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Documento Número: 11445
Jornal/Revista: Meio & Mensagem
Data de Publicação: 29/01/1990
Autor/Repórter: Regina Moldero

MANCHETE ABANDONA SOTAQUE CARIOCA

E parte com tudo para São Paulo, com a inauguração de novas instalações, a transferência de sua direção comercial e a geração de programação local na capital paulista

A tradição de programação qualificada convivendo com atrações de impacto popular, ao lado da estratégia que articula uma teia de marketing para avançar nos negócios em São Paulo, são as duas linhas-mestras que orientam a reestruturação da TV Manchete na capital paulista. Com a inauguração da sede própria, projetada por Niemeyer, em 11 mil m de área construída - que incluem dois estúdios, separadamente para o jornalismo e para a linha de shows - e, onde está sediada a diretoria geral de comercialização, a emissora concretiza sua intenção de abandonar o "sotaque carioca" em busca do fabuloso mercado paulista, estimado por seus executivos em 624 milhões de dólares durante o ano de 1989.

Dos 70 milhões de dólares faturados pela Rede Manchete, através de suas 32 emissoras, durante o ano passado, 50 milhões foram resultados dos negócios efetuados em São Paulo, segundo afirmou Xerxes Gusmão, diretor de planejamento e marketing. Esta simples constatação evidenciou a necessidade de que os diretores atuassem mais diretamente junto ao mercado paulistano, para alavancar o share da Manchete, calculado em 8% sobre a verba local, de forma que possa aproximar-se efetivamente da vice-liderança.

"Vamos conservar nosso padrão de embalagem e prosseguir na segmentação, pois o nosso espectador sente-se empobrecido pela opção de programas e temas diferenciados", afirma Osmar Gonçalves, diretor geral de comercialização. Entretanto, para atender aos perfis das classes B e C, a linha de shows do horário das 22h30 e o estilo realista das reportagens de "Manchete Documento Especial" cumprem o papel de atrações mais populares, respondendo assim às expectativas detectadas em pesquisas.

O ano de 1990 é considerado como ótima oportunidade de negócios pelos executivos de televisão, que empurram para longe os prenúncios de recessão econômica. Grandes eventos já tiveram suas cotas negociadas: enquanto, na Copa do Mundo, os anunciantes Credicard, Philco, Votorantim e Kaiser já fecharam seus contratos para as transmissões do Carnaval, realizados em pool com a Globo, três cotas foram vendidas para Philco, Nestlé e Banerj. "Em 90, fecharemos o ano com US$ 100 milhões de dólares", acredita Gonçalves.

Para dinamizar o esquema de comercialização, Ricardo Fremder assumiu a direção comercial de São Paulo coordenando o trabalho de quatro gerentes que formam quatro grupos de atendimento. Ao lado da diretoria de planejamento e marketing, está sendo implantada a diretoria de serviços de marketing. "Esta nova diretoria prestará apoio direto às menores contas, às pequenas agências e aos clientes diretos';, aponta o diretor-geral. "E necessário que um profissional autônomo e qualificado possa prover os menores anunciantes no seu dia-a-dia com maior agilidade interna dentro da emissora." Para a recém-criada diretoria, está sendo cotado o nome de Ângelo Franzão, diretor de mídia da MacCann-Erickson, cuja definição deve ocorrer nesta semana.

Relação mais quente com o espectador - Os vínculos com a metrópole paulistana estão sendo reforçados a partir da geração de programação local, onde o jornalismo e os conteúdos de utilidade pública desempenharão papel de importância. "De 5% da programação que inicialmente era produzida em São Paulo, a partir de março chegaremos a 25%", garante Nilton Travesso, diretor regional de São Paulo. A escolha de nomes identificados com o público paulista na área de esporte, conforme apurava a revista Mídia & Mercado na edição de novembro/89, foi a tática escolhida e que determinou a contratação direta dos irmãos Osmar e Oscar Santos (antes o locutor era contratado de uma produtora independente) e de Osmar Oliveira para a direção de esporte, dada sua popularidade no meio esportivo paulista.

"A série de quarenta programetes com 10 minutos cada, "A Itália de todos nós", protagonizadas pelo craque Falcão, é outro trunfo da nova fase. Rodada em 26 cidades italianas, o roteiro da Copa do Mundo não fala somente de futebol, mas envereda pelos aspectos culturais, gastronômicos e de prestação de serviço aos turistas brasileiros que visitarão a Europa para assistir ao torneio. Celebridades como Sophia Loren, Luciano Pavarotti, Franco Zefirelli, Peppino di Capri e Don Agnelo Rossi são entrevistados pelo jogador, que "além do prestígio que goza na Itália, também compõe um perfil mais sintonizado com o sul do Brasil", como classifica Travesso.

O investimento de 15 milhões de dólares na construção da sede paulistana, na verdade, ganha outras proporções na estruturação eletrônica dos estúdios, com novos sistemas de câmera e edição da geração Betacam, alcançando a cifra de 25 milhões de dólares. Se a sofisticação técnica é indispensável na guerra do mercado, ainda mais quando se tem a eficiência global como oponente, em contrapartida a Rede Manchete pretende se diferenciar do excesso da computação gráfica.

