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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo Data de Publicação: 21/03/2004 Autor/Repórter: Leila Reis
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'METAMORPHOSES' É O PARAÍSO DO NONSENSE
A novela da Record tem imagens muito boas, mas diálogos sem nexo
Toda mulher quer se transformar ou ser transformada. Esse desejo é perfeitamente realizável com o emprego da tecnologia disponível em uma clínica de cirurgia estética. É nessa tecla que bate Metamorphoses, que estreou com grande alarido (de marketing) na Record. Uma aventura maravilhosa, na opinião do ator Paulo Betti (do elenco). Ou uma sandice, na opinião da concorrência, ressabiada com as possibilidades de sucesso da outra.
O fato é que faz muito tempo que uma estréia fora da Globo não fazia tanta espuma. A emissora e a produtora Casablanca tornaram Metamorphoses um case ao espalhar outdoors pela cidade, investir pesado em propaganda e em tecnologia. E ao inventar algumas "inovações" como criar uma autora misteriosa (Charlote K) e exibir cirurgias reais, com sangue e mal-estar de paciente como no Discovery Health. Fora isso, neste deserto extramuros da Globo, um empreendimento que abre vagas para artistas e técnicos provoca uma onda de esperança e excitação no mercado.
Agora vamos à novela propriamente dita. A primeira coisa que se nota em Metamorphoses é a qualidade da imagem. Os equipamentos de alta definição (largamente divulgados) fazem realmente diferença e deixam a novela com cara de filme ou série importada.
O elenco tem novatos, mas muita gente experiente, a maioria ex-funcionários da Globo. Além do Paulo Betti, Zezé Motta, Lúcia Alves, Joana Fomm, Gianfrancesco Guarnieri, Miriam Muniz, Ligia Cortez, Vanessa Lóes e mais um bando de gente familiar ao público de novelas. Esse conjunto deve ter sido a alavanca para a audiência da estréia, no domingo, quando a novela registrou 11 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo). O desenrolar da trama nas noites seguintes foi abandonado pela metade do público, assim Metamorphoses marcou um pouco mais de 6 pontos de média até quarta.
A deserção pode ser creditada ao texto, sem a menor dúvida. A começar pela falta de clareza do rumo que caminha a história. Os diálogos, pièce de resistence de qualquer ficção audiovisual, não esclarecem os propósitos dos personagens nem justificam suas ações. Colocar em cena um ator japonês é uma ousadia que só poderia ser bem-sucedida se ele soubesse falar um português inteligível. Na falta de vocabulário, Mifune (nome do personagem) força nas caretas para forjar a dramaticidade necessária ao mafioso que sofre por expor a esposa Circe (Lígia Cortez) ao perigo, ao obrigá-la a "transplantar o rosto" de um chefão em Tóquio. A canastrice do japa extrapola quando Ligia Cortez dá um banho de interpretação, apesar do nonsense do texto.
Madame Charlote K deve sofrer de alucinações, visto as fantasias que constrói. Ninguém se livra da vingança da Yakuza nem os inocentes, nem os da "família" mafiosa. A jóia de Georges Braque que Mifune entrega a seu irmão gêmeo (ele mesmo) para pagar pela vida da mulher reaparece no bolso de Circe no Brasil. A confusão vai aumentar quando o rosto de Circe for trocado pelo da personagem de Vanessa Lóes para despistar a máfia japonesa. O engraçado é que ela nem conhece o rosto do capo que operou, pois o deixou embrulhadíssimo quando fugiu do Japão.
O tira honesto de Paulo Betti, antes de sair para batida policial, pede cuidado a seus subordinados para com a "comunidade". Diz que não quer ninguém "se sujando com sangue de inocente", mas, na favela, passa fogo em todo ser movente, sem deixar um vivo para contar a história do carregamento de droga apreendida.
Olhar esses furos é até divertido, mas não tem a menor graça assistir às operações cirúrgicas. A da personagem/atriz Tallyta ainda tem uma certa justificativa na trama. Afinal, ela é filha de uma artista de cinema "famosíssima" (Joana Fomm) que deve achá-la horrorosa, por isso a obriga a refazer seios e nariz. Mas, a pretexto de ensinar estudantes de medicina, exibir a lipoaspiração no abdômen e cirurgias (rosto e seios) em todos os detalhes é meio repugnante para estômagos mais sensíveis.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 95931