PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 26/06/1983
Autor/Repórter: Alberto Beuttnemuller

O COMPUTADOR VAI DECIDIR QUEM CASA COM QUEM EM PÃO PÃO, BEIJO BEIJO

Autor de Pão Pão, Beijo Beijo, novela das seis na Globo, Walter Luiz Negrão se diz um colecionador de raros sucessos: "A televisão ainda não me deu nem a casa própria; tenho apenas um pequeno terreno e uma chácara em Avaré, minha terra natal no interior paulista, e duas pontes de safena ganhas numa operação em maio de 1982. Fora isso, a TV não me deu nada", resume ele a sua carreira. Uma glória, porém, ele tem: a de ter sido o primeiro autor a usar um computador para escrever uma novela. Brincadeiras à parte, Walter Negrão tem um currículo de fazer inveja a qualquer um: Super Manoela, Cavalo de Aço e Cinderela 77 são apenas alguns de seus sucessos.

Companheiro de João Antônio e Ignácio de Loyola Brandão - hoje dois grandes romancistas - quando os três trabalhavam na Editora Abril, na revista Cláudia, Walter Negrão inovou ao escrever Pão Pão, Beijo Beijo com a ajuda de Apple, um computador. Alimentando-o de informações para depois compor os tipos ou usando-o como memória de textos que serão reaproveitados no futuro, Walter tomou mais leve a sua tarefa. Mas foi obrigado, também, a seguir os ditames da máquina, como aconteceu quando a Globo decidiu situar a novela no Rio e não em São Paulo e colocar a ação em cima de uma família portuguesa e não italiana, como havia sido previsto no início.

- O humor italiano é de dentro para fora, enquanto o do português é de fora para dentro. Além disso, a mulher italiana é mais dada ao matriarcado, enquanto a portuguesa é, em geral, submissa, mudando assim todo o esquema de uma família. Quando o computador foi fazer todas as combinações de tipos para a composição dos personagens, deu as figuras mais estranhas e inverídicas. Ou seja, o computador rejeitou a mudança. Foi um barato - conta.

Para conseguir um galã em Pão Pão, Beijo Beijo, Walter colocou todas as alternativas de um homem que agrade às mulheres - por exemplo, forte, moreno, olhos azuis, para compor um professor de Educação Física - além de dados psicológicos, inclusive negativos. Diante das combinações fornecidas pelo computador, o autor escolheu o tipo mais verossímel. Para o professor de Educação Física, ficou o ''moreno, olhos azuis, forte, cabelo no peito, mas inseguro". Dessas características, por exemplo, Walter Negrão partiu para criar um personagem, dando uma razão para aquela insegurança.

O uso do computador pela Globo é um fato quase consumado. Poucos sabem que em novembro de 1982, no Hotel Intercontinental Rio, houve um seminário interno para autores, produtores e diretores sobre o futuro da telenovela, no qual o assunto principal foi o uso do computador, encarado friamente por técnicos mas rejeitado por autores e produtores.

Quando a Globo mostrou seu plano de colocar terminais na casa dos autores, a coisa mudou de rumo. No entanto, o plano ainda não foi posto em prática.

Negrão, o único autor que se interessou pelo uso do computador, diz que uma novela tem, ao seu final, cerca de 3 a 4 mil páginas. Por exemplo, seis capítulos chegam a ter cerca de 150 laudas. Assim, se uma frase é dita no capítulo 30 e o autor tiver que reutilizá-la no capitulo 50, só com uma prodigiosa, memória o conseguiria. Ou, então teria que voltar atrás e reler todos os capítulos para encontrar a frase dita. Com o computador, nada disso necessário. Negrão utilizou muito o Apple no início de Pão Pão, Beijo Beijo, mas agora suspendeu a sua ajuda porque "o tempo é muito curto". Deverá voltar a utilizá-lo mais adiante, quando tiver que escolher os rumos finais da novela.

Walter Negrão começou na TV como figurante na Tupi. Participou, posteriormente, da inauguração da extinta Excelsior e da atual Bandeirantes. Foi Silas Rosberg quem o ensinou a escrever - "ele chegou perto de mim e disse: é melhor você aprender a escrever, porque como ator você não vale nada". A partir daí, ele escreveu peças para o Teleteatro Tupi como Quadro Sem Moldura, em 1958, sobre as enchentes em Caraguatatuba, litoral paulista. A peça tinha Francisco Cuoco e Flora Geni no elenco. Walter foi jornalista da antiga última Hora, de Samuel Wainer, onde foi crítico de TV de 1963 a 1965, seguindo depois para a Editora Abril, onde trabalhou em Cláudia.

Em matéria de telenovelas, seus maiores sucessos na Tupi foram Meu Rico Português (Tupi), em que o saudoso Sérgio Cardoso interpretava o Antônio Maria, e Nino o Italianinho (Tupi), com Juca de Oliveira, Mais tarde, em 1972, Sérgio Cardoso morreria na frente das câmaras de TV em outra novela de Walter Negrão - O Primeiro Amor, na qual apareceram dois tipos inesquecíveis - Shazam (Paulo José) e Xerife (Flávio Migliaccio).

- Depois estive na Editora 3 e na Abril, novamente. Você sabe que o Nestor, personagem das histórias de Zé Carioca, é criação minha? Pois é - diz rindo. Walter Negrão conta que Zé Carioca é personagem difícil para a criação de histórias, por isso ninguém queria saber dele na Abril.

Na Globo, os sucessos mais recentes de Walter são Cavalo de Aço, Super Manoela, Xeque-Mate, Ovelha Negra e Cinderela 77.

- Sou na Globo aquilo que chamam de play doctor, ou seja, substituo os autores que não conseguem levar avante seus trabalhos, por estafa ou por Ibope. Além disso, fiz muitos especiais para Carga Pesada, Malu Mulher, Obrigado Doutor e Caso Verdade. Não passo, assim, de um meia-sola, mas também tenho meus textos importantes. Pão, Pão, Beijo, Beijo é um deles.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 4734