PUC-Rio

Jornal/Revista: Cartaz
Data de Publicação: 18/01/1973
Autor/Repórter: Mariza Cardoso

CHEGADA DO BEM-AMADO

Em meados de novembro, chegava a Salvador a maior equipe quê a TV Globo já utilizou para a gravação de uma novela: era o início das externas de "O Bem-Amado", de Dias Gomes, que irá ao ar no dia 22, a cores, substituindo "O Bofe".

Em quatro caminhões - cor, vídeo-tape, gerador, iluminação -, 21 técnicos, três câmaras, três iluminadores e dois auxiliares, dois técnicos de cor, um operador de vídeo, dois de áudio e dois supervisores, além de cinco motoristas, que conduziam quatro carros de produção. Só o caminhão com o equipamento de cor pesava doze toneladas.

Quando o autor da novela, Dias Gomes, os atores Paulo Gracindo e Jardel Filho, o diretor Régis Cardoso e diretor de criação, Daniel Filho, chegaram, Tetti Alfonso, o encarregado da produção executiva, e seu assistente, Mariano Gatti, já estavam em Salvador, tomando todas as providências necessárias para a gravação. No dia 20 começaram as primeiras tomadas, que significaram também as primeiras experiências de gravação a cor no Brasil. A cena se passava na praia do Farol da Barra, mostrando Odorico (Paulo Gracindo), que chegava do interior para visitar sua filha, Telma (Sandra Bréa), residente em Salvador. Além do diretor, Régis Cardoso, Dias Gomes também assistia as gravações. Sob um sol muito forte, os caminhões iam parando, a equipe se concentrando. E então os banhistas começaram a se aproximar, fazendo muitas perguntas sobre a novela, enquanto as janelas das casas eram ocupadas pelos moradores. Uma senhora ofereceu a sua para que Paulo Gracindo se maquilasse e vestisse as roupas da cena. Régis deu o sinal: terno de linho branco, chapéu, guarda-chuva e uma caixa de presentes nas mãos, Paulo Gracindo desceu do táxi e entrou no edifício de Telma. Aí, então, as pessoas quase entraram em transe: estavam vendo Tucão, que começava a se transformar em Odorico.

Saveiros em procissão - Dentro do caminhão de externa, Régis dava as ordens: câmara um para a esquerda; focaliza o vídeo; câmara dois para a direita, e assim por diante. Enquanto isso, um aparelho de televisão ia mostrando as cenas a cor e um outro em preto e branco. Embora tenha sido repetida muitas vezes - porque era uma tomada experimental -, a cena não ficou boa e foi regravada. alguns dias depois, juntamente com alguns lances da Praia do Farol, que completavam o ambiente.

No dia seguinte realizou-se uma das gravações mais bonitas: a cena da procissão dos saveiros, que acontece todo ano no dia 1º de janeiro. Para aparecer em "O Bem-Amado", ela foi toda improvisada, com muito boa vontade dos pescadores. Para eles era preferível que fosse assim, pois "gravar no dia da festa atrapalharia o pessoal que queria se divertir e prestar suas homenagens a Iemanjá". No Rio Vermelho, lá pelas onze da manhã, tudo estava pronto: os saveiros enfeitados, as filhas-de-santo com suas roupas muito brancas, cheias de colares e lenços na cabeça. Uma pequena multidão se. juntou para assistir. Tetti e Mariano corriam de um lado para outro para que tudo corresse bem. Enquanto a gravação não começava, os pescadores batiam papo com a equipe, falando de Iemanjá. Lourival, que tem cinqüenta anos e 34 de mar, dizia: "Todo ano presto minha homenagem à Rainha do Mãe, porque cada vez mais ela me ajuda a viver". E seu José, que toca atabaque e agogó, afirmava que já tinha visto Iemanjá "manifestada numa mulher", mas que "na água é difícil vê-la". Logo em seguida, os 22 saveiros, decorados com oferendas e flores, se colocaram nos seus lugares, com os pescadores e as filhas-de-santo. A produção acabou dando ordem para que, quem quisesse, entrasse nos barcos e acompanhasse a procissão.

Vote em Odorico - ''Ei, gogô, aiê / É gogó, Iemanjá." Cantando esse refrão, os saveiros foram deixando a praia. O principal levava Odorico e uma grande faixa: "Para prefeito, vote em Odorico". Emocionada, uma mulher já velha, chegou até à praia e ofereceu flores a Iemanjá. Esta cena só foi repetida uma vez e ficou perfeita.

A gravação seguinte foi no Cais da Baiana e já mostrava Juarez Leão (Jardel Filho) e as tomadas de Odorico embarcando numa lancha com sua filha.

