primeira imagem. Mais dois segundos, vem o áudio. Neste exato momento a rede entra no ar.

Nesses dois segundos, entre a primeira imagem e o áudio, o operador aperta o botão que joga a Rede no ar. O operador José Paulo Lopes, 36 anos, há menos de um mês na casa, deve usar o seu reflexo (entre 0,8 de segundo e 1,2 segundo) para apertar esse botão. Normalmente como é um trabalho muito tenso, o horário de trabalho não passa de quatro horas, mas ontem ele começou ao meio-dia e deveria ficar até o fim da programação, à meia-noite. Nervoso? Pensa:

- Não, só um pouco tenso.

Mas muitas pessoas estavam tensas. Diretamente ligados à operação da decolagem do Boeing, 15 técnicos: dois operadores de master, quatro de VT, dois do telecine, dois dos caracteres, três técnicos no Sumaré, o coordenador de programação que faz a ligação com os comerciais, o que faz o checking dos comerciais e o diretor técnico. E toda a direção da emissora: Rubens Furtado, diretor geral, Pedra Jack Kapeller, diretor superintendente, Oscar Bloch, presidente, Zevi Ghivelder e Moisés Weltman. As funções e cargos dos dois últimos não estão bem definidas. Segundo Zevi, ambos têm a coordenação da programação e jornalismo. "Aqui não há muita hierarquia", esclarece Zevi.

Mais excitado do que tenso estava o inspirador, Adolpho Bloch, que por ser brasileiro naturalizado não pode ser acionista majoritário de uma emissora de TV. No mesmo estilo de trabalho com que há anos dirige suas revistas, Adolpho queria saber de tudo - conta Weltman. Ansiava por participar da gravação de cada quadro, preocupava-se com o fornecimento de queijo-de-minas - preferência de Rubens Furtado com as horas de sono de Nélson Pereira dos Santos - queria saber exatamente como tudo era feito. Ontem, recebia os convidados de blaser azul-marinho, camisa de listras finas, sem gravata. Perguntado como estava, respondeu:

- Estou bem. Como você quer que eu esteja? - exclama. - São Pedro pelo menos ajudou. Você vê pelo tempo.

Depois de alguns dias de chuva, parou de chover. Andando por todo o prédio, Adolpho Bloch, 75 anos, que gosta de se definir como gráfico, dizia que se estava adaptando à nova mídia:

- Levaram dias para gravar o quadro do Watusi, seis para fazer a roupa, com 50 pessoas envolvidas. Um total de 200 pessoas. Aí perguntei: Quanto tempo isso vai ficar no ar? Sabe quanto? Quatro minutos e meio. Ainda estou me adaptando, para sobreviver, temos de nos adaptar.

Enquanto o uísque era servido aos presentes, Carlos Langoni procurava um lugar para sentar e respondia que ia muito bem.

- E o país? - Deve ir bem. Domingo à noite, vai todo mundo muito bem.

- E amanhã?

- Amanhã a gente trabalha.

Procurando desviar-se da conversa, fica atento à tela onde são anunciados os artistas que se apresentarão: "Olha, o Nei Matogrosso, também", comenta, animado, para quem está ao lado.

Chega a hora, Adolpho Bloch senta no braço da poltrona onde está Langoni, e a imagem do logotipo aparece.

Algumas vozes se erguem, ainda em tom alegre: "Cadê o som? Aumenta o volume." Alguém tenta mexer em botões próximos à tela aumentar o som, mas percebe-se que também não há som nos outros três aparelhos de televisão dispostos pela sala. Adolpho Bloch levanta-se e exclama "Ai meu Deus do céu" e parte rápido em direção ao 4º andar, onde está a parte técnica.

Os comentários sobre a falta de áudio agora são feitos em voz baixa. "Mas checaram tanto", comentam. Quatro minutos depois às 19h06min, a emissora entra no ar sem problemas. Palmas. Adolpho Bloch volta e explica: "São coisas eletrônicas, uma pecinha só e pronto". Oscar Bloch Sigelmann recebe abraços, sorri, embora demonstre extrema tensão. No vídeo, Adolpho Bloch agradece a todas as outras tevês e ao Sr. Roberto Marinho, "uma amizade que já passa de meio século". A seguir a fala do Presidente Figueiredo: "Adolpho Bloch tem mais anos de Brasil que a maioria de nós".

- Está vendo?, diz Oscar, presidente da emissora. Eu sou apenas descendente dele (é sobrinho). Ele é o comandante.

As 19h25mín chega o Governador Leonel Brizola e D. Neuza. O Governador brinca, tomando o pulso de Adolpho Bloch:

- Agora está bem, diz Brizola, rindo.

O Governador fala da importância da inauguração, ressaltando a figura de Adolpho Bloch:

- É uma figura que por si só dá projeção e conteúdo aos acontecimentos.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 4692