PUC-Rio

Jornal/Revista: Jornal do Brasil
Data de Publicação: 30/04/1989
Autor/Repórter: Márcia Vieira

O SALVADOR DA REDE MANCHETE

O roteirista Wilson Aguiar Filho aposta no canal 6 e ressuscita o Brasil dos anos 30 em Kananga do Japão

A idéia partiu do dono da Rede Manchete, Adolpho Bloch. Uma novela cujo cenário principal seria Kananga do Japão, uma espécie de cabaré que funcionava na década de 30 no centro do Rio. Wilson Aguiar Filho resolveu ir além. Kananga do Japão, que a Manchete começa a gravar esta semana, vai mostrar os principais fatos políticos da história do Brasil durante a década de 30, incluindo personagens como Getúlio Vargas, Luis Carlos Prestes e Olga Benário. É uma superprodução, dirigida por Tizuka Yamasaki, entregue ao autor de maior sucesso da emissora. Wilson tem a difícil missão de recuperar o horário das 21h30, abalado com o fracasso de Olho por olho. Dos pontos de audiência de Kananga depende a realização dos projetos de dramaturgia da emissora.

Uma responsabilidade que não chega a tirar o sono de Wilson. "Eu conquistei a maestria do meu métier. Não tenho mais medo de televisão." Motivos não faltam para tanta confiança. Wilson inaugurou a dramaturgia da Manchete em 84 com Marquesa de Santos, consolidou o horário das 21h30 com Dona Beija (o maior sucesso da emissora), foi chamado para salvar Corpo santo e Olho por olho. "Ele tem vocação e um empenho permanente. Acho que até dormindo ele é um. autor-roteirista", define o exigente diretor Walter Avancini. Foi ele quem lançou Wilson Aguiar Filho na televisão, em 79, na novela Memórias de amor. "Eu queria manter o tom de farsa do romance O ateneu, de Raul Pompéia, mas a duas semanas da estréia me pediram para fazer uma história no gênero Romeu e Julieta", lembra Wilson.

Um estrondoso fracasso. "Eu errei no ar. Quando vi estava na fogueira." Sobrou pouca coisa. Do drama vivido por Jorge (Eduardo Tornaghi) e Lívia (Sandra Bréa) impedidos de viver um grande amor por imposição do pai da mocinha (Jardel Filho), restou uma úlcera de duodeno para Wilson, com apenas 26 anos. As versões para o fracasso são muitas. "É lógico que a inexperiência de Wilson contribuiu, mas criei condições para o surgimento de um novo autor", avalia Avancini. Wilson tem uma explicação definitiva. "Quando a novela fracassa, não há como tirar a do autor da reta. Mas quando dá certo, a glória é dividida com elenco, direção..." Bye,bye TV Globo. Triste foi perder o emprego na Globo quando fazia O amor é nosso, novela que escreveu em 81 com Roberto Freire. A história do amor de Pedro (Fábio Júnior) por Nina (Myriam Rios) também não conseguiu despertar o interesse do público. Walter Negrão foi chamado para continuar a novela enquanto Wilson amargava um período de seis meses de desemprego. Por pouco não desistiu.

"Eu era muito jovem, mas tinha certeza de que queria ser escritor e principalmente, de que queria trabalhar em televisão." Quando a conta bancária já estava quase a zero foi chamado por Antônio Abujamra para substituir Benedito Ruy Barbosa em Os imigrantes, na Bandeirantes. "Deu para experimentar muita coisa e ver o que funciona em novela."

Aprendeu que tem que haver uma dosagem equilibrada de emoção, amor, ação e suspense. E, principalmente, que uma boa história de amor é infalível. "As pessoas não resistem. Elas estão tão confusas que gostam de ver coisas bem definidas." É o que vai acontecer em Kananga do Japão. "Comunista é comunista, integralista é integralista. Tudo muito claro." Vai ser uma mistura de ficção e realidade. Pela Sociedade Carnavalesca Dançante Kananga do Japão, vão passar personagens que participam dos acontecimentos políticos. "Um personagem é um comunista que pega Olga Benário e Luis Carlos Prestes no aeroporto, outro vai prender os dois." Até o integralista Plínio Salgado vai aparecer numa passeata.

O ator Buza Ferraz, amigo de Wilson desde 80 e que está no elenco de Kananga do Japão, não tem dúvidas. "Esse é o melhor trabalho dele. Ele arma tudo muito bem. Tem um horário metódico, superorganizado e ao mesmo tempo capaz de grandes vôos de imaginação." O diretor-artístico da Manchete, Jayme Monjardim, também não poupa elogios. "É uma sinopse perfeita. Consistente, criativa. E a melhor que eu já li." Tantos elogios fazem muito bem ao ego de Wilson.

Não que aos 37 anos tenha dúvidas do seu talento. "Roteiro não tem mais mistério para mim. Os 20 capítulos prontos são belíssimos." Mais do que talentoso, ele sabe que é um obcecado. "Escrever novela é uma tarefa própria para pessoas obstinadas, neuróticas. Tem que ser dedicação total." Por isso mesmo já sabe que depois de junho, quando estréia a novela, não vai mais poder ler os romances de Machado de Assis, seus preferidos, e muito menos os sete volumes de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, uma tarefa mais simples do que reerguer a dramaturgia da Manchete.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 9235