PUC-Rio

Jornal/Revista: O Dia
Data de Publicação: 23/07/1989
Autor/Repórter:

NOS FIGURINOS DE KANANGA UMA NOVA MULHER

Viagem no tempo. A década de 30, fundamental na compreensão da história recente do Brasil, é mais uma vez visitada, agora com ares folhetinescos, em Kananga do Japão, a mais nova e ousada cartada da Manchete na área da dramaturgia. Porém, mais que uma produção de época, a novela se propõe a apresentar o estudo de um período de profundas mudanças, tanto na política como na economia e, naturalmente, no comportamento. O melhor, ou pelo menos mais visível termômetro destas transformações é o vestuário que, no caso da Kananga, está nas habilidosas mãos do figurinista Colmar Diniz.

Indicado pela própria diretora Tizuka Yamasaki, Colmar preparava o cenário para a turnê da peça O Mistério de Irma Vap quando recebeu o convite. O projeto imediatamente o fascinou: "É uma fase constantemente estudada, que pega desde o crack da Bolsa de Nova Iorque até o início da Segunda Guerra Mundial. Mas nunca se fez um trabalho mais profundo ligado ao figurino", diz.

Ele explica que as mudanças sociais do período implicam novas posturas, principalmente da mulher, e que se refletem nas roupas. É o momento em que as feministas lutam pelo voto, jornadas de trabalho mais justas e outros direitos. "A mulher dos ano 30 quer se impor como tal. Com isso, as vestimentas passam a marcar o corpo, com as curvas voltando a aparecer. A melindrosa dá lugar aos vestidos justos, cintura fina e sapatos altos", afirma.

Colmar afirma, também, que a moda da época era resultado das circunstâncias econômicas. Como exemplo ele cita as saias, encurtadas na década de 20. Com a recessão dos anos iniciais do decênio seguinte, a indústria precisa que elas se alonguem para aumentar a demanda de tecidos. Dora, principal personagem de Kananga, vivida por Cristiane Torloni, vai mostrar esta trajetória da mulher que é obrigada a enfrentar o dia-a-dia de tempos muito difíceis.

Para o figurinista, que já havia feito o guarda-roupa de Novo Amor, também na Manchete, a maior dificuldade encontrada pela equipe que comanda foi com a pesquisa. O problema é que, por mais apoio que encontrássemos nos "locais, não havia registros importantes. Eram fotos sem data, a maioria mostrando como se vestia a elite. Assim, a memória se perde.

Uma outra característica curiosa revelada na pesquisa é a variedade de estilos, cortes e padrões. Como cita Colmar, algumas revistas da época registravam mais de 500 modelos diferentes. Por mais que fossem seguidas tendências hollywoodianas ou francesas, cada um fazia sua moda. Alguns grupos tinham seu estilo próprio, como a malandragem carioca, facilmente identificada pelo terno branco.

Provavelmente a fase mais tranqüila do trabalho da equipe, que conta com dois figurinistas assistentes, três auxiliares para estúdio e externas e uma produtora de moda, foi a da procura de materiais, todos encontrados com facilidade no mercado. Colmar, inclusive, faz questão de ressaltar que não houve a necessidade de importação de qualquer tecido. "Tudo é nacional, da seda à chita", garante.

O restante foi simples. As roupas, desenhadas na própria emissora, foram e continuam sendo confeccionadas por cerca de dez costureiras e alfaiates, que são responsáveis por um enxoval de oito a 10 modelos para cada personagem. Falar nos custos, nem pensar. "Sou proibido de falar em orçamento", afirma o figurinista, brincando, "mas eu posso dizer que todo o trabalho de pesquisa, as noites sem dormir e outras coisas tornam os figurinos sem preço."

Sociólogo formado, professor da Faculdade Cândido Mendes e dono de uma bagagem teatral de 19 anos, Colmar compara o desafio de Kananga . do Japão à estréia de uma nova peça: "A gente precisa um jeito de fazer o impossível no mínimo de tempo. Mas, como no teatro, se a coisa é boa, sempre sai".

Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 9781