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PUC-Rio
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Documento Número: 6133 Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 20/04/1986 Autor/Repórter: Míriam Lage e Paulo Adário
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A ESTRELA DA MANCHETE
Entusiasmada com o sucesso de D. Beija, a Rede Manchete vai entrar firme no filão das novelas por decisão pessoal de um russo naturalizado brasileiro, que, aos 75 anos, arriscou seu sólido império gráfico pelo desafio da televisão.Hoje, três anos depois, Adolpho Bloch está confiante no presente e no futuro de suas empresas, graças à reforma econômica. E mostra nessa entrevista não só sua filosofia empresarial como também, revela o peculiar senso de humor que personagem de um vasto folclore. A entrevista, aliás, foi interrompido por um funcionário que queria avisá-lo da entrada de uma vaca e um bezerro no prédio da Manchete.
- Uma vaca? perguntou Bloch, perplexo.
- E, para a gravação Alô Papa, Alô Dolla. Mas não se preocupe porque já protegemos os tapetes e o chão do estúdio.
- Mais um cachê... que não é para a vaca, é para o dono! E ela ainda vai subir no meu elevado .
JB - A Manchete já havia tentado uma novela de época, A Marquesa de Santos, com resultados apenas razoáveis. Dizem que, não fosse seu pulso D Beija teria ficado no papel. É verdade que a novela só foi ao ar porque contava com seu apoio?
Bloch - É verdade. Acredito muito na capacidade profissional de homens como Rubens Furtado, Jaquito e Zevi Ghivelder mas sempre soube que eles desconfiavam do projeto D Beija. Nunca chegaram a me dizer abertamente mas não me encorajavam a entrar nesse barco. Eu, ao. contrário, tinha certeza que daria certo e resolvi assumir toda a responsabilidade pela realização da novela.
JB - E por que essa paixão por D. Beija?
Bloch - É uma bela história, com muita força. Quando tomei conhecimento do roteiro, tive certeza que daria certo porque junta três ingredientes que sempre deram certo ao longo da História: amor, padre e rendez-vous.
JB - Pelo que dizem os índices de audiência, o senhor tinha razão.
Bloch - A novela tem dado 25%, 27% no Rio, em Recife já chegou a 40%, em Belo Horizonte atingiu 35%. É comentada em todo o Brasil. O trabalho realizado por toda a equipe é muito bonito. Eu não tenho hábito de ver novela mas, por essa, fiquei apaixonado. E o público parece ter sentido essa mesma atração pela história. Esses índices de audiência representam, para nós, uma grande vitória porque a cada dia partimos do zero. Cheguei à conclusão que quando a Globo dá 65% no Ibope, sua conquista não vai além de 35% do público porque a emissora já deve partir dos 30%. É um hábito de mais de 15 anos assistir a Globo.
JB - Mas o senhor reconhece que, para a Manchete, D. Beija foi um grande desafio?
Bloch - Enorme. Quando dei a ordem para fazê-la, não poderia ter dado. Gastamos perto de Cz$ 25 milhões, é muito dinheiro. E isso começou numa época difícil em que o dólar subia a cada dia, o papel idem, a situação era complicadíssima.Precisamos mandar construir os estúdios em Santa Cruz para começar uma produção nada fácil. A história de época exige cuidados especiais. Se um caminhão buzina e o som entre na área de gravações, a cena está desperdiçada, é preciso recomeçar.
JB - Curioso o senhor ter insistido tanto na realização de uma novela se é o tipo de programa que raramente vê.
Bloch - Essa novela me deu tanto ânimo! Toda a programação da emissora está subindo com ela. Tenho tanta certeza de que o caminho está correto que estou desocupando 5 mil metros quadrados em Água Grande para construir outro estúdio. Vou colocar novela no ar das 19h30min às 20h15min. Depois, entra o Jornalismo, seguido de outra novela. Mais tarde o horário será ocupado por atrações variadas. Assim, tenho uma televisão perfeita.
JB - Esse esquema de programação não contraria aquele traçado original da emissora, propondo uma programação classe A?
