PUC-Rio

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Documento Número: 230436
Jornal/Revista: Valor Econômico
Data de Publicação: 12/04/2019
Autor/Repórter: Luciano Buarque de Holanda

FEMINISMO NOS TEMPOS DA BOSSA

'Coisa Mais Linda' traz luta de mulheres

O cenário é o Rio de Janeiro de 1959, não por acaso o ano de nascimento da bossa nova. Com título inspirado na canção homônima de João Gilberto, "Coisa Mais Linda" traz uma estreita relação com o advento do gênero, mesmo nunca saindo da ficção. Certos fatos e personagens parecem se misturar a eventos reais, tal como acontece nas pseudocinebiografias de Todd Haynes ("Velvet Goldmine", "Não Estou Lá").

No entanto, ainda que determinante à trama, a música não deixa de ser um pano de fundo. "Coisa Mais Linda" lida sobretudo com a luta de quatro mulheres para se impor numa sociedade profundamente machista. No final dos anos 50, as mulheres eram criadas para serem donas de casa.

Trabalhar fora podia ferir a "integridade" do marido como bom provedor. Divórcio, nem pensar: era a pior das humilhações. Num mundo onde as normas de bons costumes eram ditadas por homens, algumas aguentavam todo tipo de abuso só para manter as aparências.

Alinhada ao novo levante feminista, "Coisa Mais Linda" passa longe de reduzir suas protagonistas ao papel de vítimas submissas. Quando não "empoderadas", todas elas estão em vias de se libertar do domínio masculino. Recém-chegada de São Paulo, Malu (Maria Casadevall) descobre que o marido não apenas lhe traiu, como também fugiu com as economias da família. Embora arrasada, ela reúne forças para se reerguer ao vislumbrar a oportunidade de abrir um bar de música ao vivo - semelhança das casas de bossa nova do lendário Beco das Garrafas.

Paralelamente, a amiga Lígia (Fernanda Vasconcellos) alimenta o sonho de se tornar cantora profissional, a despeito das objeções do marido, sujeito violento que considera o ofício vulgar, Tal como ainda ocorre nos dias de hoje, Lígia sofre em silêncio e teme denunciar os abusos.

Já a cunhada, Thereza (Mel Lisboa), é seu total oposto: jornalista emancipada, bissexual, não hesita em confrontar os homens de igual para igual. Completa o quarteto Adélia (Pathy DeJesus), ex-doméstica que ampara Malu em seu momento mais difícil. Negra, moradora do morro, ela sofre em dobro, somando questões sociorraciais à temática.

Com sua fotografia exuberante, sua trilha sonora de grife, que parte do tema "The Girl From Ipanema", interpretada por Amy Winehouse (1983-2011), "Coisa Mais Linda" é uma série tipo exportação, que se arma de todos os ingredientes para agradar.

O verniz politicamente correto acaba resultando em personagens planos, meio caricatos, impressão reforçada pelo elenco irregular. Quem procurar vai encontrar clichês e fórmulas típicas de um novelão da TV aberta - note o modo forçado como alguns dos personagens se conectam. Novelão muito acima da média, esteticamente irretocável, entretanto.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 230436