PUC-Rio

Jornal/Revista: VEJA
Data de Publicação: 19/11/2003
Autor/Repórter: Ricardo Valladares

LOIRAS EM APUROS

As apresentadoras infantis já não sabem mais direito qual é o seu público

Está difícil para as apresentadoras de programas infantis manter aquele ar docinho. Todas estão passando por momentos delicados. A situação mais dramática é a de Jackeline Petkovic. Há duas semanas, ela foi demitida do SBT. A emissora avaliou que o público de seu programa, o Bom Dia & Cia., só estava interessado nos desenhos animados. Embora tenham carreiras mais sólidas, Xuxa, na Globo, e Eliana, na Record, enfrentam um problema semelhante. Antigamente, os desenhos apenas complementavam seus programas. Hoje, carisma é que não basta: é indispensável ter os desenhos da moda para manter o espectador ligado. Identificar o espectador, aliás, é a tarefa mais ingrata. Depois de um ano de exibição, Xuxa no Mundo da Imaginação já não sabe mais se mira nas crianças pequenas, o seu alvo original, ou nos pré-adolescentes. Eliana vive uma crise semelhante. "Eu não quero mais falar apenas com o público infantil", diz ela. O sentimento de que é preciso mudar não vem do nada. Ao longo dos últimos meses, a Record trocou o Fábrica Maluca de horário quatro vezes. No auge dessa bagunça, Eliana, insatisfeita, até sondou o SBT com uma proposta ousada: mudaria para lá sem salário. Ela recebe 80.000 reais por mês na Record, mas pode faturar o triplo disso com merchandising – contanto que não fique perdida na grade de programação. Silvio Santos disse não. No momento, as coisas estão um pouco melhores para a loira. Ela, aparentemente, estacionou num horário fixo todos os dias, das 14 às 16 horas.

A dificuldade de Xuxa e Eliana em calibrar seus programas para crianças ou adolescentes não é fruto de burrice. A própria Organização Mundial de Saúde acaba de modificar o sistema oficial de classificação das faixas etárias, tornando-o mais fluido, num reconhecimento de que crianças e jovens já não são o que eram. "As crianças estão amadurecendo precocemente", diz a psicóloga Ceres Alves de Araujo, professora da PUC-SP. "A fronteira da infância com a adolescência está cada vez mais difusa, e velhas estratégias de comunicação estão perdendo validade." Ninguém ainda achou a fórmula para lidar com essa "nova criança" na televisão – e agradar ao mesmo tempo quem tem 6 e 12 anos é quase impossível. Uma parte do público sempre acaba estranhando. E os anunciantes ficam inseguros. A Rede Bandeirantes acaba de abortar um projeto de programa infantil para 2004, depois de constatar que teria dificuldade para fechar patrocínios.

Isso não quer dizer que não haja boas oportunidades de investimento em programas infantis. Mas elas estão em segmentos novos. Um ano atrás, quando Xuxa dizia que No Mundo da Imaginação deveria ser um show para crianças bem pequenas, ela não deixava de ter bons motivos. Nos Estados Unidos, esse é um mercado em expansão. Um estudo da Fundação Familiar Henry J. Kaiser mostra que 59% das crianças de 6 meses a 2 anos, naquele país, costumam ver TV cerca de duas horas por dia. Na hora de ser comercializada, contudo, a produção para essa garotada funciona melhor em vídeo e DVD do que na TV aberta. O avanço dos canais a cabo também está mudando os hábitos dos pequenos espectadores – e com isso as estratégias dos maiores anunciantes. Os fabricantes de brinquedos consideram, por exemplo, que hoje pode ser mais certeiro anunciar em canais pagos do que nas grandes redes de televisão. Estrelas como Eliana e Xuxa ainda têm espaço garantido na TV. Mas podem ser as últimas da espécie de fadinhas loiras que vêm entretendo as crianças há vinte anos.

ELA CONSEGUIU MUDAR

Enquanto Xuxa e Eliana continuam quebrando a cabeça para cativar crianças, Angélica resolveu mudar de rumo. Às vésperas de completar 30 anos, ela está deixando para trás definitivamente seus tempos de apresentadora de programas infantis. O estímulo para essa guinada veio de uma pesquisa encomendada por Angélica em 2002, para explicar por que o número de produtos licenciados com sua marca havia despencado de 150 para 90. A resposta: as crianças não se identificavam tanto com ela como os jovens. Em vez de entrar em crise, Angélica viu nisso uma oportunidade. Reformulou sua lista de licenciamentos, investindo em artigos para adolescentes, e decidiu que não renovaria velhos contratos para lançar brinquedos. No plano pessoal, o fato de Angélica ter decidido bancar um namoro com o ator Maurício Mattar num momento em que ele enfrentava problemas com drogas também contou pontos a seu favor. O público jovem aplaudiu esse gesto de "maturidade". Angélica está prestigiada na Rede Globo. Recentemente, renovou seu contrato com a emissora, por 300 000 reais por mês. Divide, atualmente, a apresentação do Vídeo Show com o ator André Marques, e aos sábados comanda o programa sozinha. O Vídeo Show tem média de audiência de 20 pontos. Em Bambuluá, seu último programa infantil, Angélica não passava dos 7.

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 92388