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Documento Número: 35954
Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 09/12/1997
Autor/Repórter: [editorial]

TV - A HORA DA ÉTICA E DA LEI

No momento em que chega ao Congresso a discussão sobre o tom apelativo e a baixa qualidade que vai tomando conta da televisão brasileira, da Itália vem um excelente exemplo de auto-regulamentação. Segundo Assimina Vlahou, nossa correspondente em Roma, a televisão italiana está colocando em prática medidas especiais que visam a proteger as crianças dos abusos da programação. Um código de auto-regulamentação, assinado na semana passada pelas três principais redes de TV do país - a estatal RAI, o grupo Mediaset, de Silvio Berlusconi, e a Telemontecarlo - e pela Federação de Rádios e Televisões (FRT), foi a resposta da mídia ao crescente descontentamento da sociedade italiana com os excessos da televisão.

Encomendado pelo primeiro-ministro Romano Prodi, o código é resultado de um trabalho que durou vários meses e contou com a colaboração de representantes dos canais de televisão, pesquisadores e psicólogos. O documento aponta uma série de situações que não poderão ser transmitidas pela TV na chamada "faixa horária protegida". Diariamente, das 7 às 22h30, é proibido transmitir cenas de violência brutal que possam impressionar as crianças e desencadear atitudes de imitação. O veto se estende à veiculação de crimes cujos protagonistas, testemunhas ou vítimas, sejam menores. Não é mais permitido entrevistar menores de 18 anos em situações de grave crise, como fuga de casa, envolvimento com o crime organizado ou prostituição.

Para verificar se essas normas são respeitadas, foi criado um comitê de controle integrado por representantes das próprias emissoras. Ao receber a denúncia de violação de algum dos artigos do código, o canal de TV terá de transmitir a "condenação" em seus próprios telejornais. Trata-se de um esforço de auto-regulamentação que, sem dúvida, mereceria ser considerado pelo governo, os responsáveis pela programação das televisões e a própria sociedade civil brasileiros.

O sucesso de audiência de determinados programas (basta pensar nos elevados índices alcançados pela aviltante agressão à dignidade humana que se renova nos quadros comandados por Ratinho, da Record, e Márcia Goldschmidt, do SBT, entre outros) tem sido brandido como sinal de aprovação. O argumento é falso. Na verdade, o entretenimento mundo-cão, apoiado numa sórdida manipulação do conceito de liberdade de expressão, cresce à sombra da exploração dos instintos e paixões humanas. Violência, pornografia e sadismo podem render bons pontos no Ibope. Afinal, os sentidos respondem de forma imediata. Mas o que despencará, a longo prazo, não duvidemos, será a credibilidade da TV.

Como salientou o jornalista inglês Paul Johnson, "os meios de comunicação social devem mostrar disposição para liderar". O poder requer responsabilidade, e a responsabilidade significa liderança. Uma rede de tevê deve estar preparada para assumir uma posição moral e se apegar a ela em face de pressões e críticas. Desnecessário é salientar, por óbvio, que às emissoras de TV cabe enorme responsabilidade social. Por isso, para avaliar com profundidade a qualidade de uma emissora, não bastam as análises meramente técnicas, empíricas e quantitativas. É preciso discutir os valores explícitos e implícitos das mensagens emitidas. Qualidade técnica não garante retidão ética. E sem ética é o vazio. A TV de qualidade, aquela a que os brasileiros têm direito, está bem perfilada na Constituição.

De fato, segundo o artigo 221, a produção e a programação das emissoras de rádio e TV atenderão, entre outros, aos princípios de "preferência a finalidades artísticas, culturais e informativas" e "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Também está definido, no artigo 220, que compete à lei federal "regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada" e "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221".

O que estamos presenciando, portanto, é uma sistemática agressão aos valores éticos e à própria Constituição. Não cabem mais omissões num quadro de tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm maior parcela de responsabilidade, cobrem a preservação dos valores éticos que sustentam a sociedade e exijam o cabal cumprimento das normas jurídicas deste país.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 35954