"A televisão como meio hoje passa por mudanças: o aparato eletrônico cresceu demais e hoje não causa mais espanto, chegando a esfriar a relação com o espectador", acre- dita o experimentado diretor. "A abertura da novela "Kananga do Japão", por exemplo, optou por um caminho humanizado, valorizando a cenografia e evitando a computação gráfica".

Augusto Cesar Vanucci, ex-global diretor de shows, também desembarca com duas criações para a fase paulista da emissora. A série de episódios "Fronteiras do Desconhecido", com temas ocultos e misteriosos, terá a paisagem paulistana como pano de fundo; e é dele também a criação da série "Os Campeões", apresentada por Osmar Santos, onde bem-sucedidos notórios contarão sua trajetória, intercalada por depoimentos de amigos e por apresentações musicais. Para o horário das 22h30, nas sextas-feiras, será produzido show ao vivo no estúdio de São Paulo com apresentação de César Filho para "esquentar" definitivamente a programação.

Ecologia e propaganda - A brejeirice do Brasil ao final da década de 30 sombreada pela brutalidade da repressão à Intentona Comunista, cuidadosamente apresentados pela direção da Tizuka Yamazaki em "Kananga", novela líder da emissora, com média de 14 pontos de audiência no Rio e 7 pontos em São Paulo, será substituída em março por "Pantanal", novela ecológica de autoria de Benedito Ruy Barbosa, com direção de Jayme Monjardim.

Hit parada nacional, com entrada de gravações de outros Estados e a possibilidade de contratação de novas estrelas, como Marília Gabriela, que já teria sido sondada, são os outros coelhos que saltam da cartola da rede do grupo Bloch. Para comunicar estes avanços ao mercado, a rede conta com os serviços da VS Escala, que criou a campanha para o Jornalismo, noticiando as contratações de Leda Nagle e do casal Leila e Eliakim.

Embora sem detalhar a linguagem, o diretor de criação da VS Escala, Lula Vieira, informou à Mídia & Mercado que fatores como "a qualificação do público, a existência de opções de programação e sua qualidade, e ainda a tradição em alguns tipos de cobertura,como a do Carnaval", serão enfatizados na comunicação, que agora irá enfocar as diversas faixas da programação. Mídia impressa, rádios, outdoor, painéis de rua e de metrô serão mobilizados neste esforço, cuja verba não foi revelada.

A versatilidade na programação, como alternativa ao líder, supõe-se que estará garantida com o entrosamento com as produtoras independentes. Além da Intervídeo, famosa pelas esmeradas produções internacionais a rede compra regularmente projetos da RW Vídeo e da Equipe A, e anuncia a abertura de um "espaço experimental" para a transmissão de novos produtos das produtoras independentes no horário da madrugada.

A REAÇÃO DO MERCADO - perder o sotaque de origem para conseguir abranger outras mentalidades e outros mercados mais atraentes parece ser a chave estratégica para as "networks" brasileiras conseguirem maioridade frente à Venus platinada, que rebrilha solitária em sua cômoda liderança.

O desembarque do staff da Rede Manchete em São Paulo ilustra bem como nenhuma empresa pode desperdiçar seu tempo dirigindo-se à região que lhe é mais familiar. "A Manchete percebeu que não deveria ficar olhando seu próprio umbigo, e resolveu ultrapassar as contingências de sua região de origem", comenta Pyr Marcondes, diretor de Criação da agência Grottera & Associados. "Entretanto, o crescimento dos negócios hoje depende muito mais da evolução da economia do Brasil como um todo", arremata.

Para Antônio Rosa, diretor de Atendimento da Salles inter-Americana, a resposta do mercado paulista é líquida e certa. "Hoje, o retorno de São Paulo, capital e interior, é maior que o dobro do Rio de Janeiro - e a própria Globo atentou para isso há bastante tempo. Este forte aparato de produção da Manchete em São Paulo, somado aos fatores que o mercado vai fornecer no contato entre a rede, as agências e anunciantes, vão favorecer a transformação da linguagem. Em breve, o mais provável é que o mercado carioca venha a se queixar da linguagem paulista", imagina.

"Televisão não tem pátria, é universal. O que conta é a constância na programação de qualidade para que o fator audiência apresente modificações a longo prazo", pondera Daniel Barbará, diretor nacional de mídia da DPZ. "Há programas de grande ressonância, como o Jornal da Manchete, ou o TJ Brasil, com Boris Casoy no SBT, cuja audiência não ultrapassa 10 pontos. Entendo que a programação de qualidade tenha que ser contínua, para tornar-se opção permanente para a publicidade, e, como conseqüência, atingir o espectador."

"As redes de televisão possuem idades bastante diferentes e, portanto, ciclos diversos de maturação. No caso da Manchete, que possui um bom jornal e uma boa novela, permanecendo neste padrão por mais quinze meses provavelmente se consolida como opção de mídia. O que a televisão não pode é assumir uma progressão maluca em termos de Custo", ressalta Barbará.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 11445