PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 25/04/1982
Autor/Repórter: Maria Helena Dutra

REVOLTANTE, MAS ESTÁ FUNCIONANDO

Pior do que óleo de fígado de bacalhau. À exceção de Noites Cariocas, é de dar engulhos ver, mesmo profissionalmente, a programação da mais nova estação de televisão do Rio de Janeiro. Isto é a Record, de propriedade da família Machado de Carvalho e Sílvio Santos, que preenche seu novo tempo com rebotalho importado e mínimas e ruins produções nacionais. Mesmo assim, já superou em audiência a Bandeirantes e a Educativa demonstrando que sua estratégia funciona. Para mal de nossos pecados e provando serem sempre mentirosas as reclamações contra o nível caboclo de nossas atrações. Pois sempre as piores é que conseguem e mantêm audiências.

Por isso muita gente já está na Record. Com um visual em logotipo e marca que mais parece singela homenagem às estações rodoviárias de São Paulo ou à estátua de Borba Gato. Mas dão até saudade quando substituídos pela programação normal: De oito da manhã às seis e meia da tarde apenas desenhos. Quem reclamou da ideologia dos Caçadores da Arca Perdida devia ver isso. Cabeças infantis sendo manipuladas para acreditarem que a violência tudo resolve, e que sem mágica e superpoderes não há vitória. Acrescidas de lições de moral rançosa, pesadelos ' pavorosos, monstros vários, todo tipo de preconceito contra negros, orientais e mulheres. Receita para formar perfeito fascista para ninguém botar defeito.

Maiores de idade também recebem a sua dosagem medicinal. Através de maciça programação de filmes faroeste ou série tipo Chaparral que é exibida há vinte anos na televisão brasileira sem jamais ter tido sucesso. E ninguém desiste. Exatamente igual à TVS quando começou o segundo canal do apresentador da "Semana do Presidente", também só exibe obras antigas em cópias descoloridas nas quais até Robert Mitchum ou Loreta Young fazem pontas.

Mas nem isso merece o artista nacional, que deverá ficar, no mínimo, três anos fora deste esquema. Porque aqui funciona a receita de total economia para o lançamento do canal, primeira etapa, só com violência e ação para só depois entrar com o modelo popular de televisão dos anos 50. Confiando em grossos índices de audiência entre-a população desvalida e pouco informada. Conseguindo estes adeptos, partiu para segurar a classe média tipo adorador de circo e que quando ouve falar em cultura saca o revólver. Plano que dá certo, vide o atual estágio da TVS e retrocesso global ressuscitando produções antes canceladas pelo padrão, já que a iniciante no complô, a Record, já vem altamente programada por anunciantes.

Todos os costumeiros estão lá. Dando força a um canal que de nacional tem apenas poucos minutos. Ao meio-dia há um suposto programa jornalístico. É só. Quem sintoniza a estação depois desta hora não tem a mais remota idéia do que se passa na cidade e muito menos no mundo. Nem a temperatura, que na TVS há seis meses é sempre 25 graus, aqui é fornecida. Mas os notívagos têm um Almanaque e um Boletim da Copa. Repleto de minudências, fulgoroso patriotismo e tentativas de fazer graça. Bem distante deste intento são os poucos minutos dedicados a Chico Xavier. Um culto à personalidade, nem programa religioso é, com histórias que desavisados chegam a acreditar serem reprises. Pois sempre é o testemunho de mãe desesperada por perda de filho, mas que 'se tranqüiliza ao receber sua mensagem do além túmulo.

A outra presença nacional é Noites Cariocas. Feito dentro das piores condições possíveis de iluminação, áudio e imagem diretamente do Marina Palace Hotel. As terríveis condições, porém, não impedem o simpático e competente trabalho da dupla Nélson Motta e Scarlet Moon. Em tudo superiores aos formais e temerosos entrevistadores dos programas noturnos da Bandeirantes. Uma exceção, apesar de todos os percalços, ao figurino imposto por Sílvio Santos às suas propriedades. Tanto que até quando melhoram o nível cometem equívocos hilários. Como aconteceu com o maravilhoso filme Playing for Time, que o Canal 11 exibiu com a terrível tradução de Holocausto de Mulheres. No final, uma sofrida e pungente Vanessa Reggrave tenta cantar a Marselhesa. Só que dublaram sua voz. E ao dizer Allons Enfants escutou-se Alô Crianças. O toque do patrão.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 5121