PUC-Rio

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 15/05/1996
Autor/Repórter: Telmo Martino

RAZÃO PARA NÃO VER

Enquanto dona Lola, Irene Ravache contava nos dedos e chegava à conclusão de que eles eram seis. Agora como dona Luiza, em "Razão de viver", Irene Ravache nem precisa contar. Basta olhar para a triste figura que seus filhos fazem, para cair, convicta, de quatro. Desses três tristes filhos, só mesmo o Marco Rica se apresenta melhor. Põe gel nos cabelos. O iluminador que se dane. Ele é marido da estrela Adriana Esteves.

Novela do SBT é a maior complicação. É preciso ver no mínimo dez capítulos para ver um. E quem não é paulista, não merece esse castigo. Que orgulho deve fazer vibrar o coração paulista aquela abertura. O maior perfil de prédios altos do Brasil (quiçá do mundo?) banhado por um sol limpo (?) e nascente como o de Tóquio. Que banho, que glória, que Sílvio Santos! O resto do Brasil não existe, ou melhor, nem quer existir e/ou participar.

Dona Luzia já perdeu o que tinha que perder na horta, agora só falta perder o emprego. Também, quem manda trabalhar para uma mulher com cara de melão como a milionária Joana Fomm. Ela é tão rica que, para atrair o marido que está na, sua cama, veste um pijama negro de cetim. "Vem, sou sua aranhazinha de luxo", diz ela na linguagem dos símbolos. Enquanto isso, o marido escolhe uma gravata que, decididamente, não combina com o terno que está no cabide que segura. Os ricos da Rede Globo são mais transados. Talvez no SBT, o maior consumidor brasileiro de tinta de cabelo, só se é rico tendo o Sílvio Santos como referência.

Além de carente de amor, a cara de melão rico é má. Não quer perdoar o atraso da dona Luzia, não deixa a Adriana Esteves, com um modelinho em que o preto do vestido vai até o queixo, assinar suas criações estilísticas (ririri) e lá vem outro intervalo comercial. Como se sorteia coisa no SBT! Até parece que existe pobre em São Paulo. Imagina pobre num estado em que corre champanhe. "Prefiro Paris a Nova York. Paris, Paris, ah Paris!", diz de flute cheia a mulher muito pintada. "Você é modelo?", pergunta o cavalheiro que paga. Cidade rica é assim. Nunca se sabe quem é modelo ou piranha.

A piranha em questão não só adora Paris, como também quer colocar todo mundo de salto alto no trottoir do boulevard. "Você tem que posar nua para esta revista", diz ela para uma moça com cara de outdoor, enquanto uma enorme língua de papel cai da publicação que tem nas mãos. A moça não quer, não gosta. "Então, vá embora da minha casa", diz a que só adora Paris. Dramaturgia do SBT só é curta quando é grossa. Nua ou rua? Isso é lá dilema que se apresente para uma moça no alvorecer do século XXI? O SBT é uma jóia. Dá uma imagem exata de como seria a televisão se ela tivesse sido inventada no século XIX.

Surpresa! Nem só de champanhe e empregos ameaçados vive a novela. Tem também meninos de rua, nesses dias pós-Glória Perez. Um vulto se aproxima dos meninos na escuridão. Será um vingador no estilo Charles Bronson? Nada disso, o vulto não é misterioso. É bondoso. Leva o menino de volta para a casa dos pais. Ainda há gente boa no mundo. Ou será só no SBT? Será para compensar a falta de bons novelistas? Está tudo muito no começo? Mas qual é a diferença entre novela e pepino? Espera-se que os velhos brizolistas cariocas que tanto torcem por tudo o que o SBT mostra, torçam também essa novela-pepino.

Aquele ali não é o Raul Gazzola? Será que ele também faz parte da trama ou só irá sapatear? E, no intervalo, sortear alguns ingressos para o musical que faz no Rio? Sorteio, como se disse, é mesmo no SBT.

E mal acaba o "Razão de viver" (razão de quê?), já vai logo entrando um tal de "Antônio Alves, o taxista". O SBT foi atacado de novelite aguda. É a velhíssima história. Quem não inventa, copia. ótimo. Ampliou o mercado de trabalho. Não faltará emprego para os canastrões do Brasil. Mrs. Worthington, esqueça o Noel Coward e ponha a sua filha, não importa a idade que ela tenha, no palco. Basta passar pela porta da Rede Globo que o SBT contrata. Olha lá a Mayara Magri. Uma autêntica miniatura da longevidade da incompetência dramática. A Mayara Magri e, agora, a Guilhermina Guinle (todo mundo pensava que ela fosse rua e ela é apenas um poste). No tal do taxista Antônio, ela atravessa uma porta de vidro e se joga nos braços e táxi do Fábio Jr. "Sou muito sozinha", diz ela, não apenas por ser órfã. Órfão ele também é. A única diferença é que ele tem o nome antes do título e não precisa de rádio no carro. Canta muito, embora nunca como um colibri.

Há quem julgue uma novela por seus ricos. Os dessa novela do taxista falam muito de Angra, têm chauffeur de bigodinho, mordomo de cabelos pretíssimos (Edney Giovenazzi agora só tem do Paulo Autran a voz de rrrr rolantes) e outras tralhas habituais. Tanta novela nova, não sobrou dinheiro para contratar o Sig Bergamin para uns interiores adequados. Moram feio os ricos do taxista. É tudo uma lástima nessa novela. Guilhermina Guinle jamais poderia imaginar quão sozinha ela ainda ficará.

Até o coração grande da Hebe Camargo não tomou conhecimento do taxista. Exibiu, num desfile, os modelos que a Maison Fomm criará na novela "Razão para não ver". Como são ricos os paulistas. É preciso mesmo muito Fleury para comprar os vestidinhos da Fleury. Eles se entendem e se completam. Quem mais está fora?

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 88990