As cores da Bahia - No mesmo dia à noite, a imagem era uni candomblé. Numa sala muito grande, enfeitada com folhas de árvore, guirlandas e serpentinas, jovens vestidas de branco cercavam a mãe-de-santo, uma preta gorda, também de vestido branco muito armado. Num canto, uma tenda; aí ela jogaria os búzios que diriam a Odorico se ele ganharia as eleições. Desta vez o número de curiosos era pequeno: como a cena se dava em local fechado, pouca gente descobriu a equipe. Cantando as músicas de candomblé, as jovens faziam roda em torno da mãe-de-santo. E então chegou Odorico, sempre com seu terno de linho e chapéu. Depois de receber muitas bênçãos, entrou na tenda com a mãe-de-santo e submeteu-se aos búzios, aproveitando depois para algumas palavras de. sua campanha política. A gravação durou umas quatro horas.

E isso que você vai ver: um mar muito azul, areia branca, um povo muito colorido, que se movimenta na Bahia. Na repetição da cena do Farol da Barra, todos os detalhes da primeira gravação foram mantidos. A regravação foi feita apenas para fixar certos efeitos no vídeo. Além dessas cenas, muitas outras foram realizadas, na Lagoa do Abaité, no Jardim de Alah e também na Ilha de Itaparica. Estas foram sem elenco, apenas tomadas de ambiente. No sábado à noite, dia 25 de novembro, a equipe da TV Globo voltava para o Rio, trazendo prontos os primeiros capítulos de "O Bem-Amado". Só ficou na Bahia Tetti Alfonso: ia comprar dois jegues e um saveiro para o resto das gravações, no Rio.

UMA HISTÓRIA FEITA DE RIVALIDADES

Odorico e Juarez, Machado e Cajazeira: as forças de Sucupira

Em "O Bem-Amado", tudo se desenvolve em torno de duas figuras fortes que, segundo Dias Gomes, representam as forças do bem e do mal. Odorico (Paulo Gracindo) é o dono de terras, o proprietário temido e com pretensões políticas. Juarez Leão (Jardel Filho), o médico do posto sanitário de Sucupira, a cidade imaginária onde se passa a história, é um homem traumatizado, de cultura acima da média, que Dias descreve como ''a consciência crítica da novela".

Os outros personagens-chave, segundo o autor, são os seguintes:

- Nico Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), o dono do jornal da cidade. Um intelectual frustrado que gostaria de ser um grande escritor, mas que não consegue sair do ambiente provinciano e por isso é muito revoltado

- Telma Paraguassu (Sandra Bréa), a filha de Odorico. Uma moça livre, que já fez toda sorte de experiências existenciais no uso de uma suposta liberdade, que, por fim, conclui não existir.

Dias descreve Sucupira - Existem duas famílias rivais na cidade: os

Machado e os Cajazeira. Odorico pertence à facção Cajazeira, que além dele conta com três irmãs solteironas: Dorotéia (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Duval) e Judicéia (Dirce Migliaccio). Elas têm uma verdadeira fixação em Odorico, que é viúvo e alimenta suas ilusões. Os Machado são: J. Machado (Abel Pêra), um delegado que, num conflito, sete anos atrás, entre as duas famílias, ficou paralítico. Por isso, Donana Machado (Zilka Salaberry), sua mulher, é o verdadeiro delegado da cidade. Eles têm uma neta, Anita (Dilma Lóes), cujos pais foram assassinados numa luta entre as duas famílias. Empregada dos Correios e Telégrafos, exerce grande fascinação em Nico Pedreira, seu apaixonado. Zeca Diabo (Lima Duarte) é um cangaceiro famoso, herói lendário das histórias de cordel e que carrega muitas mortes nas costas. Zelão das Asas (Mílton Gonçalves) é um pescador, que numa noite de temporal promete à Nossa Senhora dos Navegantes saltar do alto da torre da igreja se ela o salvar do afogamento.

Além desses personagens, estão no elenco: Wilson Aguiar, o Nezinho do Jegue: Oswaldo Louzada, seu Libório, o dono da farmácia; Rogério Fróes, o Vigário; Juan Daniel, Dom Pepito, o espanhol dono da venda; Ana Ariel, Zora, irmã de Odorico; João Paulo Adour, Sessel, seu filho, Emiliano Queirós, Dirceu Borboleta; Ruth de Souza, Chiquinha do Parto; Angelito Mello, Mestre Ambrósio; Apolo Correia, Maestro; Maria Cláudia, Gisa e Jorge Cândido, o porteiro.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 720