Bloch - Não sei. O fato é que a Manchete é uma emissora do povo. Todo mundo está vendo a novela. Meu motorista assiste D. Beija. No prédio onde moro, na avenida Atlântica, observo nas áreas de serviço que as empregadas estão com suas televisões ligadas na Manchete. D. Beija deve ter. uma audiência fabulosa.
JB - O senhor quer dizer que tem mais gente vendo D. Beija do que revelam os índices do Ibope?
Bloch - Não tenho a menor dúvida, As estatísticas não são confiáveis. Se você quer dar mais Ibope, ponha os pesquisadores em determinado bairro. Em Ipanema e Leblon, por exemplo, acho que os moradores não deixam os pesquisadores entrarem em suas casas. E muito mais fácil fazer pesquisa nos subúrbios do que no Leblon.
JB - Ao optar por novelas antes e depois do jornalismo, a Manchete está copiando a chamada "programação sanduíche" que deu certo na Globo...
Bloch - É o que dá resultado. As novelas puxam o jornalismo, puxam tudo. Não se trata de enfrentar o concorrente com as mesmas armas, mas de usar uma fórmula que deu certo.
JB - Roberto Marinho é o seu modelo de empresário?
Bloch - Não. Sou amigo do Roberto Marinho há muitos anos, ajudei-o a construir a Rio Gráfica e ele ganhou muito dinheiro por lá. É um empresário da maior competência, criou os filhos muito bem mas não olho para ele como um modelo a ser seguido.
JB - Como se comporta a concorrência nessa área de televisão?
Bloch - O jogo da Globo é pesado. Mas ela está - e quer ficar - em primeiro lugar. Eu prefiro o segundo. E estamos atingindo essa meta com a maior facilidade. O mercado ainda muito difícil é São Paulo, exatamente onde está o dinheiro. Mas não estou só atrás de dinheiro. Às vezes prefiro deixar de faturar só para manter a qualidade. Foi por isso que recusei um anúncio de colchão para D. Beija. Anunciar colchão é muito sem graça. A emissora só tem comerciais bonitos e eu acho o visual muito importante.
JB - O presidente Juscelino Kubitschek foi um de seus melhores amigos. Ele o ajudou muito?
Bloch - Nunca me ajudou, fora a amizade. Eu acreditava em Brasília e a revista Manchete cresceu com Brasília. Na época da construção da capital, a revista O Cruzeiro queria cobrar pelas reportagens e eu queria pagar. Na abertura da Belém-Brasília, eu trouxe de lá uma fotografia de Bernardo Sayão, fizemos uma reportagem e a Manchete vendeu 200 mil exemplares no dia em que foi às bancas. Quantas pessoas, naquela época, conheciam Brasília? Umas cem mil? Os outros 90 milhões precisavam - e queriam saber o que se passava por lá.
JB - JK foi o melhor presidente que o Brasil já teve?
Bloch - Só considero três presidentes; Getúlio, JK e, agora, Sarney. Juscelino pegou um país que só plantava café e nos deu uma oportunidade fabulosa com a indústria. Eu gosto, por exemplo, de hidrelétricas. Quando ele começou Fumas, tinha de importar 95% de tudo o que era usado na obra. Quando deixou o governo, vigorava o inverso. JK foi capaz de perceber que o Brasil podia sair da crise econômica via indústria. Tenho um amigo que trabalha na RCA Victor, em Nova Iorque, que me disse que o Brasil é o único país a poder mostrar, em um dia, onde estão investidos os 100 bilhões de dólares de sua divida externa.
JB - E o presidente Sarney?
Bloch - O que ele fez, agora, foi transformar a noite em dia. Depois da reforma econômica, já tenho tempo de brincar com meus cachorros. Consegui me livrar da correção monetária, que me perseguia há anos. Quando cheguei a este país, havia um ditado que dizia: "Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil". A saúva brasileira dos últimos anos era a correção monetária. Ainda bem que ela morreu antes do país Sarney fez uma mudança que me dá a impressão de estar vivendo na França ou nos Estados Unidos. Agora voltamos ao Brasil normal, sem a loucura do passado. No mercado de dinheiro ganhava-se 500% ao ano sem trabalhar. Formaram-se fortunas do nada, especulando com papéis. Tudo isso era um grande erro, porque a única coisa que vale na vida é o trabalho
JB - O senhor se considera um homem rico?
