PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 17/08/1973
Autor/Repórter: Valério Andrade

ARTIFÍCIO CONTRA O TEMPO

Já se divulgou que a ação de Cavalo de Aço teve de ser esticada em vista de impasse surgido com a nova novela das 20 horas. Consta que a Censura teria vetado a primeira e a segunda sinopse apresentadas pela autora de O Semideus, provocando, com isto, alteração na produção da emissora e retardando artificialmente o desfecho de Cavalo de Aço.

Mas, em vista de experiência anterior, ressaltamos também que talvez nada disso tenha ocorrido. É possível que os vetos tenham partido do próprio Daniel Filho. Quando revelamos certos problemas ocorridos com Bandeira 2, seu autor, Dias Gomes, veio - apressadamente - ao vídeo desmentir a informação. Oficialmente. Era um autor sem problemas. Supõe-se que tal privilégio não seja exclusivo, estendendo-se, pelo menos, até sua mulher, Janete Clair, a bem sucedida substituta da senhora Glória Magadan.

A verdade é que Cavalo de Aço ultrapassou, há muito o ponto de saturação do mistério criado em torno da identidade do assassino do velho Max. Agindo por livre e espontânea vontade, ou pressionando por fatores adicionais, Válter Negrão realizou o mais longo e monótono jogo de esconde-esconde disputado entre um autor e o público.

Partindo de uma equação clássica - quem é o assassino?

Válter Negrão passou tantos capítulos escondendo o culpado, que, somando-se as laudas escritas, teríamos material suficiente para imprimir vários livros policiais. Só que ninguém talvez nem o próprio autor seria capaz de ler o que foi dito e visto no vídeo. O espantoso - se é que alguma coisa espanta em matéria de televisão - é que, apesar de toda redundância, Cavalo de Aço não' sofreu qualquer desvalorização na bolsa do IBOPE. Manteve-se lá no alto, firme e forte, semana após semana, entre os 10 programas de maior audiência.

Válter Negrão revelou que "ver novela é como olhar pelo buraco da fechadura." Hoje depois do seu supérfluo mas respeitável tour de force em Cavalo de Aço, ele pode acrescentar que a curiosidade popular parece ser infinita e nula em matéria de bom senso.

A passividade do espectador em relação à novela chega a ser anormal. Basta comparar com o cinema. Hitchcock trabalha um ano inteiro em cima do roteiro de um filme, gasta dois ou três milhões de dólares nas filmagens, contrata os melhores fotógrafos, desenha plano por plano do filme antes de filmar. Tudo isto - e mais mil e uma coisas - para um espetáculo de duas horas de projeção. Mesmo assim Hitch já conheceu eventuais fracassos de bilheteria, Em compensação, nos últimos três ou quatro anos, nenhuma novela da Globo (com exceção, talvez de O Bofe) deixou de figurar na lista semanal dos campeões de audiência.

O sucesso da novela no Brasil está muito além da compreensão de Hitchcock ou de qualquer outro criador cinematográfico. E' um fenômeno típico da televisão - ou do que a TV pode fazer com o público.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 889