Bloch - Se eu tivesse esse mesmo parque industrial nos Estados Unidos seria um homem rico. Aqui, não. Estou lutando. Tenho, como bens pessoais, cinco apartamentos. Na Manchete, os donos são pobres. A firma é que é rica. Aliás, quando começamos a fazer a televisão, nós não sabíamos que éramos tão ricos. Somos imigrantes, um tipo de gente que tem certa dificuldade em reconhecer essas coisas. Somos exatamente o inverso dos Diários Associados, onde os donos eram ricos e a firma pobre.
JB - Quer dizer que o senhor não se inspirou em Assis Chateaubriand...
Bloch - Eu não tenho fontes de inspiração. Gostava muito do Assis, era um homem inteligente e realizador. Mas vi que não tinha organização.
JB - Como foi que o senhor começou a montar seu império?
Bloch - Na miséria. Mas na miséria rica, que é bem melhor que a riqueza miserável. Nunca fiz da pobreza uma filosofia. Sempre fui muito rico na imaginação. Cheguei ao Brasil em 1922, fugindo da Revolução Soviética. Comecei a trabalhar como gráfico. A Gillette era um dos meus clientes. Fui a Boston comprar máquinas para fazer os cartuchos de embalagem para as lâminas de barbear e comecei a montar um parque industrial de qualidade. Boas revistas estrangeiras, como a Burda, rodavam na minha oficina. Depois resolvi fazer a editora e tive sorte: peguei a morte de Getúlio, a de Carmen Miranda e a de Francisco Alves, que renderam boas reportagens. Fui ajudado pelo destino a vender mais revistas.
JB - Por que o senhor escolheu o Brasil para começar a vida?
Bloch - Depois da tomada do poder pelos bolcheviques, nossa família ficou uns cinco anos na Rússia e foi para a Itália. Queríamos ir para os Estados Unidos, mas o visto de entrada era muito difícil. Eu tinha um tio que morava aqui e resolvemos vir para o Brasil. Cinco ou seis anos depois nós já tínhamos condição de ir para a América, mas eu já estava gostando do carnaval, das batalhas de confete, comprava em sociedade anônima com um amigo lança-perfume Rhodo... Com o dinheiro da passagem para os Estados Unidos comprei um carro a prestação e com ele ia atrás das meninas, no corso. Conheci as mulatas... quis ficar aqui.
JB - O senhor voltou à Rússia?
Bloch - Voltei em 1967 e fiquei decepcionado: os problemas eram os mesmos que eu tinha deixado no passado. Fiz uma volta nostálgica à minha cidade natal, Gitomir, e encontrei a casa onde havia passado a infância. No jardim, a mesma macieira, que parecia sorrir quando me viu. Partilhávamos um segredo.
JB - Que segredo?
Bloch - Meu tio - pai de Pedro Bloch - tinha uma gráfica e imprimia dinheiro para o Kerenski. De cada lote, guardava notas num cofre e me dizia que eram amostras. Brincadeira dele, é claro. Ele enterrou o cofre debaixo da macieira, mas em 67, quando fui procurar, não estava mais lá. A família que morava na casa contou que o jardim havia sido revolvido para a construção de esgotos. Nessa época acharam o cofre, com uma pequena fortuna.
JB - Por que o senhor, vindo de uma família de gráficos, resolver fazer televisão aos 75 anos de idade?
Bloch - Foram os meus sobrinhos que fizeram isso. Se dependesse de mim, não saía. Não dava 100 contos por ela. Quando soube que o JB decidiu fazer uma televisão, fiquei com pena de vocês. Foram os três piores anos de minha vida e não quero repetir. Atravessar a Revolução Russa foi mais fácil. Só de juros paguei aos bancos no ano passado perto de Cz$ 200 milhões. E quando os bancos descontavam as duplicatas, pareciam estar fazendo um favor. Eles nos tiraram o sangue. Felizmente pudemos agüentar. Quando eu fui montar a televisão quis pagar tudo à vista mas o governo só permitia o pagamento em oito anos. Comprei 12 milhões de dólares em filmes e acho que já paguei 50 milhões de dólares por eles. Sem contar que investi 80 milhões de dólares em equipamentos.
JB - A Rede Manchete já está dando lucro?
Bloch - Estamos estabilizando. Tenho a impressão que até o final do ano estaremos folgadíssimos.
JB - Mas se comenta que o grupo Manchete vai mal financeiramente... Bloch - Isso eu ouço desde que nasci. Mas nunca pedi nada a ninguém. Sempre faço tudo com muita responsabilidade. Sei o que estou fazendo. Nunca deixei de pagar o que devia. Minha divida nunca foi maior do que 6% dos investimentos realizados. É verdade, no entanto, que esses três anos foram complicadíssimos. Como recompensa, hoje estou feliz. Graças ao Sarney.
JB - Quer dizer que agora sua vida mudou?
Bloch - Mudou com o pacote. Antes, perdia as manhã fazendo as contas da empresa - controlo essa área pessoalmente. Agora é mais fácil, resolvo tudo em dez minutos porque sei que o máximo de juro que pago é 1,8%.
JB - Para exercer esse tipo de administração o senhor precisa ser onipresente...
Bloch - É por Isso que nem tenho mesa aqui na Manchete, estou onde há necessidade. O que adianta ficar sentado numa sala bebendo refresco? Aqui trabalhamos muito. Por isso a empresa anda.
JB - Há muito folclore sobre Adolpho Bloch. Dizem que o senhor é capaz de, num único olhar, reconhecer se um slide tem ou não um perfeito equilíbrio de cores. E que, quando acha o trabalho de má qualidade, se irrita a ponto de mastigá-lo. Isso é verdade?
Bloch - É verdade que eu reconheço um bom cromo no olho. Como o Parque gráfico da Manchete é ótimo, posso reproduzí-lo com muita fidelidade. Mas eu não como cromos. Só jogo fora.
JB - Contam que o senhor se irritou com um bailarino que comia sanduíche dentro do elevador. Ficou tão aborrecido com a resposta de que ele havia comprado o sanduíche com o próprio dinheiro que colocou-o para fora, alegando que o elevador o senhor havia comprado com o seu dinheiro...
Bloch - Não sei se esse episódio aconteceu. Contam tantas histórias a meu respeito que já não sei quais são as verdadeiras.
JB - Otto Lara Resende chama os Bloch de Irmãos Karamabloch. Por quê?
Bloch - O Otto é muito engraçado. Ele criou essa história porque éramos três irmãos e brigávamos muito. Otto foi um dos meus melhores colaboradores. Mas só tinha uma mania: queria, de qualquer maneira, ter um toalete novo - trabalhávamos no prédio velho da Manchete, na rua Frei Caneca. Tanto insistiu que eu mandei construir o banheiro para ele. Fizemos uma inauguração solene, com fita, champagne e tudo. Foi muito divertido.
JB - O senhor tem muitos inimigos?
Bloch - Só há uma pessoa por quem não tenho qualquer simpatia: é o Hélio Fernandes. Acho abaixo da crítica. Ele foi diretor da Manchete durante 20 anos e foi bastante desonesto. Recebia dinheiro por fora. Demiti. Mandei embora. Ele reuniu, então, todo o pessoal da revista e disse que ia renunciar - o Gervásio Batista (fotógrafo oficial do Palácio do Planalto, atualmente) é testemunha. Ele precisava de dinheiro, para casar, peguei emprestado com o José Luís Magalhães Lins, do Banco Nacional, e o paguei. Depois disso nunca respondi a tudo o que ele escreveu a meu respeito. Esta é a primeira vez que falo dele. É uma pessoa bastante desagradável.
JB - Quando o senhor parar de trabalhar, quem vai tocar a empresa?
Bloch - Tenho sobrinhos muito bem formados. Acho que uns 25 já estão trabalhando aqui. Gosto desse esquema familiar, tem dado certo. Mas não gosto muito de pensar em parar. Só espero não ter preocupações com a Manchete depois da morte. Essa entrevista já está muito longa. Vocês vão levar uma bronca por gastar tanta fita.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 6133